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OPINIÃO

A Ubisoft querendo ou não, Assassin's Creed já é protagonizado por mulheres

Jogador poderá escolher jogar como uma mulher em Valhalla - Divulgação/Ubisoft
Jogador poderá escolher jogar como uma mulher em Valhalla
Imagem: Divulgação/Ubisoft

Thaime Lopes

Colaboração para o START

26/07/2020 04h00

Jogo Rápido

  • Reportagem do Bloomberg revelou práticas machistas da Ubisoft quando lidava com Assassin's Creed
  • Executivos e marketing da empresa impediam mulheres de serem protagonistas dos jogos principais
  • Relatos de ex-funcionárias vieram à público após isso, confirmando as histórias
  • Aya, e não Bayek, era quem seria a protagonista de Assassin's Creed Origins
  • Já em Assassin's Creed Odyssey, somente haveria a possibilidade de escolher Kassandra

Já está mais do que na hora de Assassin's Creed ter mulheres como únicas protagonistas em seus jogos principais. O empecilho pra isso acontecer, por incrível que pareça, é a própria Ubisoft. No último dia 21, uma matéria no site Bloomberg revelou que todas as tentativas de colocar uma mulher como destaque na série foram barradas internamente na empresa.

Ainda assim, quando observamos os últimos jogos da série, o protagonismo feminino já está, sim, bem presente em Assassin's Creed, só a Ubisoft que ainda não viu isso.

Entendendo a treta

A matéria do site Bloomberg, que ouviu funcionários e ex-funcionários da Ubisoft, revela o machismo na cultura da empresa, em que o departamento de marketing ou o executivo Serge Hascoet, agora ex-chefe criativo da companhia, barraram as tentativas de Assassin's Creed Origins e Odyssey de terem somente mulheres no papel principal, por exemplo.

Assassin's Creed Kassandra e Alexios - Divulgação/Ubisoft - Divulgação/Ubisoft
Em Odyssey, o jogador escolher entre um dos irmãos: Kassandra ou Alexios
Imagem: Divulgação/Ubisoft

Depois da matéria, mais babado: uma ex-roteirista da saga, Jill Murray, contou no Twitter que os executivos reforçavam que os protagonistas tinham que ser homens, brancos, no maior estilo "macho alfa". Por causa da repercussão da história, ela bloqueou a conta na rede social.

Uma outra ex-funcionária, Eline Muijres, designer no estúdio de Montreal, também contou que durante toda sua permanência nos jogos de Assassin's Creed, os executivos afirmavam que "mulheres não vendem".

Estamos falando de uma franquia com 13 anos de idade. Até poderia haver argumentos que lá em 2007, no primeiro game, os estúdios tinham medo de tentar inovar, mas essa discussão também não é válida.

Afinal de contas, Lara Croft apareceu pela primeira vez, já como protagonista, em 1996 (extremamente sexualizada, é verdade).

Assassin's Creed Claudia - Reprodução - Reprodução
Claudia Auditore, irmã de Ezio, é uma das poucas mulheres a ter mais destaque nos primeiros jogos. Ela chegou a entrar para a Ordem dos Assassinos também.
Imagem: Reprodução

Mulheres assassinas

Em 2012, a Ubisoft deu os primeiros passos para a inclusão de mulheres em papeis de maior importância na série com Assassin's Creed Liberation, um spin-off lançado para o portátil PSP. O jogo era protagonizado por Aveline de Grandpré.

Depois veio Assassin's Creed Chronicles: China, que tem Shao Jun como principal personagem. Ainda assim, em ambos os casos, eram jogos menores, sem o mesmo impacto dos títulos principais.

As mulheres de Assassin's Creed

Foi o lançamento do Syndicate, que anunciava os irmãos gêmeos Jacob e Evie Frye como protagonistas, que começamos a perceber uma intenção de maior presença feminina nos títulos principais da série.

A partir de Syndicate, e depois com Origins e Odyssey, tivemos três jogos em que as mulheres foram obrigadas a dividir o protagonismo com homens. Por isso, vamos explicar aqui no START porque Evie, Aya e Kassandra deveriam ter sido as únicas protagonistas de seus respectivos Assassin's Creed.

Evie Frye: vida livre

O nome da inglesa Evie pode ser traduzido como liberdade, algo tão intrínseco à natureza dos Assassinos quanto a furtividade. A realidade é que Evie passa o jogo inteiro como babá do irmão.

Não me levem a mal, o Jacob tem seu charme, mas ele literalmente aprendeu tudo que sabe estando na rua, enquanto Evie era treinada pelo pai deles para ser uma Assassina.

Isso significa que, quando Ethan Frye morre, os irmãos tem respostas muito diferentes ao trauma, o que impacta toda a saga e as consequências de suas ações.

Isso não significa que, em Syndicate, Jacob é menos importante que a sua irmã, porque o jogo foi pensado para dividir o peso de ser Assassino entre os dois.

Mas durante o game inteiro, a sensação é que sem a Evie, o Jacob seria um doido qualquer. Sem o Jacob, a Evie continuaria sendo... ela mesma.

Toda essa construção faz com ela pareça ser mais a protagonista do que Jacob e, agora, com as revelações dos bastidores, sabemos que era esse o plano inicial dos desenvolvedores, só que foi barrado internamente.

Capa Assassin's Creed syndicate - Reprodução - Reprodução
Capa de Assassin's Creed Syndicate
Imagem: Reprodução

Por isso que, na capa oficial do jogo, é Jacob quem está no centro, com Evie, literalmente, deixada de lado.

No site oficial de Syndicate, a descrição já diz tudo: "apresentando Jacob Frye, que com a ajuda da sua irmã gêmea Evie (...)"; "seja o rebelde e insolente Jacob Frye"; "com a liderança de Jacob, o jogador pode organizar a gangue mais poderosa".

Mas nós sabemos quem é a verdadeira protagonista.

Aya: a oculta

Vamos colocar os pingos nos is: a Aya é a verdadeira fundadora da Irmandade dos Assassinos. Eu sei, polêmico.

Vai ter gente dizendo que o Bayek é o protagonista e, portanto, o crédito é dele. Mas vamos analisar bem essa história?

Ao contrário do que os roteiristas do game queriam, é Bayek quem usa o momento de tragédia pelo assassinato do filho para ser o único protagonista.

Segundo relatos de funcionários da Ubisoft, a ideia era que, na verdade, ele se machucasse ou morresse em sua jornada de vingança e passasse o bastão (e o controle do jogador) para a Aya.

Assassin's Creed Aya e Bayek - Reprodução - Reprodução
Ter Aya como protagonista mudaria completamente a relação com Bayek
Imagem: Reprodução

A realidade é outra: quase não a vemos, exceto em cutscenes e em algumas missões pontuais. Quando você acha que vai poder jogar com ela, passa 15 minutos no controle da personagem e volta ao Bayek.

Daria para entender essa estratégia se a Aya fosse, de fato, uma coadjuvante. Mas são as ações dela, muitas vezes realizadas fora das missões que jogamos, que são as grandes responsáveis pelo desenvolvimento da trama.

Assassin's Creed Amunet Ocultos  - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução
É ela quem presenteia o marido com a lâmina oculta, a arma mais icônica da franquia. Sua amizade e cumplicidade com Cleópatra faz com que a rainha do Egito tome suas dores e auxilie o casal a entender melhor quem forma a Ordem e o que eles querem.

Não me levem a mal: o Bayek é um dos meus Assassinos favoritos. Seu amor por Aya e Khemu é evidente, bem como sua paixão pelo Egito e a vontade de proteger seu país. Ele é importante, sim. Mas se Aya tivesse assumido esse papel, teria sido ainda melhor.

Uma mãe, buscando respostas sobre o assassinato de seu filho, inteligente pacas, forte, guerreira e todos os adjetivos que possam colocar para exaltar essa mulher.

A iniciativa de formar Os Ocultos parte de Aya. Esse seria o embrião para a Ordem dos Assassinos.

No final do jogo, ela ainda decide mudar o nome para Amunet, o que fez cair a ficha para os fãs mais antigos da série.

Assassin's Creed estátua de Amunet em AC 2 - Reprodução - Reprodução
Estátua de Amunet (Aya) em Assassin's Creed II
Imagem: Reprodução

É a estátua dela, de Amunet, que está no santuário dos Assassinos visto em Assassin's Creed II, não de Bayek. Ela é uma assassina lendária que está lá justamente por ter matado Cleópatra.

Se isso não justifica o protagonismo dela em Origins, eu não sei o que mais justificaria.

Kassandra: brilhando em cima dos malaka!

Depois de 11 anos acompanhando a saga de Assassin's Creed, vendo mulheres no background das histórias, Odyssey finalmente teria uma personagem que seria central.

Encomendei a versão super hiper mega deluxe ainda na pré-venda e esperei ansiosamente para escolher a Kassandra na tela de início quando estava com Odyssey em mãos.

Durante toda minha trajetória com a Kassandra, eu percebia que o papel que ela cumpria não poderia ter sido pensado para Alexios. Por mais que a história seja a mesma independente do irmão, os conflitos, diálogos e até mesmo romances parecem ser pensados para atender às necessidades e personalidade da mercenária.

Então não me surpreendi quando foi revelado que ela seria a única protagonista de Odyssey. Só depois a Ubisoft mudou de ideia e incluiu uma versão masculina. Mas me deixou pistola com a decisão deles promoverem o jogo todo com o Alexios na capa.

Capa Assassin's Creed Odyssey - Reprodução - Reprodução
A capa oficial de Assassin's Creed Odyssey está com o protagonista errado
Imagem: Reprodução

A existência da Kassandra na saga AC é, por si só, icônica. Nascida mais de 400 anos a.C., ela participa das Olimpíadas; luta em arenas; mata Medusa e Minotauro; descobre que seu pai é o Pitágoras (aquele da matemática); sendo "miga" do Sócrates (aquele da filosofia); salva o irmão da lavagem cerebral que sofreu; e, ainda por cima, aproveita o tempo livre para se envolver em uns romances bem bonitinhos.

A Kassandra é A mulher. A que salvou a Grécia e a civilização, a que deu início à linhagem que chegaria na Aya e fundaria a Irmandade dos Assassinos.

Assassin's creed Kassandra perfil - Reprodução - Reprodução
Sério, olhem essa mulher
Imagem: Reprodução

Fazer tudo isso com o Alexios não tem graça, simplesmente pelo fato que estamos há mais de uma dezena de jogos lidando com protagonistas homens, que fazem tudo sozinhos e são creditados por serem os grandes salvadores da humanidade.

Em Odyssey, a Ubisoft explorou o "e se?". E se fosse uma mulher que fizesse tudo isso? E se momentos históricos, sempre protagonizados por homens, fossem realizados por uma mulher tão forte quanto qualquer cara? (vocês já viram os bíceps da Kassandra?). De repente, vimos a história ser reescrita.

O jogo brilha justamente nos momentos em que traz para a gente uma mulher no papel central de importantes acontecimentos mundiais - sejam eles fictícios ou não.

A surpresa, então, é que a própria Ubisoft divulgou dados de que dois terços dos jogadores escolheram realizar suas jornadas gregas com Alexios.

A resposta, de novo, está na forma que o próprio estúdio divulgou o jogo, sempre com o irmão como protagonista. No site oficial de Odyssey, você dá de cara com Alexios e a frase: "viva a odisseia épica de um herói espartano".

Assassin's creed odyssey site - Reprodução - Reprodução
Site de Odyssey dá destaque para Alexios
Imagem: Reprodução

A confirmação de que Kassandra é maior e melhor que seu irmão,veio na novelização do jogo. Um monte de gente sequer sabe que esse livro foi lançado, mas ele conta a história de Odyssey totalmente do ponto de vista dela. Kassandra é canon, a galera querendo ou não.

E não é só isso. Ela é uma personagem que trouxe para uma franquia, conhecida por seus protagonistas homens, um respiro muito necessário.

Kassandra é a prova de que mulheres também podem fazer parte da Irmandade dos Assassinos, porque, afinal de contas, os Assassinos buscam igualdade e liberdade.

Ela mostra que mais de quatro séculos antes da existência de Cristo, o mundo aceitava as mulheres muito mais do que aceita hoje em dia. E, de quebra, mostra inteligência, força e resiliência como nenhum outro protagonista da saga até então sem sequer bagunçar sua trança.

Valhalla: será que vai estar vindo aí?

A expectativa em cima de Valhalla é grande. Não só faz dois anos desde o último Assassin's Creed, como a Ubisoft já anunciou que, de novo, poderemos escolher o gênero do personagem principal.

Eivor poderá ser homem ou mulher, e dessa vez podemos mudar de ideia quantas vezes quisermos ao longo da história.

Empolgação à parte, devemos lembrar que a estratégia de divulgação do novo jogo tem sido a mesma dos anteriores. No dia da live que revelou o poster, vimos Eivor homem como figura central.

Os primeiros vídeos também focavam no protagonista masculino e, mais uma vez, é ele quem aparece no site oficial de Valhalla: "Torne-se Eivor, um invasor Viking poderoso".

Eu não sei vocês, mas em 17 de novembro, quando Assassin's Creed Valhalla for lançado, minha escolha já está feita. Nem precisa adivinhar.

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