O conteúdo a seguir contém spoilers do jogo.
The Last of Us Parte II é um jogo que impressiona em muitos aspectos técnicos e de jogabilidade, mas é na narrativa que está mesmo a maior força do jogo. E isso também ressalta o papel do jogador em deixar a jornada incrível. Ou horrível.
Quando paramos pra pensar, a trama do exclusivo de PS4 é até simples: uma história com duas perspectivas diferentes sobre vingança, e as consequências desses atos vingativos.
Só que há um fator que a faz funcionar tão bem em um videogame: nós, jogadores.
A não ser que você acompanhe toda a jornada de The Last of Us Part II em transmissões da Twitch, como do Alanzoka, ou vídeos no YouTube, os jogadores não acompanham passivamente as ações de Ellie ou Abigail.
Nós nos tornamos cúmplices e coagentes da chacina que as duas protagonistas proporcionam, ações que só acontecem porque temos um controle em mãos. A vingança de Ellie só se tornou também a minha vingança por causa de toda a ligação emocional que tinha com Joel, após estar na pele dele no primeiro jogo.
A morte de Joel, da forma como aconteceu, foi doída, sofrida, por ser ali também a morte de parte de mim, do jogador que controlou um homem emocionalmente quebrado para salvar uma menina em um mundo pós-apocalíptico zumbi.
Esse é o poder da história de um game e da chamada agência o jogador.
Agência
Agência é um conceito em videogames para representar como as ações de quem joga impactam a narrativa do jogo. Em alguns casos, como em The Last of Us, a agência do jogador também pode fazer com que façamos parte desses personagens.
Por exemplo, ao usar o controle do PS4 para tocar só as primeiras notas no violão de Ellie, temos a sensação de que, de alguma forma, também estamos cantando Take on Me, do A-ha, para a nossa namorada.
Muitas vezes a agência pode ser só uma ilusão, claro, o jogo ainda guia muita dessas nossas ações, mas ainda tem um efeito enorme para narrativas interativas.
Ao mesmo tempo, a vingança de Ellie poderia significar nada caso eu não criasse essa conexão com os personagens. É um fator subjetivo e que separa o quão importante aquele jogo vai ser para quem joga.
No meu caso, o assunto passou a ser pessoal, e também por isso comecei a contar cada morte de integrantes dos Lobos (e só deles), a organização da qual os assassinos de Joel fazem parte.
Não era Ellie que os mandava pro inferno ou chamava de "cuzões". Era tudo eu mesmo. A personagem só externalizava os comandos no controle, porque o desejo de cravar um canivete na garganta de cada um deles era tanto meu quanto dela
Não era Ellie que os mandava pro inferno ou chamava de "cuzões". Era tudo eu mesmo. A personagem só externalizava os comandos no controle, porque o desejo de cravar um canivete na garganta de cada um deles era tanto meu quanto dela.
A minha agência como jogador potencializou a imersão naquela trama que, mais uma vez, poderia ser simples se fosse só um filme ou livro, só que em um videogame causa reações mais emocionais por causa da interatividade.
Então acontece a reviravolta.
O crítico vs. o fã
Os roteiristas Niel Druckmann e Halley Gross gostam de falar em entrevistas que não há heróis ou vilões em The Last of Us Part II. O que é verdade.
O fato de Abigail ser uma protagonista do jogo, ou seja, podermos controlar a pessoa que matou Joel, faz parte dessa filosofia. Porém, é aí que muitos dos meus sentimentos com a narrativa do jogo entram em conflito.
Enquanto um profissional que está fazendo uma análise crítica do jogo, a controvérsia em ficar no controle de Abigail é um mudança interessante e inesperada, abre mais possibilidades de trabalhar diferentes aspectos da trama e personagens, enriquecendo a experiência do jogo no geral.
Porém, como fã, não consegui aceitar estar no controle de Abigail. Esse fato mudou até a forma como eu jogava: agora mais desleixado, sem nenhum tipo de apreço pela vida dela. O ímpeto pelo jogo, que era tão forte com Ellie, agora se tornou quase nula com Abigail.
Da mesma forma, a narrativa ficou enfraquecida porque perdeu um elemento importante: eu, como jogador. A partir de então eu comecei a ficar cada vez mais apático para os rumos que a história estava tomando.
Como um crítico, me deixar no controle de Abigail ao enfrentar Ellie no teatro, como uma luta de chefe de fase, apresentava novas surpresas e só contribuía para as quebras de expectativas.
Como fã, porém, aquilo não poderia ser mais angustiante e me irritava ainda mais, por ser forçado a jogar com uma personagem de que não gostava, que já tinha matado Joel, e agora poderia fazer o mesmo com Ellie. A ideia não descia nem um pouco bem.
A anti-Ellie
O pior é que Abigail é uma ótima personagem. Sério mesmo. Ela tem conflitos tão válidos quanto Ellie, e é verdade que muitos jogadores gostaram mais dela.
Pra mim, porém, não funcionou, porque a narrativa impõe controlar ela depois do que fez, quando eu já criei um juízo de valor tão grande contra ela que não havia qualquer tentativa de empatia que mudasse isso.
E olha que o jogo tenta, várias vezes, forçar empatia por Abigail, desde brincar com cachorros (que Ellie mata na parte dela) até mesmo momentos idênticos com ambas, como quando um flashback de Abigail no aquário é um paralelo ao flashback de Ellie no Museu.
O pior é que Abigail é uma ótima personagem. Sério mesmo. Ela tem conflitos tão válidos quanto Ellie, e é verdade que muitos jogadores gostaram mais dela
O efeito, porém, foi só o contrário, por ter muito menos empatia por ela do que pelos dois personagens que já conhecemos do jogo anterior.
Sim, não há heróis e vilões em The Last of Us Part II, mas isso não leva em consideração o afeto que criamos pelos personagens.
Ellie é uma pessoa horrível na sequência, assim como Joel era no primeiro jogo, mas criamos afeto e entendemos as ações deles, porque, em certa medida, também eram nossas ações.
Com Abigail, quando o game tenta criar esse mesmo vínculo, era tarde demais. A personagem foi "cancelada" como as celebridades que falam besteira das redes sociais toda semana, e ela será julgada por todos.
É pela cultura do cancelamento também que não a chamo de "Abby". Informal. Íntimo. Tudo o que eu não quero ser dela.
Talvez se o jogo nos colocasse no controle dela primeiro, criasse esse "gostar", para depois ela se tornar a assassina de Joel, talvez fosse uma opção mais válida e até gerasse mais conflitos de sentimentos.
Ainda assim, o fato é que The Last of Us Part II é uma experiência intensa e que provoca diferentes reações em quem joga. Isso, por si só, quer dizer que ele funciona.
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