No mundo da informática, é conhecido como conversão ou portagem, toda vez que um programa de qualquer tipo é transferido da plataforma a qual foi desenvolvido originalmente para outra. Isso também vale para videogames, e conversões fazem parte desse universo desde os primórdios, quando, por exemplo, jogos de computador eram convertidos para consoles, ou jogos de arcades eram convertidos para diferentes modelos de computadores.
Entretanto, quanto maior a diferença técnica, ou seja, capacidade de processamento, recursos gráficos, quantidade de memória, etc; entre o aparelho de origem e o de destino, maior será o desafio de conversão. Em alguns casos, a diferença é tamanha que beira a impossibilidade técnica, o que não impediu algumas produtoras de ainda assim assumirem o desafio, e alguns casos, matarem a bola no peito e meter no fundo do gol.
O artigo de hoje mostra algumas conversões que de tão excepcionais, entraram para a história dos videogames.
Nintendo Switch is Doomed (Panic Button)
Se por um lado, o Nintendo Switch tem recursos únicos como a possibilidade de ser jogado tanto como portátil como console de mesa, por outro, sua capacidade técnica está aquém dos modelos básicos dos concorrentes Xbox One e Playstation 4. Assim, foi um espanto quando uma versão de Doom, de 2016, foi anunciada para o console híbrido da Nintendo. Isso porque Doom é um jogo super "pesado", que exige computadores "parrudos" para rodar com tudo no máximo, e mesmo as conversões para Xbox One e PS4 exigiram alguns sacrifícios, como diminuição de resolução de imagem em momentos de ação intensa ("dynamic resolution") para entregarem a experiência mais próxima possível ao ideal.
O Nintendo Switch por sua vez, embora possua especificações abaixo do mínimo recomendado para PC, ainda foi capaz de suportar uma versão muito boa do jogo graças ao grande trabalho da equipe da Panic Button, a produtora responsável por essa incrível conversão.
Embora obviamente imensos sacrifícios gráficos tenham sido necessários para que a conversão fosse possível, não deixa de ser impressionante o que a Panic Button conseguiu com um aparelho tão modesto. Embora a resolução média de jogo seja sub-hd e rode com metade da taxa de quadros (30fps) das versões tradicionais, Doom Switch manteve todas as fases, inimigos e armas intactos, resultando em uma representação bastante respeitável do que havia na versão original. No modo portátil então, é ainda mais impressionante experimentar um game desse calibre. Doom Switch foi além do que todo mundo imaginava que o console da Nintendo poderia fazer tecnicamente.
A caçada selvagem do bruxão (CD PROJEKT/Saber Interactive)
Lançado originalmente em 2015 para PC, Xbox One e PlayStation 4, The Witcher III: Wild Hunt rapidamente se transformou em um aclamado clássico moderno, colecionando notas máximas e prêmios da crítica especializada. Ainda assim, o título sofreu algumas críticas devido a alguns problemas técnicos, sobretudo sua alta exigência para rodar apropriadamente. Isso porque Witcher III é um RPG de ação em mundo aberto, cuja escala, detalhismo e complexidade foram absolutamente impressionantes, a ponto de mesmo as versões Pro e X de PS4 e XONE respectivamente, sofrerem algumas quedas na resolução dinâmica e terem dificuldade para rodar acima dos 30 quadros por segundo. Então, foi compreensível o espanto geral quando a produtora CD Projekt anunciou que uma versão para Nintendo Switch estava prevista para 2019.
Mais espantoso ainda foi o que a Saber Interactive, produtora responsável pela conversão, conseguiu com sua "Complete Edition" de The Witcher III: Wild Hunt. Não apenas todo conteúdo original foi mantido, como mesmo DLCs lançadas para as versões PC, PS4 e XONE foram espremidas em um cartucho de 32GB, o maior lançado até hoje para o Switch. Tanto no modo portátil quanto em doca, o desempenho geral é surpreendente, estando sempre na casa dos 30fps.
Assim como na conversão de Doom porém, grandes sacrifícios gráficos foram necessários, sobretudo em resolução, fazendo com que Witcher III pareça embaçado quando exibido em telas de alta resolução. Para compensar esses problemas, a Saber incluiu na sua última atualização um conjunto de ajustes de qualidade de imagem que dão ao jogador a escolha entre ter o mínimo de qualidade gráfica em troca de taxa de quadros um pouco maior, ou mitigar a baixa nitidez com alguns ajustes em efeitos gráficos.
Mas sem dúvida que o recurso mais importante desse patch foi o "cross save", a possibilidade de baixar ou subir arquivos de save das versões Steam e GOG para o Switch, assim tornando o portátil da Nintendo um extersor das versões anteriores. Talvez até mais que Doom, a saga de Geralt é a aventura tecnicamente mais ambiciosa lançada até hoje para o Nintendo Switch.
Lutadores de rua
Falando em ambição, a franquia Street Fighter talvez seja a que recebeu as conversões mais ambiciosas. A primeira em questão é a pitoresca conversão para o Master System, feita inteiramente pela Tec Toy, aqui no Brasil. Pitoresca, primeiramente pelo timing dessa conversão, que foi lançada em meados de 1997, mais de seis anos depois da versão original de arcade; em segundo lugar pela plataforma de destino, o velho Master System, um console 8-bits já aposentado no resto do mundo, mas que sobrevivia como opção econômica de entretenimento para as classes sociais mais humildes.
Mesmo sem nenhum suporte por parte da Sega ou da Capcom, a equipe de produção da Tec Toy arregaçou as mangas e tirou leite de pedra do velho Master no esforço para levar a melhor experiência Street Fighter possível.
Infelizmente, o resultado não foi dos melhores. Graficamente, a equipe fez um excelente trabalho, com sprites bem detalhadas para o nível do Master System, animações razoáveis e cenários que tinham o mínimo de suas versões originais. Mas a dificuldade do aparelho em executar as mecânicas de luta ficava evidente assim que ação começava, com velocidade e taxa de quadros por segundo baixas a ponto de tornar alguns momentos incompreensíveis, travar a jogabilidade e tornar a execução dos golpes especiais muito difícil. Por falar neles, alguns golpes tradicionais ficaram de fora, como o icônico Shoryuken de Ryu e Ken, e o Spinning Bird Kick de Chun-Li.
Três anos depois, em 2000, foi a vez do Game Boy Color, um console portátil tão limitado quando o Master System, receber uma inacreditável conversão do arcade Street Fighter Alpha, lançado originalmente em 1995. A produtora Crawfish Interactive conseguiu a proeza de não apenas manter todos os 13 lutadores regulares (os secretos Bison, Dan e Akuma ficaram de fora) e os 6 estágios da versão original, como converter a mecânica de jogo para o Game Boy Color. Isso significa ter mantido todos os golpes, especiais e super combos, além de ter conseguido comprimir os socos e chutes fracos, médios e fortes dentro de uma mecânica de pressionamento dos dois botões de ação disponíveis no Game Boy. Ou seja, a depender da pressão que o jogador faz sobre o botão A ou B, o golpe sai fraco, médio ou forte.
As partidas são fluidas, rodam bem e a versão Game Boy Color de Street Fighter Alpha realmente parece com um arcade na palma das mãos. O grande ponto fraco dessa versão, porém, é a ausência de modo multijogador, sendo apenas possível partidas contra o computador.
Dois anos mais tarde, os magos da Crawfish Interactive atacam novamente com uma incrível versão de Street Alpha 3 para o Game Boy Advance. Os magos da Crawfish conseguiram realizar o feito não apenas de manter o complexo sistema de jogo do original sem qualquer comprometimento, como foram capazes de espremer 36 personagens, 8 a mais que o original de arcade e 4 a mais que as versões PlayStation e Dreamcast, consoles muito mais capazes que o GBA. O modo multijogador, ausente em Street Fighter Alpha para Game boy Color, está presente ao lado de vários outros modos de jogo que complementam a campanha tradicional. Street Fighter Alpha 3 para Game Boy Advance não é apenas um dos melhores jogos de luta do console, como um melhores jogos de luta portáteis de todos os tempos.
No escuro com a mão no bolso
Em 2001, a Infogrames em uma tentativa de revitalizar sua franquia Alone in the Dark, produziu e distribuiu versões de Alone in the Dark: The New Nightmare para as principais plataformas da época, no caso PC, Dreamcast, PlayStation e PlayStation 2. Mas o trabalho que chamou mais a atenção, curiosamente, foi o da produtora Pocket Studios, responsável pela incrível conversão para Game Boy Color.
O estúdio fez o que pode para converter cenários pré-renderizados na telinha de 56 cores do Game Boy Color, e embora impressionante por um lado, foi invitável que várias delas terminassem em imagens com fundos difíceis de distinguir. Por ser um jogo puramente 2D, a movimentação do avatar ficou truncada e um pouco inverossímil em alguns lugares, apesar da Pocket Studios ter conseguido um bom efeito de aumento e diminuição do personagem.
Outro grande desafio foi implementar uma mecânica de combate em ambientes tão limitados e restritos, então a abordagem da Pocket Studios foi a de muitos RPGs: batalhas aleatórias e transição para uma tela com vista aérea ou isométrica. Embora muito mais limitada que as versões de mesa, Alone in the Dark: The New Nightmare para Game Boy Color entregou uma campanha coerente e bem amarrada, uma boa aventura com mistério e suspense para o portátil da Nintendo.
Caverna do Dragão
Em 1983, o arcade Dragon's Lair embasbacou o mundo dos videogames ao apresentar um arcade com um até então nunca visto desenho animado interativo. Produzido pelo estúdio do lendário animador Don Bluth, Dragon's Lair mostrava os desafios infernais que o cavaleiro Dirk tinha que passar para salvar a princesa Daphne. A impossibilidade técnica em tocar vídeos fez com que conversões para NES, Game Boy e SNES terminassem sendo horríveis games de ação e plataforma.
Ainda assim, por algum motivo, a produtora Digital Eclipse, talvez por via de antigos sortilégios ou magia negra, deu um jeito de exibir todas as sequências de full motion video no Game Boy Color. Claro que o resultado é bastante inferior ao original, mas não deixa de ser espantoso ver um jogo como esse rodando em um portátil tão limitado.
Terremoto em Saturno
A ID Software revolucionou a indústria dos videogames em 1996 quando lançou para computadores, Quake, o primeiro jogo de tiro em primeira pessoa totalmente tridimensional. No plano dos consoles, contudo, foi uma produtora desconhecida que revolucionou o Sega Saturn. Embora o console fosse conhecido por ser difícil de programar e bastante limitado tecnicamente por conta de suas especificações complicadas - sobretudo para jogos tridimensionais - isso não impediu o console de receber uma assombrosa conversão do lendário Quake pelas mãos da Lobotomy Software.
Como era tecnicamente impossível o Saturn rodar a Quake Engine, sobre a qual a versão original de Quake foi feita, os produtores da Lobotomy adaptaram a engine proprietária "Slave Driver", utilizada originalmente para o jogo PowerSlave, lançado em 1996. O processo de adaptação foi complexo, pois PowerSlave contava com cenários tridimensionais, mas todos os elementos de jogo - items, powerups, armas e inimigos eram desenhados como sprites bidimensionais - enquanto Quake, por sua vez, era 100% poligonal.
No fim das contas, os malucos da Lobotomy foram capazes de recriar inteiramente Quake, transportando a experiência do PC para o Sega Saturn praticamente intacta. As fases apenas tiveram alguns ajustes de layout, mas tudo estava lá e ainda com pequenas vantagens em relação a versão original, como a adição de iluminação dinâmica superior. Tudo isso rolava compreensivelmente com um desempenho baixo nos momentos mais agudos, por volta de 15 a 20 quadros por segundos, mas aceitável para o padrão da época, quando dificilmente jogos ultrapassavam 30 quadros por segundo. Hoje, Quake para Saturn não apenas é um item de colecionadores e admiradores do console da Sega, mas figurão nas listas dos melhores jogos do console.
Antes tarde do que Duke Nukem
Mais de dois anos depois do lançamento da versão original para PC (além de algumas expansões), a brava Tec Toy topou o desafio de converter Duke Nukem 3D para o bom e velho Mega Drive, aparelho que àquela altura de 1998, já tinha mais nove anos de existência, e já estava devidamente aposentado nos principais mercados. Embora o console tivesse em sua biblioteca alguns jogos de tiro "FPS", como Cyber-Cop e Zero Tolerance, esses títulos eram muito limitados e mais experimentais que divertidos. Então talvez com o objetivo de preencher esse vácuo e ao mesmo tempo manter a relevância do Mega Drive em um mercado brasileiro tomado pelo PlayStation (e seus milhares de CDs piratas) e Nintendo 64, a Tec Toy tenha tido a iniciativa de tentar portar um dos jogos de tiro mais populares da época para seu console de 16-bits.
Apesar do esforço monumental, o fato é que Duke Nukem 3D para Mega Drive terminou sendo, com uma boa dose de boa vontade, mais uma adaptação do conceito DN3D do que uma conversão em si. Alguns poucos inimigos, armas e nove fases compõem a campanha presente no cartucho, que ao fim e ao cabo até entrega uma aventura jogável. Apesar de todos os pesares, a Tec Toy fez o que pode com o humilde Mega Drive.
Leão e Clara na Cidade do Guaxinim
Resident Evil 2 foi um marco para a franquia de horror de sobrevivência da Capcom. Maior e melhor que o antecessor, RE2 foi um dos grandes sucessos do PlayStation e ainda hoje é um dos títulos mais populares e queridos da franquia, a ponto de ter recebido um recente remake para PC, PlayStation 4 e Xbox One. Um dos destaques da versão original de RE2 foram seus caprichados filmes pré-renderizados, que ajudavam a contar a sinistra trama que Leon e Claire tinham que sobreviver em uma Raccon City em pleno apocalipse zumbi.
Assim, quando uma versão Nintendo 64 foi anunciada um depois da de PS1, todo mundo na época se perguntou: "mas será possível manter as animações no cartucho?"
A Angel Studios, produtora responsável pela ambiciosa conversão respondeu a pergunta principalmente graças ao trabalho de Todd Maynink, engenheiro de software, principal responsável por esse incrível feito. O desafio era gigantesco, pois os dois CDs da versão PS1 tinham 1.2GB, enquanto que o cartucho de N64 tinha 64MB. Para piorar, o PlayStation tinha um chip MDEC de descompressão de vídeo, ausente no Nintendo 64, o que fazia com que os 15 minutos de vídeos saltassem para 4GB de tamanho, que de alguma forma tinham que ser atochados em míseros 24MB, o espaço disponível para filmes dentro do cartucho. Assim, na prática Todd Maynink teve que fazer essa descompressão na mão, utilizando uma série de truques e técnicas para compensar ao máximo a perda de qualidade de imagem e som e adequar as sequências animadas dentro do pouquíssimo espaço disponível.
No fim, o resultado foi absolutamente impressionante, com o Nintendo 64 exibindo 15 minutos de filmes com qualidade aceitável (ao menos para as televisões de tubo da época), e ainda por cima apresentando uma versão de jogo superior ao original, com várias opções extras, ainda que o cartucho tivesse cerca de 20 vezes menos espaço. O slogan "menos é mais" nunca fez tanto sentido.
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