Combate ruim (mais uma vez) estraga Paper Mario
Após literalmente vender papelão em 2018, com o Nintendo Labo, a "Big N" lançou no ano seguinte The Legend of Zelda: Link's Awakening, com gráfico de diorama, e Yoshi's Crafted World, com ar de "faça você mesmo". Agora estamos em 2020 e chegou a hora de retomar a franquia que inaugurou a fixação da Nintendo pelo artesanato.
Lançado em julho, Paper Mario: The Origami King inova em parte da jogabilidade ao mesmo tempo em que tenta ser o mais acessível possível. E, mais uma vez, essa filosofia leva a franquia a errar no combate.
Sucessora espiritual de Super Mario RPG: Legend of the Seven Stars (1996), do Super NES, Paper Mario se esforça há mais de uma década em distanciar-se do gênero de origem.
A estética da série é derivada do papel. A ideia se renova a cada jogo, que assume um centro temático diferente. Em Super Paper Mario, lançado para o Wii em 2007, a ênfase eram as mudanças entre 2D e 3D. No jogo seguinte, Paper Mario: Sticker Star (2012, 3DS), foi a vez dos adesivos. Em Paper Mario: Color Splash (2016, Wii U) a novidade era a tinta.
Agora, como está explícito no título, chegou a vez do origami, arte tradicional japonesa de criar representações em papel apenas com vincos, sem cortes ou cola. Alguns dos inimigos mais perigosos são típicos materiais de escritório contrários à tradição do origami, como grampeador e tesoura.
DOBRA TUDO
O enredo introduz um novo vilão, Olly. Por razões que serão explicadas no desenrolar das cerca de 30 horas de jogatina, o intitulado rei do origami quer transformar os seres planos em dobradoras. Uma das vítimas é, para a surpresa de ninguém, a princesa Peach, cujo castelo é movido ao cume de uma montanha e embrulhado em serpentinas.
Agora cabe ao herói e Olivia, irmã gente boa de Olly, cortar cinco gigantescas fitas multicoloridas para debelar a ameaça.
O enredo é simples, mas não é simplório. A desenvolvedora Intelligent Systems (a mesma da série Fire Emblem) dribla as restrições da Nintendo, zelosa de seu garoto propaganda, e faz o game surpreender no desenrolar das cenas, com humor absurdo delicioso.
Tem balada no deserto, programa televisivo no spa, arremesso de shuriken, festa de comida enlatada, dança e música, além de personagens carismáticos amarrando a trama até o final.
Exceto por uma barriga quando a história apela ao clichê RPGzístico "junte as orbes", a narrativa instiga. Sem dar spoilers, a tônica alegre típica dos jogos do encanador é interrompida em momentos marcantes, raramente vistos no Reino do Cogumelo.
DEMORA PRA ENGATAR
A Nintendo subestima os jogadores de The Origami King. Para chegar em seus melhores momentos, o game passa por uma introdução arrastada, cheia de detalhes e didatismo. O corte da primeira serpentina marca o momento em que a mão do jogador é solta. Não que esse trecho seja intragável, mas a Nintendo já teve inícios melhores.
No começo, Olivia tem funções narrativas excessivas. Com Mario calado e sem personalidade, cabe a ela fazer os diálogos, tutorial, piadas, dicas, exprimir nervosismo, dúvida...
As primeiras horas de Origami King dão a impressão de que Olivia é uma tagarela insuportável. Ok, ela é realmente tagarela, mas ganha profundidade e simpatia no desenrolar do jogo.
O PAPEL ACEITA TUDO
Uma ajuda bem-vinda para superar as primeiras horas é o visual. O jogo é o maior representante da expressão "o papel aceita tudo". As maquetes encantam pela possibilidade factível de recriação no mundo real.
Colorido, Origami King aprofunda a proposta título anterior da série, Color Splash. Muitos modelos, animações e efeitos sonoros foram importados do jogo do fracassado Wii U.
No quesito visual, o que mais evoluiu entre um jogo e outro foi a iluminação. Não que seja Ray Tracing ou Unreal Engine 5, mas a Nintendo mais uma vez tira leite de pedra de seu console híbrido de modestas especificações técnicas.
E se levar em consideração que o jogo pesa cerca de 6 gigabytes, uma pluma para os padrões das altas produções contemporâneas, passa a ser plausível desconfiar de bruxaria, tecnologia alienígena, sétimo sentido ou qualquer coisa assim para justificar as façanhas da empresa de Quioto. Chora, Halo Infinite.
Paper Mario: The Origami King não está só para ser visto, mas sim observado. Seja na busca de coletáveis —os Toads foram amassados, sombras quadradas denotam blocos escondidos — buracos nos cenários a serem consertados ou nas soluções dos quebra-cabeças, o jogador precisa ficar atento, o que não é nenhum sacrifício.
Colorido, Origami King aprofunda a proposta título anterior da série, Color Splash. Muitos modelos, animações e efeitos sonoros foram importados do jogo do fracassado Wii U
Para explorar, o martelo é o seu melhor amigo. Quando há um segredo por perto —acessórios avisam quando isso acontece— Paper Mario: The Origami King envereda para um hack'n'slash.
Não há a fluência de um Kratos, mas é prazeroso martelar o cenário, conferir como os objetos reagem aos golpes. A arma dá a sensação de ter recheio de espuma. Pesadona para o universo do jogo, inofensiva na escala do mundo real. É fofa.
LEITURA DINÂMICA
The Origami King é um jogo palavroso. Resolve com texto informações que poderiam ser expostas de outra maneira.
Há algo pesado bloqueando o caminho? Caixa de diálogo para dizer que há algo pesado bloqueando o caminho. Ficou perdido, não sabe para onde ir? Pergunte a Olivia e tome letras. Há até charadas com jogos de palavras como obstáculos da história principal.
Por isso, é lamentável não haver suporte para o português —tomara que isso seja corrigido logo em uma atualização futura. No momento em que esta resenha era publicada, o jogo tinha versões em japonês, francês, alemão, italiano, espanhol, coreano, holandês, chinês e inglês.
A fluência em algum desses idiomas é pré-requisito para consumir o novo Paper Mario.
CUBO MÁGICO NO TEATRO DE ARENA
Paper Mario perdeu grande parte de sua relevância por não conseguir resolver seu sistema de combate nos últimos jogos. The Origami King não é exceção.
O ápice de Paper Mario é The Thousand-Year Door, de 2004, que contava com um sistema de turnos tradicional de RPG. O cenário das lutas era um teatral palco italiano.
Como aconteceu nos últimos jogos da série, The Origami King tenta simplificar. Agora as batalhas têm como primeira etapa um puzzle no estilo cubo mágico em um circular teatro de arena.
A batalha por rodada em Origami King tem sentido duplo. No começo, o jogador deve rodar o campo de batalha e organizar os inimigos. É preciso colocar eles em linha para Mario pular na cabeça deles, ou em um quadrado, para esmagar com seu martelo, ganhando assim um bônus no dano.
No papel (rá!) é uma ótima sacada, passível de extrapolações deliciosas no rico universo do encanador bigodudo. Porém, não é o que acontece.
O tempo e o número de movimentos são limitados. Basta um erro para perder um bônus no ataque que estende a duração da batalha em mais turnos. É portanto um pico de estresse que destoa do clima do jogo.
Depois começa uma parte mais clássica do combate, já vista em outros jogos da série. Apertar o botão A no momento certo gera mais força nos golpes. Na terceira parte é a vez dos inimigos e o botão vira defesa.
A simplificação de Origami King é excessiva e não só pela baixa dificuldade. Para deixar a interface menos assustadora, o jogo omite informações básicas como a energia dos inimigos ou o efeito preciso de um determinado item. Quanto a mais de dano causam as botas de ferro? Cabe aos fãs ardorosos fazerem os cálculos e publicarem em alguma Wiki na internet.
Como se já a quantidade de erros não fosse suficiente, a variedade de inimigos é pequena, sem grande diferença do começo ao fim.
Para completar, falta incentivo. Não há experiência ou outra forma de progressão. O jogador ganha apenas moedas, coletadas em abundância pelo cenário. Salvo para os jogadores que tentarão obter 100% dos coletáveis —os chamados "complecionistas"— que terão de dispender somas vultuosas para comprar alguns troféus, não há necessidade de entrar em combates para arrecadar dinheiro.
Com isso, a luta vira uma punição severa para quem trombou com um inimigo.
Exceção são as batalhas contra os chefes. Nessas situações a lógica é invertida, com Mario fora da arena e o inimigo no centro. Bem mais desafiadores, é necessário girar o palco e formar um caminho para Mario. Cada chefe é um enigma, com soluções diferentes, variadas e dinâmicas.
NO QUE ELES ESTAVAM PENSANDO?
Se Paper Mario: The Origami King tivesse 80% menos inimigos comuns seria um jogo muito melhor, talvez aberto para outras soluções e ainda mais variedade.
Assim seria enfatizada a movimentação mais comedida do jogo, oposta à liberdade de composição de saltos e exploração de Super Mario Odyssey (2017, Switch). Apesar disso (e, talvez, justamente por isso) ofereceria um sabor diferente.
Por causa desse sistema de combate mal desenhado, acionado dezenas de vezes ao longo do jogo, uma narrativa de alta qualidade, cheia de personagens cativantes e momentos marcantes, fica soterrada
O erro no desenho do combate é frustrante. Não bastasse ser óbvio, não é a primeira vez que a série se equivoca nesse sentido. Por causa desse sistema de combate mal desenhado, acionado dezenas de vezes ao longo do jogo, uma narrativa de alta qualidade, cheia de personagens cativantes e momentos marcantes, fica soterrada.
Cabe ao jogador decidir se tolera essa bola fora em uma das mecânicas centrais da franquia.
Paper Mario: The Origami King
Lançamento: 17/07/2020
Plataforma: Nintendo Switch
Preço sugerido: R$ 299,00
Classificação indicativa: Livre
Desenvolvimento: Intelligent Systems
Publicação: Nintendo
Jogue também: Yoshi's Crafted World, The Legend of Zelda: Link's Awakening
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