Valorant: um tiroteio alucinante que não perdoa vacilos
Resumo da notícia
- Jogo de tiro da Riot tem traços de Counter-Strike e Overwatch, mas cria seu próprio estilo
- Diversidade de estratégias e combinações de personagens torna cada round imprevisível
- Assim como o basquete, Valorant premia o trabalho em equipe e o desempenho constante
Valorant, a estreia da Riot Games no acirrado mercado de jogos de tiro, é uma experiência eletrizante, um game permanentemente tenso e muito punitivo. Errou, descuidou, não percebeu? A bala pune.
Bote também outros elementos na calculadora —a enormidade de estratégias que podem ser usadas em seus 4 mapas, as combinações possíveis dos 11 agentes, suas armas e habilidades—, e pronto: temos aí uma criatura viva, bastante complexa e difícil de dominar, assim como League of Legends, da mesma Riot.
"Tem-um-vagabundo-no-fund?!"
Começa o round. Saio trotando da área de respawn determinado a invadir o acesso lateral da base dos atacantes e pegar o time adversário desprevenido —decisão que, em segundos, irá se mostrar 100% equivocada.
A passagem está bloqueada pela muralha de gelo da curandeira de Valorant, Sage. O silêncio precede o esporro enquanto minha mira se abobalha. E um único estampido da Operator, o melhor rifle de precisão de Valorant, me remove instantaneamente do resto da rodada. Meus dois neurônios ainda não entenderam que há pouquíssimo espaço pra erro nesse tipo de jogo.
Próximo round. Mais paciente, vou no "xiu", andando em vez de correr, com o dedo mindinho esticado (e latejando) sobre o Shift pra tentar pescar um desavisado. Ouço passos e me escondo no cantinho da porta da nossa base, uma bela posição "marotada". Dois inimigos passam e vão pro saco —não sem antes eu errar o primeiro tiro e quase morrer do coração.
A adrenalina sobe com os abates. Percebo mais barulho, mas me viro sem muito cuidado e dou de cara com a explosão de uma granada de flash (em curva!). Faço alguns disparos no escuro, porém, acabo indo pro chuveiro mais cedo.
Cenas como essas, em que às vezes parece que seu cérebro opera à manivela, e em outras você se sente promovendo uma liquidação de "qué ota?", são o puro suco da experiência com Valorant.
Tiroteio em equipe da nova geração
Falando de maneira bem prática, sim, Valorant é um tipo de Counter-Strike: Global Offensive com personagens cheios de "poderzinhos". O objetivo principal também é plantar bombas com o time atacante e desarmá-las com os defensores. As partidas duram várias rodadas, vence quem marcar 13 rounds primeiro. E há acessórios como flashbangs e granadas de fumaça, com a diferença que eles estão distribuídos como habilidades especiais de cada um dos agentes do jogo.
Mas a comparação não prejudica, pelo contrário. Os jogadores de CS, um game que é particularmente popular no Brasil, qualificam o gameplay de Valorant e reúnem uma bagagem de experiências e intimidades com esse estilo de jogo.
Ao mesmo tempo, eles sabem apenas de parte do quebra-cabeça. As características que Valorant compartilha com outros games em equipe, de heróis, e táticos, e até mesmo sua origem no berço de League of Legends, fazem o jogo ressoar com mais tipos de jogadores e histórias que qualquer outro FPS recente.
Valorant foi projetado e nasceu pronto como um grande ponto de encontro de diferentes públicos. Valorant é a "lanchonete Gigabyte" (de Malhação) dos eSports.
Counter-Strike com ULT
O veterano de Counter-Strike sai um pouco na frente dos demais por estar mecanicamente mais acostumado. É como se ele já estivesse no elenco de Malhação quando o lugar se transformou em Múltipla Escolha, sabe?
É que as armas de Valorant se comportam de maneira parecida às de CS (AWP tá pra Operator, enquanto a Vandal é a AK-47). As regras são quase as mesmas, apesar de não haver em Valorant um kit para desarmar a bomba (ou Spike), e ela poder ser desativada em dois tempos. O design dos mapas conta com portas, janelões e corredores estrategicamente posicionados para tornar toda entrada e saída de sala em duelos e/ou tocaias em potencial.
Em Valorant, o macaco velho do CS já sabe de antemão a hora de perseguir sua presa. E o momento de aguardar atrás da caixa porque o noob do outro time vai passar correndo com a cabeça na Lua.
Porque Valorant também exige que você se posicione bem a partir das informações dos colegas de equipe. É conseguir antecipar os passos dos adversários sabendo sua última posição, qual arma ele carregava, quanto dano recebeu. E agir da melhor maneira possível para conseguir o abate.
EM VALORANT, O MACACO VELHO DO CS JÁ SABE DE ANTEMÃO A HORA DE PERSEGUIR SUA PRESA. E O MOMENTO DE AGUARDAR ATRÁS DA CAIXA PORQUE O NOOB DO OUTRO TIME VAI PASSAR CORRENDO COM A CABEÇA NA LUA
Por outro lado, a velha escola do CS não tem noção do que é ter seu arsenal de habilidades limitado pela skin que escolheu, e a partir dessa exclusividade no campo de batalha trabalhar com os outros bonecos.
Seu colega não está conseguindo jogar a smoke no lugar certo? Não dá pra você ir lá e jogar por ele. Você não tem smoke, meu patrão. Dá teus pulo.
O cara do CS provavelmente vai saber dar bala, mas também precisa lembrar que:
- se ele não derrubar a Sage inimiga, ela tem a ULT pronta e vai ressuscitar o camarada que acabou de morrer;
- quando você está de Omen, é de bom grado pedir a bomba, mandar a equipe pra um lado, ultar e se teletransportar pro outro;
- que um Phoenix ultado precisa avançar e ser o Leeroy Jenkins do time.
Entre tantas e tantas outras particularidades. A coisa mais comum em Valorant é ouvir o jogador de CS reclamando que não dá pra ir sem uma Sage. Ou que o flash da Reyna é OP. Ou que não sabe jogar com o boneco que sobrou.
Overwatch com (muito) headshot
Se tem uma coisa que o jogador de Overwatch conhece de perto, além de a Brigitte ter sido responsável pelo colapso do cenário competitivo do jogo, é a responsabilidade individual no trabalho em equipe —e, por mais vezes do que gostaríamos, a sua ausência completa desse mesmo elemento.
Por um lado, o fã do shooter da Blizzard chega pra promover esse espírito coletivo de que Valorant precisa. Ele sabe que uma andorinha só não faz verão e aprecia o delicioso sabor de uma ação coordenada bem feita, de um combo de ULTs formoso.
As três classes de heróis —DPS, suporte e tanque— acostumaram os jogadores de OW com a ideia de um FPS ter diferentes papéis igualmente válidos dentro do mapa. O mais importante não é a tabela de pontuação, quem matou mais, mas sim se o objetivo da equipe foi concluído.
Isso faz dos jogadores de Overwatch, em especial os de suporte, candidatos perfeitos aos poderosos agentes de inteligência e controle de Valorant, como Cypher, Omen e Brimstone.
Esses caras se sentem bem em não jogar o tempo todo na linha de frente e estão habituados com o gerenciamento de skills e seus tempos de recarga. E Cypher é o exemplo mais claro, já que é sua obrigação: 1) deixar fios-armadilha pelo caminho pra saber se estão dando a volta em sua equipe; e 2) usar sua câmera para espiar as intenções dos adversários.
Sage e Omen também são bons personagens pra quem está aprendendo a jogar. A curandeira já é parte integrante do meta de Valorant e socorre companheiros de longe, isola trechos do mapa com uma parede e usa seu molotov de lentidão para retardar o avanço dos oponentes. Uma agente altamente habilidosa em ser antissocial.
FATO É QUE AS PARTIDAS DE VALORANT, PELO MENOS NO INÍCIO, SERÃO EXCESSIVAMENTE PUNITIVAS PARA OS HERÓIS DE OVERWATCH. HÁ MUITO MENOS TEMPO E CHANCES PARA CUMPRIR SEU OBJETIVO. E A MIRA VAI PRECISAR ESTAR EM DIA
Já Omen tem uma smoke que pode ser arremessada para qualquer lugar do mapa. Sua posição sujou? É só usar a skill Paranoia, que cega quem estiver em sua trajetória, e sair vazado.
Por outro lado, o jogador de Overwatch também tem intimidade com o grande paradoxo dos games em equipe: muita gente ODEIA jogar em equipe. E esse tipo de comportamento causa partidas ruins, seja pela frustração ou por comentários abusivos por parte dos fominhas.
Isso não é diferente em Valorant, mas a culpa não é dele. Pessoas ruins existem em todo lugar e cabe à comunidade incentivar o coletivo e repreender as ofensas. E à Riot proceder com as devidas punições. Pros calejados no competitivo online, isso (infelizmente) é só mais um dia no escritório.
Fato é que as partidas de Valorant, pelo menos no início, serão excessivamente punitivas para os heróis de Overwatch. Há muito menos tempo e chances para cumprir seu objetivo. E a mira vai precisar estar em dia.
Não dá pra você escolher um agente de suporte em Valorant, ser focado e pedir ajuda pro DPS. Cabe a você, e a todos, na real, serem um pouco como McCree. É "headshot na cabeça" do oponente? ou na sua. Pra isso, temos as dicas do START, tanto no vídeo abaixo, do nosso Leo Bianchi, quanto nas sugestões do Daniel Esdras.
Lolzinho com tiro
Até hoje, mais de 10 anos depois do lançamento, me confundo pra explicar como um jogo complexo e profundo como League of Legends se tornou tão popular principalmente entre um público que não era letrado em games.
Do alto da minha geração millennial, às vezes é difícil entender como alguém descompromissado olha pra árvore de itens de LoL e pensa: ah, moleza, só bora.
E aí me recordo que sim, o gameplay é bom e mais acessível do que Dota 2. Mas é muito mais do que isso. É a emoção de torcer nos campeonatos, os atletas profissionais, as organizações em que eles jogam, as rivalidades, as fofocas, as amizades, os streamers, os cosplays. São as pessoas. É todo um ecossistema social erguido sobre uma comunidade que acaba representando um estilo de vida pra muita gente.
Parte do sucesso dessa construção se deve aos esforços da Riot. E graças a esse retorno, Valorant é um game que já nasce com uma cultura própria.
Os agentes são de várias nacionalidades e exalam personalidade. Suas falas definem o jeitão de cada um, e são muito bem localizadas para o português, por sinal. E após poucas partidas é improvável você não estar dublando quem você mais se identifica — seja a sossegada Raze ou o analítico Sova.
A conexão entre jogador e avatar é real e poderosa. Basta lembrar como a Mercy de Overwatch ajudou a salvar a vida de uma estudante de moda.
O lançamento da fase beta de Valorant também foi um grande experimento social, com dezenas de milhares de pessoas investindo horas em transmissões ao vivo para descolar a chance de testar o game (pouquíssimo tempo) antes. Antes mesmo do jogo ter sido lançado, pessoas já formavam laços e trocavam experiências.
E, por cima, a movimentação profissional rolando solta, com times e atletas buscando em Valorant, e no histórico da Riot com LoL, uma chance de viver de esports que outros jogos acabaram não dando.
Valorant surgiu com o arcabouço necessário para ser o representante da cultura League of Legends nos shooters. O que Overwatch tentou, mas não conseguiu — muito por conta do jogo não ser tão gostoso de assistir e compartilhar quanto é de jogar. O social pesou contra.
Já Valorant é fácil e emocionante no gameplay e na live. Tem todo um universo de personagens que pode ser desenvolvido além do jogo. E apesar do pacote inicial ainda ser um pouco magro, pelos poucos modos de jogo e a ausência de recursos importantes para fomentar a comunidade, como os replays, essa é a realidade dos chamados jogos em atualização. Para usar um termo da quarentena de 2020, o "novo normal" dos games online.
VALORANT É A TENTATIVA DE FAZER FELIZ A CRIANÇA QUE APANHAVA DA INTERNET DISCADA E DO MOUSE DE BOLINHA NO CS DE 2001. É UM SENSO PRA COMPETIÇÃO DESPERTADO EM OVERWATCH, O JOGO QUE ME ACUDIU JUSTAMENTE POR NÃO ME OBRIGAR A TER AS SKILLS DE CS
O basquete dos eSports
Se mais outra comparação ainda pode ser feita neste texto, é com o jogo da bola ao cesto.
Overwatch está mais para o futebol, onde o tempo é extenso e a qualquer momento o gol pode sair —ou a carga pode chegar— dos pés do craque da equipe e decidir o rumo da partida.
Já League of Legends lembra mais uma prova de atletismo. Imprevistos podem acontecer, mas alcance a linha de chegada —ou o ouro necessário— primeiro e a vitória é sua.
Valorant, por sua vez, premia o desempenho constante. A eficiência mesmo em um round econômico —aquele tempo em que o LeBron James da equipe senta pra descansar. Há espaço pra viradas porque se um time estiver mais concentrado que o outro é GG. É aquilo, a bala pune demais.
Pra mim, no final, Valorant é a tentativa de fazer feliz a criança que apanhava da internet discada e do mouse de bolinha no CS de 2001. É um senso pra competição despertado em Overwatch, o jogo que me acudiu justamente por não me obrigar a ter as skills de CS.
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