O universo dos videogames é realmente fascinante não apenas por conta dos jogos e aparelhos fantásticos que fazem parte da já longa trajetória do entretenimento eletrônico, mas por nos apresentar a histórias incríveis que estão por trás da criação dessas obras.
Tetris, em especial, destaca-se por ter surgido de um local improvável, a fria, cinza e decadente Rússia soviética, concebido por um personagem que nunca pensou que criaria um dos jogos mais populares de todos os tempos, que inclusive foi fruto de uma batalha comercial em plena Guerra Fria.
Confira abaixo um pouco mais da origem do eterno game de empilhar bloquinhos.
É tetra
Imagine um mundo sem diversão, com filmes, músicas e livros censurados com mão de ferro por um regime ditatorial. Pois bem, esse era o mundo de Alexey Pajitnov quando se formou em matemática aplicada pelo Instituto de Aviação de Moscou, em 1979.
Se nessa época o ocidente capitalista experimentava o florescimento de games para computadores, com os primeiros anos do Atari 2600 e salões de arcades se tornando cada vez mais comuns, isso era impensável na Rússia dos tempos da União Soviética.
Lá os computadores eram insanamente caros, e os poucos disponíveis ficavam nas mãos do governo, como o centro de computação da Academia de Ciências de Moscou, onde Alexey Pajitnov trabalharia pouco tempo depois de se formar.
O trabalho de Pajitnov no centro de computação era exaustivo, chegando a 60 horas semanais. Sem muito o que fazer para se distrair nos raros momentos de pausas, ele desenhava pequenos jogos para testar determinados recursos ou comandos em um computador.
Em uma dessas oportunidades, o matemático desenvolveu um jogo para o computador Electronica 60 a partir de um quebra-cabeça chamado pentaminos (pentaminós, em português): um jogo com 12 formas com cinco quadrados, em que o jogador tem que encaixar todas as formas dentro de uma caixa retangular.
O Pentaminós fez parte da infância de Pajitnov, que sempre foi fã de todo tipo de quebra-cabeças matemáticos. Ele resolveu, então, experimentar esse conceito no computador, e escreveu uma rotina para girar as peças. Empolgado com o resultado, resolveu fazer um jogo inteiro sobre esse conceito.
O matemático reduziu as peças para quatro quadrados, diminuindo a quantidade de formas de 12 para 7 e simplificando o jogo. Em seguida, nomeou o programa como Tetris.
"Pentaminos tem esse nome por causa do nome grego do número cinco. Eu percebi que podia pegar o nome grego do número 4, tetra. E daí veio o Tetris", Alexey Pajitnov explicou ao livro High Score: the Illustrated History of Electronic Games.
Na Rússia soviética, o Tetris joga você
O Electronica 60 em que Alexey Pajitnov trabalhava não exibia gráficos, apenas caracteres alfanuméricos. Foi então que o jovem programador Vadim Gerasimov, um dos colegas de Pajitnov no centro de computação, conseguiu contornar as limitações do Electronica 60 e criou uma interface visual para o programa.
A primeira versão do jogo funcionava do mesmo modo que o pentaminós, cabendo ao jogador a tarefa de encaixar as peças dentro de um retângulo. Pajitnov achou que essa mecânica era limitada e tediosa, então chegou ao desenho utilizado até hoje: um retângulo vertical por onde as peças caem, formando linhas.
Em seguida, criou uma mecânica para apagar as linhas já preenchidas e que criavam um espaço inútil na tela, além de um sistema de geração aleatória das próximas peças. Em 1984, nascia a primeira versão para computador de Tetris.
Viciante e superdivertido, Tetris fez grande sucesso entre os programadores da Academia de Ciências, ficando ainda mais popular depois que Vadim Gerasimov conseguiu converter o jogo para o IBM PC, adicionando mais detalhes gráficos e cores para os tetraminos (como se chamam as peças do Tetris).
Em 1986, o jogo acabou indo parar no Instituto de Ciências da Computação de Budapeste, na Hungria, depois que um dos amigos de Pajitnov enviou um disquete com uma cópia de Tetris para lá. O jogo acabou descoberto por acaso pelo empresário Robert Einstein, presidente da Andromeda, uma produtora de softwares de Londres. Einstein se apaixonou instantaneamente por Tetris, e vislumbrando o potencial que o jogo tinha, procurou as autoridades soviéticas para negociar a compra dos direitos autorais. As sementes para um futuro conflito estavam plantadas.
Nintendo, Atari e Tengen: A guerra sob a cortina de ferro
Robert Einstein procurou Alexey Pajitnov e a Academia de Ciências para negociar os direitos por Tetris, acreditando que Pajitnov fosse o dono legal de seu jogo. Diferentemente do que acontecia no ocidente capitalista, produtores de conteúdo da União Soviética não tinham direitos sobre suas obras, que pertenciam ao Estado. Dessa forma, o trabalho de levar obras do leste europeu para o ocidente era burocrático, lento, confuso —e muitas vezes envolvia até suborno de autoridades.
Mesmo sem ter a assinatura das autoridades do Electronorgtechnica (ELORG), a agência soviética de importação e exportação de informática, que era a responsável por gerenciar as criações intelectuais de pesquisadores soviéticos, Einstein vendeu os direitos de Tetris para computadores europeus para a Mirrorsoft, e os direitos para computadores americanos para a Spectrum Holobyte.
A confusão começou, porém, quando a Spectrum Holobyte vendeu os direitos de Tetris para computadores e arcades japoneses para Hank Rogers, um empresário com fortes laços com a Nintendo, ao mesmo tempo que a Mirrorsoft vendeu os mesmos direitos à Tengen, uma produtora de jogos derivada da Atari, que por sua vez vendeu os direitos para consoles japoneses para o mesmo Hank Rogers.
O empresário percebeu que ninguém detinha os direitos de Tetris para consoles portáteis, e sabendo que a Nintendo desenvolvia o Game Boy, viajou para Moscou para fechar essa transação. Rogers, porém, ficou estupefato ao descobrir que na verdade a ELORG nunca licenciou para ninguém os direitos de Tetris para consoles, e então chamou a Nintendo para participar das negociações com a agência soviética. Assim, em março de 1989, a Nintendo, com a ajuda de Hank Rogers assinou um contrato com a ELORG que garantia os direitos de Tetris para consoles domésticos e portáteis para o mundo inteiro.
A versão Tengen de Tetris para NES foi lançada em maio de 1989, com a da Nintendo saindo um mês depois. Acreditando ter sido prejudicado pela Nintendo, Hideyuki Nakajima, presidente da Tengen, processou a companhia, alegando ser o verdadeiro dono dos direitos autorais para consoles. Teve início uma batalha nos tribunais, da qual a Nintendo se saiu vencedora, obrigando a Tengen a recolher todas as cópias de sua versão de Tetris para Nintendo das lojas.
Ainda em 1989, a Nintendo lançou o Game Boy, que vinha com uma cópia de Tetris incluso na caixa. O console e o jogo se tornam um fenômeno mundial, com Tetris vendendo mais de 30 milhões de cópias.
Dança do mascate
A versão Game Boy de Tetris foi responsável por espalhar Tetris pelo mundo inteiro, sendo um grande embaixador do primeiro console da Nintendo. Mas acabou sendo também, por absoluto acaso, um embaixador da música folclórica russa, graças à música "A-Type":
Parte indissociável de todas as versões de Tetris até hoje, a "A-Type" é na verdade uma rendição chiptune feita por Hirokazu Tanaka, da Nintendo, da canção Korobeiniki, baseada em um poema publicado em 1861. Graças ao sucesso do título de Game Boy, Korobeiniki ganhou o planeta em incontáveis homenagens e versões, a ponto de muitas pessoas ainda acharem se tratar do tema de Tetris.
Final Feliz
Durante todo o processo das diversas negociações pelos direitos de Tetris, Hank Rogers e Alexey Pajitnov se tornaram amigos. Em 1991, Rogers ajudou Pajitnov e sua família a imigrar para os Estados Unidos, onde vivem até hoje. Em 1995 os direitos por Tetris expiraram, então Rogers e Pajitnov formaram juntos a Tetris Company, que comprou 50% dos direitos.
Os 50% restantes pertenciam a ELORG, que foi privatizada após o colapso da União Soviética, e ficou com esses direitos até 2005, quando a Tetris Company esse restante. Foi somente a partir de 1996 que Alexey Pajitnov finalmente começou a ganhar dinheiro gerado por sua invenção. Desde então, o ex-matemático vive da renda de Tetris.
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