A série de games Yakuza é culturalmente bastante rica. Ela surgiu no Japão em 2005 e ganhou mais de dez títulos, entre capítulos originais, spin-offs e relançamentos. O que você talvez não saiba é que muito da personalidade e dos costumes da Yakuza desaparecem na tradução para o inglês.
Culpa de quem adapta o texto? De maneira alguma. É realmente muito difícil expressar toda uma cultura verbal traduzindo um texto e pensando verbetes que possam representá-la e aproximá-la do receptor da mensagem de forma satisfatória. Particularmente, acho mais fácil estudar a história do país, mesmo porque nem tradutor eu sou.
Mas vou tentar aproximar um pouco mais as informações que foram "perdidas" nas legendas em inglês dos jogos da série Yakuza, mais precisamente a enorme leva de jogos novos como Yakuza Collection (remaster dos jogos do PS3), Yakuza 7 (que ainda não saiu no ocidente), Yakuza 0, Yakuza Kiwami, Yakuza 6 e Yakuza Kiwami 2.
Ninguém fala Yakuza
Para começar, é sempre bom lembrar que dentro do próprio grupo de mafiosos, a maioria deles não usa o termo Yakuza para se apresentar no jogo. Eles preferem ser chamados de "gokudo", que numa tradução literal quer dizer "Caminho Extremo". É um lance mais romântico para a coisa toda, tirando um pouco da conotação marginalizada da categoria (não se engane, eles são marginais mesmo), sendo apresentada mais como uma escolha rebelde de como levar a vida, principalmente quando colocada lado-a-lado com o jeito de viver do japonês adulto "comum".
Laços de família
No mundo dos jogos de Yakuza é muito comum escutarmos os personagens se chamando de "irmão", "pai", "velho", "senhor", sempre mantendo uma formalidade que os distingue entre classe e proximidade. Infelizmente, a grande maioria dessas palavras são deixadas de lado na adaptação porque no texto ocidental (inglês, no caso), elas ficam mais próximas do sentido literal, e aí o que sobra para gente é apenas a formalidade do "senhor" mesmo, empregada num tom que não varia muito.
Explicando um pouco como as coisas funcionam no Japão, a corrente de comando exercida entre os membros da yakuza segue o estilo Oyabun-Kobun: "chefe" e "empregado", mas representados nesse contexto como pai [adotivo] e filho [adotivo], com os termos utilizados mais como uma forma respeitosa (pelo menos se usarmos a tradução literal dos kanjis que formam as palavras citadas acima). É o mesmo conceito encontrado entre senpai-kohai (veterano e novato), do mais velho para o mais novo, formato que rege o mundo do relacionamento social japonês. "Honra" e "lealdade" foram introduzidos muito tempo depois, e ainda de forma bastante romântica (das histórias de ficção) e pouco realista.
Essa questão de termos familiares tomou conta das relações entre mafiosos japoneses porque muito dos ingressantes da yakuza se desligavam por completo de suas famílias verdadeiras, ou eram simplesmente esquecidos por elas. "Órfãos", exilados, relegados da sociedade, a yakuza aceitava todos de braços abertos.
Por isso, se você souber um pouquinho de japonês (pelo menos aquelas palavras que animes tendem a ensinar), vai sacar de cara que alguns sufixos utilizados pelos personagens do jogo são familiares. "Aniki", "nii-san", "kyodai", "Oya-san": apesar do respeito empregado em cada uma destas palavras, elas não querem dizer literalmente que eles são irmãos ou pais ligados por sangue, respectivamente.
Os mais velhos na frente, sempre
É comum nos perdermos diante de tantos nomes que nos são apresentados em apenas algumas horas de jogatina em Yakuza. Clã Tojo, família Kazama, família Nihara, família Jinsei, família Awano e tantas outras apresentadas uma atrás da outra, sem um mísero descanso ou tempo de entendimento para o jogador. Mas por trás de tudo isso existe uma hierarquia relativamente simples de ser lembrada, e extremamente útil na hora da confusão.
É chamado de "Oya-san", "Oyabun" ou mesmo "Kumicho" (um termo mais técnico, mas que também pode ser traduzido como "chefe") o responsável por cada uma das famílias do jogo. Lá no topo existe o Clã Tojo, que é a maior associação de famílias dentro do mundo fictício do game que representa Tóquio. São mais de 30 mil associados divididos e espalhados na região.
Dentro desses conglomerados, algumas famílias ganham mais destaques que outras, como é o caso da família Dojima, Kazama, Shimano, Majima e Nishikiyama. Cada uma das famílias pode conceder a seus membros a chance de criar novas famílias. Foi o que aconteceu com Akira Nishikiyama, protegido de Shintaro Kazama, que passou a ter a sua própria (e conturbada) família em Yakuza Kiwami. É claro que nessa criação maluca de novas famílias está embutida a responsabilidade do criador, caso alguém saia da linha.
Em Yakuza Kiwami 2, a família Nishikiyama está sem o seu patriarca original. Mesmo assim, atualmente é a maior força dentro do conglomerado Tojo, por conta do abandono da família Majima, que migrou para o mundo da construção civil, se desligando da máfia. E a atual família Majima também abraçou o restante da família Shimano, já que elas sempre foram ligadas de alguma maneira.
Questão de respeito
Uma família sempre responde à outra em termos de hierarquia, seja no videogame ou não. Na vida real, conflitos entre famílias menores são menos corriqueiros que os do jogo, é claro. Na série Yakuza, qualquer um com o devido coro de apoio pode se tornar o presidente do Clã Tojo, o maior conglomerado de mafiosos daquele universo, desde que o anterior não tenha indicação ou seja retirado do cargo prematuramente.
Ao final do primeiro jogo, Kazuma Kiryu é nomeado o quarto líder do Clã Tojo, mas abdica na mesma hora, indicando como seu sucessor Yukio Terada, que também é membro da Aliança Omi. Essa ação de Kiryu é um dos motes principais de Yakuza Kiwami 2.
A Aliança Omi é o segundo maior foco de poder dentro do universo de Yakuza. Localizados em Kansai, região Centro-Sul do Japão, eles são a principal ameaça do Clã Tojo, de Tokyo, e seus eternos rivais em tudo, inclusive na existência de um mafioso lendário, o "Dragão de Kansai", Ryuji Goda.
Em Kiwami 2 eles são as estrelas da vez, e vão dar trabalho a Kiryu e Daigo Dojima, filho de Sohei Dojima (o cara assassinado no primeiro jogo), fazendo de tudo para impedir que uma aliança entre os dois maiores conglomerados de mafiosos japoneses assinem um tratado de paz entre si.
Na cronologia atual do jogo, o Clã Tojo tem como líder da sexta geração, Daigo Dojima, filho de Sohei Dojima, assassinado no primeiro jogo da série, Yakuza Kiwami e que também faz uma ponta em Yakuza 0 como um pivetinho mimado.
Historicamente, a origem da yakuza nos remete imediatamente ao período Edo (século XVII), de quando a capital do Japão passou a ser Tokyo e não mais Kyoto. Hoje em dia, uma das maiores instituições do crime organizado do mundo, o Grupo Yamaguchi vive expandindo seu território para além do Japão. O atual líder (sexto na hierarquia histórica), Kenichi Shinoda assumiu o cargo em 2005 e é o primeiro da lista de sucessão que não nasceu em Kansai, mas sim em Kanto, uma região que não faz parte dos domínios do Grupo Yamaguchi.
Tatuagem é coisa séria (ou não?)
A tatuagem é outro aspecto sempre apresentado no imaginário coletivo dos mafiosos japoneses. Em Yakuza 6, Takumi Someya (interpretado por Shun Oguri) diz que tatuar o corpo para ingressar na yakuza é um pensamento retrógrado, que essa estirpe de mafioso está com os dias contados dentro do Clã Tojo, e que ele tem muito mais coisa para fazer do que ficar deitado numa mesa sendo espetado por um bambu com tinta. Já Kiryu, quando tatuou seu dragão nas costas, diz que aquilo é a representação de como ele levaria sua vida daqui por diante, e que ele morreria antes de desvirtuar seu caminho. E aí, quem você acha que está certo?
Mas não se engane. A yakuza é um grupo criminoso que atua de forma ilegal no Japão. É claro que algumas de suas ações são controversas, como foi o caso da aliança entre mafiosos e o governo japonês para ajudar os necessitados do terremoto de Kobe, em 1995, ou mesmo o tsunami de 2011. Mesmo assim, não vai achar que é uma boa ingressar nessa vida.
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