Quando Júlio Verne e H. P. Lovecraft se encontram: conheça Call of the Sea
Entre dinossauros sanguinários, terror psicológico e alta velocidade, um jogo se destacou no último Inside Xbox por ser o exato oposto: algo mais contemplativo, bem menos frenético e violento ao habitual em videogame. Call of the Sea carrega consigo o conceito de adventure contemporâneo de jogos como Gone Home ou What Remains of Edith Finch.
E a história de sua idealizadora, Tatiana Delgado, fundadora da Out of the Blue, parece se confundir com a de sua criação. "Um dia acordei e percebi que havia perdido minha emoção por fazer jogos. Eu estava exaurida. Pouco tempo depois, conduzi um workshop de Design de Jogos e algumas pessoas mais jovens compareceram e me mostraram suas próprias criações. Eles eram muito boas!"
Nada como produções revigorantes e originais para gerar vida nova. O ecossistema dos indies é esse unguento mágico. "Vi também que esses jovens tinham algo que eu havia perdido: a alegria de fazer jogos. Naquele exato momento, percebi que era hora de começar a minha própria empresa."
E Tatiana não se refere a Out of the Blue, mas sim a Vertical Robot, criada juntamente a alguns colegas e focada em realidade virtual. "Publicamos o Red Matter, um jogo de quebra-cabeças conduzido por narrativas. Após seu lançamento, gostaria de continuar realizando esse tipo de jogo com foco na narrativa" completa. Call of the Sea, o primeiro projeto do novo estúdio, parece ser a centelha de inspiração novamente acesa, e mais brilhante do que nunca.
Do amor por Firewatch e jogos de mesa a uma inusitada inspiração no horror cósmico de Lovecraft ("mas não é jogo de terror!" garantiu Tatiana), Call of the Sea promete integrar narrativa, exploração e resolução de quebra-cabeças.
START: Na maneira como você conduz sua narrativa, como Call of the Sea se difere de outros jogos, como o Firewatch? De fato, foi muito legal trazer a atriz Cissy Jones para o projeto!
Tatiana Delgado: Em Firewatch, você mantém um diálogo constante com outro personagem ao longo do jogo. No nosso caso, a ilha está vazia e você encontra Norah sozinha com seus pensamentos. Os ambientes são cuidadosamente criados como cenas que contam a história e o jogador terá que explorar e juntar as peças.
Quanto a trazer Cissy Jones para o projeto, nós adoramos a sua atuação em Firewatch e sua capacidade de criar uma forte presença apenas com sua voz. Como você pode ver no trailer, ela produziu uma performance fantástica.
START: Você citou H.P. Lovecraft como uma das inspirações para Call of the Sea. Como é ser influenciada por terror e não necessariamente criar algo dentro desse gênero?
Tatiana Delgado: Call of the Sea não é um jogo de terror, mas um jogo de aventura. Também temos outras referências - o tipo de aventuras e mistérios que você encontraria nos filmes de Indiana Jones (sem a ação e o combate). O fascínio de descobrir velhos segredos e ruínas com uma pitada de ocultismo.
START: Quais são as dificuldades em contar uma história dentro de um jogo focado em resolver quebra-cabeças? Ou ambientação e imersão serão primordiais?
Tatiana Delgado: A dificuldade é que os jogadores precisam ser proativos em querer descobrir os detalhes da história. Projetamos a narrativa com diferentes camadas de detalhes para a história, para que aqueles que desejam ir direto aos quebra-cabeças possam entender o que está acontecendo. Quanto mais você explorar os detalhes, no entanto, mais você aproveitará.
START: Você considera pejorativos termos como "simulador de caminhada"? Qual é a sua opinião sobre jogos como Gone Home ou Dear Esther? A revolução causada por esses jogos foi bastante importante, certo?
Tatiana Delgado: Pode ter sido um termo pejorativo no começo, mas acho que esses jogos realmente definiram um novo gênero que milhares de pessoas gostam. Lembro-me de que não queria usar o botão de correr em The Vanishing of Ethan Carter para poder aproveitar o ambiente o máximo possível.
START: Videogames ainda têm dificuldade em contar histórias interessantes, em associar sua trama à própria jogabilidade? O que o Call of the Sea fará para contribuir quanto a isso?
Tatiana Delgado: Eu acho que existem jogos que fazem um trabalho fantástico entrelaçando jogabilidade e narrativa, como What Remains of Edith Finch fez. Embora Call of the Sea seja um jogo de quebra-cabeça, eu diria que é a narrativa que o impulsiona. Portanto, os quebra-cabeças servem à narrativa e fazem a história avançar como recompensa ao resolvê-los. Um quebra-cabeça não deve bloquear o fluxo do jogo por muito tempo, pois a frustração arruinaria o ritmo.
START: Quando vi o trailer de Call of the Sea pela primeira vez, ele me lembrou algo saído da mente brilhante de Júlio Verne. Isso faz algum sentido?
Tatiana Delgado: Ficamos lisonjeados com esse comentário! Em nossa equipe também há muitos admiradores de Júlio Verne, principalmente os romances sobre suas viagens. Também é interessante como Edgar Allan Poe, Júlio Verne e HP Lovecraft estão relacionados em seus livros "O Relato de Arthur Gordon Pym", "Um Mistério da Antártida" e "Nas Montanhas da Loucura".
START: Do ponto de vista da diversidade de protagonismo, você acha que houve evolução nos videogames? Como Norah (a protagonista de Call of the Sea) contribui para isso?
Tatiana Delgado: Vemos que o esforço na diversidade está aumentando e isso é ótimo! Em Call of the Sea, também queríamos retratar personagens com mais de 40 anos de idade, para mostrar que ainda acontecem aventuras quando chegamos a essa idade, uma raridade nos videogames. É um conto de autodescoberta, uma exploração não apenas da ilha, mas do eu interior do personagem.
START: Videogames, em geral, são violentos e giram em torno da mecânica de armas de fogo, morte e punição. Call of the Sea parece ser o oposto de tudo isso, certo?
Tatiana Delgado: Sim, Call of the Sea não gira em torno de mecânicas, armas de fogo ou combate. Como eu disse no começo, esse é o tipo de jogo que gostamos de fazer, permitindo que os jogadores mergulharem no mundo para explorá-lo.
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