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OPINIÃO

Velho oeste vira jogo de xadrez em Desperados 3

Desperados III - Divulgação
Desperados III
Imagem: Divulgação

Bruno Araujo

Colaboração para o START

16/06/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Desperados III é um prólogo do game de 2001 e segue o pistoleiro John Cooper em busca de uma recompensa
  • Game consegue modernizar as heranças da série Commandos e de Shadow Tactics, mas não é para qualquer um
  • Missões mais complexas exigem paciência e podem durar até 5 horas

A missão final de Desperados 3 leva o nome de The Old and the New, ou o velho e o novo. E não há descrição melhor para o retorno em altíssimo nível de um dos principais jogos de táticas em tempo real, muito populares nos PCs lá pela virada do século 21, e que agora está nas mãos dos responsáveis por trazerem o gênero de volta em 2016 com o ótimo Shadow Tactics: Blades of the Shogun.

Mas se a última tarefa da trupe liderada pelo jovem cowboy John Cooper termina em um dramático confronto de gerações, o espírito de Desperados 3 está mais para uma reconciliação em formato de homenagem.

Primeiro, por trazer o melhor dessa parceria entre adrenalina e pensamento lógico popularizada pela série Commandos. Segundo, por fazer as pazes consigo mesmo. Desperados 3 não é um Age of Empires com poucas unidades, também não é um game de combate. É um xadrez de ação em que cada peça tem vários tipos de movimentos no trabalho de resolver essa torre de Jenga no velho oeste.

Vai pela sombra

Antes de qualquer outra coisa, um rápido "recap". Os jogos de táticas em tempo real (ou RTT) têm origens mais antigas, mas o termo se popularizou em seu viés furtivo no lançamento em 1998 de Commandos: Behind Enemy Lines, feito pela espanhola Pyro Studios e distribuído pela Eidos.

No papel de um time de soldados aliados infiltrados atrás das linhas nazistas na Segunda Guerra Mundial, seus objetivos variavam entre sabotar instalações, eliminar alvos e resgatar prisioneiros —tudo na surdina e em total desvantagem numérica. Cada membro da equipe tem habilidades únicas e é a união delas, tal qual um bom episódio de Capitão Planeta, a chave do sucesso.

Desperados seguiu essa mesma linha em 2001, mas no faroeste e com mais tolerância a armas de fogo. Desperados 3, por sua vez, é um prólogo do primeiro jogo e segue o pistoleiro John Cooper na cola de uma recompensa que, por razões a princípio ocultas, seu pai não conseguiu coletar. E é, por tabela, uma história de origem do protagonista e de outras figuras conhecidas, como Kate O'Hara e Doc McCoy.

Feito o "recap", o blábláblá é pra dizer que Desperados 3 é uma retratação histórica com as duas franquias.

É que os RTT sempre foram tratados como uma dissidência da estratégia em tempo real — e isso até fazia certo sentido 20 anos atrás. O lançamento original nos PCs, a visão isométrica sobre o campo de batalha e a gestão com aponte e clique do seu esquadrão, mesmo que ele pudesse ser contado em uma só mão, faziam associação a um tipo micro de RTS.

O rótulo tático também pintou, apesar de ser igualmente impreciso. Commandos e Desperados não acontecem em turnos, como XCOM ou Shadowrun Returns, não têm elementos de RPG e tampouco gerenciamento de personagens.

Desperados 3 não é um Age of Empires com poucas unidades, também não é um game de combate. É um xadrez de ação em que cada peça tem vários tipos de movimentos no trabalho de resolver essa torre de Jenga no velho oeste

Desperados 3 Saloon - Divulgação - Divulgação
Imagem: Divulgação

E essa identidade frágil prejudicou. Ambas as franquias acabaram no limbo depois dos fiascos de Desperados 2: Cooper's Revenge, com câmera opcional em terceira pessoa, e Commandos: Strike Force, um maldito de um FPS.

Mas com as melhorias de qualidade de vida introduzidas em Shadow Tactics e aprimoradas aqui, Desperados 3 consegue deixar claríssimo: tudo gira em torno de quebra-cabeças sofisticados que devem ser desmontados, e não reunidos, podendo usar dezenas de soluções diferentes.

Assim como em Jenga, as peças de Desperados 3 precisam ser removidas (ou dribladas) sem que a torre desabe. A diferença é que no game você pode usar a faca de Cooper, a armadilha de Hector, a distração de Kate, o revólver sniper de McCoy e a inclinação ao vodu de Isabelle.

Engrenagens de uma máquina

Se você mergulhou em Shadow Tactics, Desperados 3 pode parecer uma versão sua 2.0. O novo jogo usa a mesma tecnologia e tem o mesmo feel do RTT de ninjas e samurais, com a exceção do visual em cel shading. Mas a lógica é a mesma: se esconda do campo de visão dos inimigos (delimitado por um cone colorido), elimine quem precisar ser eliminado e cumpra os objetivos sem tocar o alarme, de preferência, ou reforços aparecem para dificultar a parada.

Porém, se você parou nos games de 1998 e 2001, muita coisa evoluiu. Exemplos:

  • Cooper e sua gangue podem saltar de uma altura pequena para abater (ou nocautear) um capanga que estiver abaixo;
  • Hector, o grandão do bando, consegue carregar dois corpos ao mesmo tempo;
  • É possível marcar no mapa uma posição, ou um inimigo, e ver exatamente quem enxerga ali;
  • Os corpos desaparecem após serem escondidos num arbusto ou dentro de uma casa;
  • O raio do barulho causado por suas ações é mostrado com clareza, tornando possível o uso consciente de armas de fogo;
  • Há várias armadilhas naturais espalhadas pelos cenários para eliminar inimigos e fazer tudo parecer um acidente.

Isso tudo deixa o gameplay afinado e azeitado, num ritmo constante e previsível no sentido de não ter aquela impressão outrora comum de ser incapaz de fazer algo que parece óbvio, como desovar um inimigo num rio. Ou do alarme tocar por um corpo ser avistado sem razão aparente.

Ao mesmo tempo, um capanga pode sentir falta de um colega que foi retirado de sua posição, ativando um modo de busca full aleatório que pode te pegar com as calças arriadas.

As novidades mais interessantes de Desperados 3, no entanto, são outras. Primeiro, o design e escopo das fases. Algumas missões são tão intrincadas que podem levar mais de 5 horas para serem concluídas. E em várias delas você vai visitar apenas uma parte do mapa.

Desperados 3 Div - Divulgação - Divulgação
Imagem: Divulgação

Lá pela metade do jogo, Kate e Hector são encarregados de bloquear a linha do trem. Eles podem fazer isso empurrando uma carroça ou assustando uma boiada. Optei pela segunda opção e nem cheguei perto da área em que o veículo ficava, o que torna uma segunda jogada praticamente obrigatória.

A amplitude de abordagens e o incentivo a experimentar é constante. O game avisa se o seu último save foi há mais de 1 mísero minuto, e o contador vai aumentando no centro da tela enquanto você não armazena seu progresso. Para Desperados 3, dar load em "joguinho stealth" não é sinal de fraqueza. Muito pelo contrário, é uma proteção que você tem para tentar e mudar de abordagem, caso tudo esteja dando errado.

A segunda boa novidade é Isabelle. Enquanto os outros quatro personagens são um remix das skills de Commandos, Desperados e Shadow Tactics, a misteriosa habitante do bayou de Nova Orleans é totalmente inédita.

Além de distrair inimigos com seu gatinho e eliminá-los com uma adaga, Isabelle pode usar malefícios para "conectar" dois capangas. Assim, tudo que acontece com um, também acontece com o outro — e isso inclui ficar cego por um frasco de perfume, se distrair com um barulho e, é claro, morrer.

Ela também pode fazer um pacto de sangue para assumir o controle de um inimigo. Ou seja, você pode usar o possuído para acertar um e, de quebra, matar o coitado que está conectado pelo vodu.

Essas duas habilidades abrem um leque de oportunidades e abates simultâneos muito criativo, e que está em sinergia com essa noção de Desperados 3 de uma grande máquina sendo desmontada pelas ações do jogador. E com o grande astro de Desperados 3.

Desperados 3 é divertidíssimo sem abrir mão do desafio. É ficar travado horas numa área do mapa só para retomar a missão no dia seguinte e, com a mente limpa, passar de primeira

Desperados deserto - Divulgação - Divulgação
Imagem: Divulgação

Impasse mexicano

O modo Showdown já existia num formato rudimentar em Shadow Tactics. Mas é em Desperados 3, numa versão mais fácil de visualizar e com recursos mais ricos à sua disposição, que ele realmente enaltece do que isso tudo se trata.

Ao pressionar o botão de Showdown, o jogo pausa e permite que você programe uma ação para cada boneco que está a seu serviço naquela missão. Pode ser uma corridinha até um arbusto, uma facada na surdina, uma facada rápida em que você já recolhe o corpo da vítima, um tiro de espingarda que atinge quatro inimigos, ou um tiro de sniper no olheiro do outro lado da fase.

Pode ser uma ação planejada para varrer uma área inteira sem ser detectado. Ou uma reação a um movimento inesperado de um inimigo pra se salvar da enrascada. Dá para ativar todas as ações programadas numa tacada só. Ou uma por vez para causar um efeito dominó.

De qualquer forma, a sincronização de habilidades é um recurso extremamente útil e estiloso, proporcionando a todo tempo saídas incríveis para situações tensas. É a vibe exata dos mexican standoffs, ou impasses mexicanos, aquelas cenas típicas de Quentin Tarantino em que várias armas são apontadas — e poucos saem vivos.

Num segundo momento você até pode jogar Desperados 3 na dificuldade mais alto, em que o Showdown não pausa o jogo. Ou tentar completar as missões no menor tempo possível — e ser recompensado com medalhas por isso. Quem sabe até não morrendo ou salvando. Os limites estão aí para serem desafiados.

Mas o lance é com o Showdown original e as ações programadas formando uma teia de setas que assusta quem chega no meio. Com o quicksave e o quickload sem culpa. Com os mapas amplos e a variedade de caminhos e abordagens. E com as habilidades que compõem a personalidade de cada membro da gangue.

É com tudo isso que Desperados 3 abre a cortina sobre o modus operandi dos RTT. E revela como eles são jogos que tratam muito mais de resolver situações complexas do seu jeito, no seu ritmo, sempre com a criatividade debaixo do braço. Do que ser um general da estratégia.

Desperados 3 é divertidíssimo sem abrir mão do desafio. É ficar travado horas numa área do mapa só para retomar a missão no dia seguinte e, com a mente limpa, passar de primeira.

É repleto de possibilidades sem deixar de ser sólido. É montar uma operação completa para eliminar oito capangas de uma só vez, tudo correr bem até uma coisinha sair do script, mas tudo ser contornado por um gameplay que já previa algo do tipo.

É um abraço caloroso entre o velho, o Commandos e o Desperados que ficaram lá atrás abandonados. E o novo, que renasceu em Shadow Tactics mas precisava de um nome forte para garantir que o gênero finalmente seja o que tiver que ser.

Desperados III

Desperados capa - Divulgação - Divulgação
Imagem: Divulgação

Lançamento
: 16/06/2020
Plataforma: PC, PS4, Xbox One
Classificação indicativa: 16 anos (Drogas Lícitas, Violência, Violência Fantasiosa)
Desenvolvimento: Mimimi Games
Publicação: THQ Nordic
Jogue também: Wasteland, Fallout, Gears Tactics, XCOM, Shadow Tactics

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