A série Mana foi uma das joias da Square nos anos 90 e poucos por aqui conseguiram experimentar. Trials of Mana, lançado no Japão como Seiken Densetsu 3, sequer chegou oficialmente no ocidente, já que o jogo era grande demais para os formatos de cartucho americanos e a tentativa de adaptação rendeu uma porção de bugs. Quem teve o prazer de jogar a obra precisou utilizar uma tradução não oficial que saiu em 1999 ou utilizar emuladores e, provavelmente, tem esse jogo como um dos melhores RPGs da época.
Com a Square Enix focada em trazer várias de suas franquias de volta (o próprio Secret of Mana recebeu uma versão nova em 2018) chegou a vez de Trials of Mana. Se na época o jogo era um primor gráfico dos 16-bits que encantou quem jogou, a versão atual é bem mais pé no chão, com recursos limitados que refletiram bastante na qualidade final do produto. Se por um lado as animações e cenários deixam a desejar, por outro a fidelidade aos sistemas e enredo do original são dignas de nota.
A árvore a murchar
A história de Trials of Mana não é uma sequência direta de Secret of Mana, seu antecessor, então não precisa se preocupar se esse for o seu primeiro jogo da série. Aqui uma deusa utilizou a lendária Espada de Mana para combater oito males terríveis (os chamados Benevodons) e os aprisionou em rochas. Cansada da batalha, ela se transformou em uma árvore para descansar durante eras em um local sagrado, o Santuário de Mana.
A deusa cravou a Espada de Mana em suas raízes e, com o passar do tempo, entidades de outros planos e seres gananciosos desse mundo começaram a desejá-la. Com o mundo em guerra por conta da busca pela arma e interesses abomináveis, a Mana foi diminuindo e a árvore começou a murchar. Sem mana, os seres mágicos não conseguem mais se manter vivos nesse plano. O risco, além da espada poderosa cair em mão erradas, é que os temidos Benevodons consigam se libertar e causem todos os tipos de estrago pelo mundo.
A história de Trials of Mana não é uma sequência direta de Secret of Mana, seu antecessor, então não precisa se preocupar se esse for o seu primeiro jogo da série
É neste cenário que o seu personagem vai ter a aventura da vida. Só que longe do convencional, Trials of Mana tentou uma abordagem narrativa bem inovadora para a época e que foi mantida no remake. Em vez de um personagem já definido ou que possa ser criado pelo jogador, são dadas seis opções de heróis para serem escolhidos. Um deles será o seu personagem principal e outros dois completarão o trio para a jornada.
Dependendo da escolha do seu personagem principal, a trajetória da narrativa muda e até mesmo os vilões são diferentes. Os outros escolhidos para o grupo se juntam ao seu personagem quando encontrados no mundo, já os restantes vão ser apenas personagens não jogáveis que terão uma ou outra interação na história.
Para ver todos os pontos de vista e entender completamente a motivação de cada personagem ou vilão, você terá que terminar o jogo várias vezes, o que garante um fator replay enorme e bem-vindo ao pacote.
Personagens interessantes, desenvolvimento ruim
A lista dos seis personagens é bem diversa e criativa, com histórias interessantes para serem descobertas. O garoto Duran, meu personagem principal para a primeira jornada, é um órfão que se tornou um dos principais soldados do reino de Valsena. Muito orgulhoso dos seus feitos, uma derrota para o vilão do seu caminho foi motivo suficiente para deixar o seu lar em uma jornada em busca de mais poder para defender aqueles que ama. Assim como Duran, cada personagem tem uma motivação própria e totalmente diferente do que se espera do herói que vai empunhar a espada de mana. Um dos pontos altos do jogo, inclusive, é ver os personagens lidarem com o conflito entre os seus interesses pessoais e o dever de salvar o mundo.
Uma pena que, por conta da forma não convencional da narrativa, o desenvolvimento não seja lá dos melhores. Essa é uma crítica que inclusive já havia sido feita ao jogo original, mas que não conseguiram resolver no remake. A duração reduzida da campanha graças às várias linhas, por volta de 25 horas, também não ajuda os escritores a amarrar tudo de forma legal.
Para conseguir juntar de alguma forma todas essas linhas e possibilidades, o jogo aposta em vários clichês meio batidos de fantasia para resolver as coisas e termina alguns arcos de forma anti climática só para fazer os eventos se amarrarem, mesmo que de forma torta. Se na época do original só a ousadia e inovação da estrutura narrativa seguravam essas derrapadas, hoje, com outros jogos como o próprio Octopath Traveller da mesma Square Enix tendo utilizado essa mesma construção, o resultado final não convence.
Vendo o que conseguiu Final Fantasy VII no seu remake recente, com a expansão de boa parte da história original de forma brilhante, faltou um pouco de coragem para a Square aqui em Trials of Mana para fazer as mudanças necessárias para a narrativa ser mais consistente nos dias atuais.
Gráficos e animações abaixo da média
Trials of Mana era um dos jogos mais bonitos do Super Nintendo e merecia um tratamento gráfico melhor no remake. Por conta do baixo orçamento, logo na primeira cidade você já vai notar texturas feias no chão e em objetos, pássaros sem animação em árvore, barracas e NPCs repetidos a torto e a direita e muitos outros problemas que atrapalham a imersão.
A direção de arte seguiu o que foi feito em Dragon Quest XI, também desenvolvido na Unreal Engine 4, mas sem o mesmo detalhamento nos cenários e muito menos nas animações. As cutscenes são as que mais sofrem por conta disso. Os personagens tem poucas poses e as repetem em quase todas as cenas. As animações faciais não passam de alguns movimentos com a boca ou trocas de expressões sem interpolação, o que fica esquisitão e causa mais risadas que qualquer outra emoção.
Com a novidade da dublagem para as vozes, essas animações faciais ficam ainda mais pobres, já que não condizem com as falas, principalmente se a escolha for pela dublagem em inglês. Além disso, algumas dessas cenas sequer são finalizadas de forma legal e cortam para o jogo de uma vez com os NPCs sumindo da tela de uma maneira esquisita.
Um dos grandes baratos do original era a troca entre dia e noite, onde há um mini-sistema de calendário. Aqui o sistema foi mantido, mas a implementação gráfica foi meio grotesca. A troca de período para o jogo deixa o fundo preto, aplica as novas sombras e iluminação só com o seu personagem na tela e de repente é noite. Outros jogos de baixo orçamento levam a câmera para o céu e mostram uma animação das nuvens passando e o sol se pondo, os mais caros tem um sistema dinâmico de iluminação, aqui tomaram a saída mais barata e feia possível.
Ao menos nas batalhas o trabalho é aceitável. As animações de combate receberam um cuidado maior e os ataques especiais, que dão zoom no personagem, são legais de se assistir. Os inimigos, com algumas exceções, também foram bem animados e até na hora de morrer têm umas expressões bem feitas.
No geral, olhando para a parte gráfica, é um jogo bem abaixo da média para a geração, mesmo comparando com outros jogos menores da própria Square Enix.
Gameplay nostálgico
A fidelidade ao material original não rola só na narrativa, os sistemas do jogo também pegaram bastante do que já existia. É verdade que algumas coisas foram ampliadas ou até modificadas, mas apenas para atender ao ambiente 3D e por exigências da modernidade. Segundo consta, os primeiros protótipos do jogo até tentaram uma visão isométrica como a do original, mas o resultado decepcionou e partiram para uma abordagem mais atual.
De diferente no combate está a possibilidade de fazer alguns combos alternando entre ataques fracos e fortes. No mais, os círculos de acesso rápido para utilizar itens e magias estão de volta, a forma como melhorar o seu personagem por atributos também e, claro, o sistema de classes é o charme do jogo.
Quando o seu personagem atinge o nível 18 e o nível 38, é possível selecionar entre duas classes diferentes para melhorá-lo. Cada uma dessas classes tem diversas habilidades próprias e tornam o fator replay ainda maior. Uma modificação que eu gostaria de ter visto era uma evolução menos linear das armas. O processo é sempre comprar a próxima arma mais forte sem ter que fazer nenhuma concessão ou escolha, já que nenhuma arma tem efeitos secundários. Isso fica ainda mais ultrapassado por conta de cada personagem poder utilizar somente um tipo de arma. Bom, pelo menos é bem fiel ao original, se é que isso vale para as partes datadas.
A travessia também é bem fiel ao original. Você terá os primeiros capítulos andando a pé por corredores em diversos ambientes e sem muito "backtrack". Depois poderá ter acesso ao mar com novas possibilidades de exploração e por fim vai voar para qualquer canto do mapa. É a cartilha padrão do JRPG daquela época e que se manteve no remake.
Uma falta que vai ser sentida por muitos veteranos é a possibilidade de jogar a campanha no modo multiplayer cooperativo. No original até dois jogadores podiam controlar o grupo, aqui rola somente o modo single player. Segundo os desenvolvedores, esse sistema chegou a ser testado, mas estava aumentando demais o escopo do jogo e obrigando o time a tirar recursos de outras áreas para ser implementado. Um pena que tenha sido cortado, mas olhando o que não ficou bom em outras áreas e poderia ter sido pior, a escolha foi acertada.
Como você viu, são vários os detalhes que vão acender o saudosismo de jeito. Um deles, que vai fazer quem jogou o original dar uma risada gostosa, são os vendedores que ficam dançando em frente ao balcão. O áudio também faz bonito e só atualizou as trilhas clássicas. Se por um lado a parte gráfica decepciona, ao menos a parte do 'fan service' está em dia no gameplay e construção de mundo.
Resumo
Trials of Mana é um remake que se apegou no bom e no ruim do original e evitou mudanças bruscas, apostando na nostalgia, sem vergonha de utilizar suas partes datadas. Se essa abordagem é divisiva, a parte gráfica deve desagradar gregos e troianos. Com cutscenes feias, muita repetição de personagens, problemas na dublagem e reflexos do baixo orçamento por todos os cantos, o jogo passa longe de ter o impacto do original.
Se você é um fã da saga e adora um JRPG clássico, o jogo é uma boa pedida. Caso contrário, é melhor esperar uma promoção e não arriscar.
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