Showliana: conheça a brasileira que jogará CS:GO no exterior
Juliana "showliana" Maransaldi está fazendo história no Counter-Strike: Global Offensive (CS:GO)! Contratada pela norte-americana Dignitas, a pro-player é a primeira brasileira a integrar uma equipe internacional para competir no exterior.
Com quase duas décadas de ligação ao Counter-Strike, showliana vive a maior oportunidade profissional da vida, depois de se destacar no cenário competitivo brasileiro e se aposentar duas vezes.
Em entrevista ao START, a veterana relembrou sua trajetória, contou os bastidores da contratação pela Dignitas e comentou os novos rumos da carreira.
Convite inesperado
Showliana, de 27 anos, estava aposentada das competições de CS:GO desde abril, quando a paiN Gaming, organização da qual fazia parte, dispensou o elenco feminino. Ela, contudo, continuou fazendo lives como influenciadora do clube.
Foi em junho, ao saber que a Dignitas Female procurava uma quinta jogadora, que showliana começou a repensar a aposentadoria. Ela recebeu uma mensagem de saudação da capitã do time, a norte-americana Emmalee "EMUHLEET" Garrido, e viu o anúncio do processo seletivo nas redes sociais.
Como EMUHLEET não continuou a conversa, showliana resolveu ir atrás dela, após dias de reflexão sobre se queria buscar a chance de retornar ao competitivo.
"Eu achei que ficaria muito feliz se pudesse voltar a jogar no time delas. Eu não tinha interesse de voltar no Brasil, jogar aqui não me animava mais, mas o cenário de ir para fora e tudo o que está acontecendo agora me animava muito", explica showliana sobre a decisão de tentar a vaga na Dignitas.
Testes e mais testes
Foi o terceiro teste que a brasileira fez na equipe norte-americana. Ela já havia participado de seleções em 2017 e 2019, sem sucesso.
Nas outras oportunidades, showliana jogou somente duas partidas em um dia. Desta vez, os testes duraram três dias, com quatro mapas diários. Um indicativo de que a brasileira estava bem cotada, mesmo jogando do Brasil e, portanto, com latência alta. As demais jogadoras moram nos Estados Unidos e no Canadá.
"Eu tentava olhar com os olhos delas, do que iriam achar do que eu estava jogando, considerando que eu estava com ping alto e que eu nunca havia jogado em um time comunicando em inglês. Na minha cabeça, eu sabia que estava indo bem, até porque elas me chamaram para mais dois testes [além do primeiro]. Estava sendo diferente", comenta a pro-player.
Após o terceiro dia de testes, na madrugada de 5 para 6 de julho, showliana recebeu o convite para fazer parte da equipe. Ela havia, na terceira tentativa, conseguido entrar para o elenco, que é um dos mais qualificados do Counter-Strike feminino.
Já era meia-noite, 1 hora da manhã. Estava tudo escuro [em casa], todo mundo já tinha ido dormir e eu tava sozinha aqui. De repente, rolou o convite. Fiquei surtada, porque eu não tinha com quem conversar, não tinha ninguém para falar
Juliana "showliana" Maransaldi sobre o convite da Dignitas
Apesar da empolgação, a cyber-atleta manteve os pés no chão e só contou a novidade a poucas pessoas muito próximas, esperando pela resolução de questões burocráticas e pela assinatura do contrato, o que ocorreu ainda em julho. O anúncio de showliana pela Dignitas rolou nesta semana, em um divertido vídeo.
Ela aponta que passou nos testes desta vez porque está com inglês melhor, se sentiu mais confortável para participar da definição das táticas e fazer sugestões durante os treinos e ficou relaxada com a possibilidade de não dar certo.
"Nas outras vezes, eu ainda estava animada de jogar no Brasil e, para jogar lá fora, era o maior hype do mundo. Desta vez, apesar de ser algo que eu queria muito, já tinha dado errado duas vezes, não criei expectativa. Se desse errado, tudo bem, eu estava feliz na paiN, com o que eu estava fazendo. Só que, a partir do momento que eu me predispus a ir lá fazer isso, dei o meu 100%", detalha showliana.
Foi natural. Fui falando as coisas e elas foram superabertas a tudo o que eu estava sugerindo e mostrando. Elas ficaram superempolgadas. Nos demos muito bem. Além da parte in-game, conversamos muito sobre Brasil, Canadá, Estados Unidos, cultura, pandemia
Juliana "showliana" Maransaldi sobre os testes na Dignitas
Nova vida
Moradora de Santos (SP), showliana irá se mudar para Los Angeles, nos Estados Unidos, onde irá morar com o namorado, o também jogador profissional Epitácio "TACO" Pessoa, da equipe Made in Brazil (MiBR).
Ela já deu entrada no visto de trabalho e, assim que o documento sair e a situação da covid-19 for normalizada, irá viajar.
Enquanto isso, a pro-player tem jogado do Brasil mesmo, mas ainda não sabe se disputará campeonatos online daqui quando as companheiras voltarem de férias, no fim deste mês.
É que, para conseguir jogar, showliana precisa estar em um servidor de Atlanta (onde fica com ping 140), o que nem sempre é possível nas competições, pois jogadores norte-americanos preferem servidores de outras regiões. Nas demais localizações, a altíssima latência torna o jogo da brasileira inviável.
Com a Dignitas, showliana participará também de competições mistas, porque os campeonatos exclusivamente para mulheres não são muitos ao longo do ano. O time, ainda, disputará torneios de Valorant, o First-Person Shooter (FPS) lançado pela Riot Games, desenvolvedora do League of Legends (LoL).
"Nós vamos treinar um pouco de Valorant todos os dias, mas o foco será CS. Quando tiver campeonato de Valorant próximo, vamos dar uma atenção maior. Queremos ser top 1 em tudo e dominar o cenário", destaca a brasileira.
Dignitas Female
Emmalee "EMUHLEET" Garrido
Kiara "milk" Makua
Amanda "rain" Smith
Juliana "showliana" Maransaldi
Melisa "theia" Mundorff
Vivendo um sonho
Para showliana, ser a primeira cyber-atleta de CS:GO a jogar por uma equipe estrangeira no cenário internacional é um sonho realizado.
"É uma sensação muito boa e único. Eu me sinto especial. Provavelmente todas as meninas que jogam gostariam de estar no meu lugar. É o sonho de qualquer uma jogar numa equipe que é top internacional, com companheiras tão experientes. Estou vivendo um sonho"
Juliana "showliana" Maransaldi sobre a oportunidade na Dignitas
Vida dedicada ao CS
Showliana tem uma vida inteira dedicada ao Counter-Strike. Ela começou a jogar em 2001, quando tinha somente 8 anos de idade, por incentivo do irmão, na época com 13, a quem assistia em casa.
"Logo na primeira vez que eu sentei, peguei no mouse e joguei, matei três bonecos. Gostei muito do CS e, a partir daquele dia, eu fiquei fissurada no jogo", relembra a brasileira, que, quando não estava na escola, estava jogando.
Muito ligada a esportes tradicionais, showliana praticava handebol e chegou a ser convidada, aos 14 anos, para fazer parte da seleção santista da modalidade. Mas negou o convite, porque os horários de preparação iriam coincidir com os treinos de uma equipe de CS que ela tinha na época. "Eu preferi ficar jogando CS", diverte-se a pro-player ao contar a história.
Na época da versão 1.6 do Counter-Strike, showliana participou de diversas competições, inclusive fora do País. Mesmo assim, não via a carreira como profissional, pois não recebia salários. Ganhava só dinheiro de premiações e equipamentos.
Ela passou por equipes históricas como aiMuse, LadieS, FireGamers Girls e paiN Girls antes de pendurar o mouse pela primeira vez, em 2012.
Terminado o Ensino Médio, showliana passou em um concurso dos Correios e iniciou uma faculdade de Logística.
"Eu odiava os dois", pontua a jogadora. "Trabalhei por cinco anos nos Correios. Foi uma época que serviu de aprendizado para eu ver exatamente o que eu não quero para a minha vida. Eu entendi que não queria trabalhar em escritório e com o público daquela maneira, aquilo não me fazia feliz".
Profissionalização
Depois de também passar pelo curso de Publicidade e Propaganda, showliana trancou a faculdade, largou os Correios, encerrou a primeira aposentadoria e voltou a jogar em 2017, já na versão CS:GO. Foi em outubro daquele ano, quando entrou para a Vivo Keyd, que a jogadora sentiu que a carreira havia se profissionalizado, porque passou a receber salários pela primeira vez.
Ela passou ainda por Team Innova, TiMe DaS LiNdAs, OpTic (também estrangeira, mas com uma line-up toda brasileira) e, mais recentemente, a paiN Gaming.
Com a paiN, showliana chegou ao topo do cenário competitivo brasileiro. Em abril deste ano, porém, o clube dispensou a equipe feminina, mas quis continuar com a pro-player como streamer. Ela aceitou, porque não desejava mais seguir competindo.
"Voltar a jogar sem ganhar salário era uma possibilidade inconcebível na minha cabeça. Com a idade e a bagagem que eu tenho, não dava mais para ficar brincando de CS. O cenário não era muito animador e tudo o que tem no Brasil de campeonato nós vencemos por dois anos seguidos. Era mais do mesmo e eu estava cansada", justifica a cyber-atleta.
Ela defende que o cenário feminino brasileiro tem ótimas jogadoras e bons competições, mas que ainda carece de estabilidade e apoio dos clubes de eSports. É difícil encontrar uma organização que pague salários.
Por isso, a movimentação da Dignitas em apostar em uma brasileira pode ser uma ótima oportunidade para as meninas daqui, na opinião de showliana.
"É muito importante que as organizações internacionais vejam o quanto o Brasil é forte e o quanto o CS feminino pode ser forte", declara showliana, lembrando que o anúncio da contratação dela teve enorme repercussão nas redes sociais.
Consolidada no País, showliana está pronta para brilhar nos palcos dos Estados Unidos e do mundo e, quem sabe, abrir o caminho para outras brasileiras. É um passo imenso para a mesma showliana que, há 15 anos, ficava de castigo por jogar CS:GO:
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