Top Gear em ritmo de forró e brega agrada até compositor: "Me faz sorrir"
Top Gear, o clássico jogo de corrida para Super Nintendo, ainda é lembrado com carinho por muita gente que o jogou nos anos 1990. O curioso é que, hoje, seu impacto é sentido onde menos se espera: em ritmos brasileiros.
A faixa musical da primeira fase, chamada Track 1, invadiu produções que vão do forró ao tecnobrega. O START foi atrás não só de saber mais desse fenômeno tipicamente brasileiro como também conversou com o compositor original da trilha, Barry Leitch, que se diz feliz com as homenagens.
É possível que você já tenha se deparado com algum vídeo no YouTube com uma versão forró do clássico som marcante de sintetizadores de Top Gear. Ou de tecnobrega. Ou funk. Sempre usando a faixa da pista de Las Vegas, a primeira do game, como base.
Esse fenômeno não é recente e tem agitado paredões, grandes estruturas de som formadas por alto-falantes potente, por muitos Estados do Nordeste e do Norte do país.
O START foi atrás e conversou com alguns dos responsáveis por misturar a icônica faixa com ritmos que parecem não se encaixar na teoria, mas que fazem todo o sentido na prática, dando uma cara mais brasileira para um jogo que já tem muita identificação com o Brasil.
A mistura de Reino Unido e Nordeste
Por volta de 2015, Otávio Kallazans queria explorar o potencial sonoro dos paredões. À época vocalista da extinta Chica Égua, banda piauiense de pagode, viu na música de Top Gear, game do qual é fã, particularidades que casavam com a proposta musical do grupo.
"Ela caiu como uma luva pra gente. Estávamos procurando uma música com um bom timbre, e o dela era ótimo", diz Kallazans, que hoje segue carreira solo junto com ex-membros da Chica Égua.
Após alguns ajustes na faixa e composição instrumental própria, estava pronta a nova abertura dos shows da Chica Égua: uma mistura entre os sintetizadores rápidos de Top Gear e o ritmo contagiante do pagode swingueira.
A Música casou perfeitamente com a nossa agressividade. Quando tocava (a música de Top Gear) eu me arrepiava todinho. A galera pirava, ave maria
Otávio Kallazans, ex-vocalista da Chica Égua
A mescla inusitada rendeu bons resultados à banda, que em 2015 fechou contratos de divulgação com 12 equipes de paredão em Teresina. E, para Kallazans, era sempre emocionante tocá-la nos shows da Chica Égua.
Alguns anos antes de invadir o pagode, a música aterrissou no estado vizinho do Ceará. O grupo Forró Sacode sampleou (ato de reutilizar trecho de uma música já existente) Top Gear e aproveitou o ritmo na música Edredom.
Lançada em 2012, a música chegou a ganhar um clipe de teor nostálgico com cenas do game de corrida — aparentemente rodando em um PlayStation 2 — e uma breve animação em 3D que remete ao jogo.
Prática comum no meio do forró, Edredom chegou a ser tocada por várias bandas além da Sacode, mais uma prova de que a música marcou época. "Todo show que eu faço a galera pede. A gente tem que tocar ela em todo show", conta ele
Achei a melodia bonita. Ela lembrava a minha infância
Tony Guerra, vocalista da banda Sacode
Top Brega
Ostentando franca ascensão na década de 2000, o tecnobrega, encontro de ritmos típicos e populares do Pará com o pop e a música eletrônica, viu a faixa de Top Gear se adequar com facilidade às suas guitarras elétricas, abundância de sintetizadores e ritmo rápido.
Quem levou o som do videogame ao gênero paraense, que ganhou popularidade com Gaby Amarantos, foi a cearense Total Mix. Segundo uma fonte que pediu para não ser identificada, a produção "foi apenas uma brincadeira", pois todos os envolvidos eram fãs do game.
A faixa foi disponibilizada em um CD promocional da banda, que se dissolveu há quase uma década. Não demorou muito para a música, cuja melodia "era bacana", pegar de surpresa quem sabia bem qual era a origem daquela batida.
A música chegou com rapidez ao YouTube e às redes sociais em voga por volta de 2010, como o Orkut.
A banda chegou a tirar da plataforma de vídeos a primeira publicação, mas já era tarde. O vídeo voltou ao YouTube e, hoje, é inquestionavelmente a faixa mais popular do grupo na internet.
Já Williams Makenzy foi um pouco além ao misturar os sintetizadores rápidos da faixa com o brega funk. O ritmo, criado no Recife por volta de 2011, passou a ganhar tração nacional a partir de 2018, e é o casamento do funk carioca com o tecnobrega importado do Pará.
Fã de carteirinha de Top Gear, Makenzy explicou que o que o levou a mesclar a música com a batida do brega funk foi a simples inexistência de um remix do tipo. "E também é o estilo que a galera está ouvindo muito por aí", comenta.
O recifense de 23 anos tem razão quanto a popularidade do gênero musical. Um dos hits do gênero, Sentadão, de Pedro Sampaio, foi a quarta música mais ouvida no Spotify no primeiro semestre de 2020.
Então, não é estranho ver a popular música do game de 1992 invadindo um dos ritmos do momento.
"Recebi várias mensagens dos fãs elogiando o quanto que o remix ficou bom", conta Makenzy, que diz jogar Top Gear até hoje — tanto no emulador quanto em seu bem conservado Super Nintendo.
Aprovadas pelo autor
A trilha sonora de Top Gear foi composta pelo britânico Barry Leitch, que nunca imaginou que a faixa da trilha que produziu em uma semana fosse parar nos teclados de uma banda de tecnobrega.
Leitch poderia até ir atrás de derrubar os vídeos no YouTube por direitos autorais, estaria no direito dele, mas ele afirma se sentir lisonjeado com as músicas brasileiras que utilizam seu trabalho: "É muito legal que depois de todos esses anos ela ainda esteja nos ouvidos e corações das pessoas", disse o compositor em entrevista ao START.
Embora ele note que não tenha entendido muito bem o que a letra de algumas das músicas dizia, "no geral elas são bastante criativas".
Sempre me faz sorrir ouvir alguém cantar junto com uma melodia que eu escrevi
Barry Leitch, compositor da trilha de Top Gear
Leitch atribui a reutilização da faixa ao fato de ela ser "chiclete", por pegar rápido com o público. "Eu acho que a música Top Gear era bastante simples e repetitiva, e era tocada muito nas casas, então ficou presa na cabeça das pessoas", explica.
Mais de 20 anos depois do lançamento de Top Gear, Leitch trabalhou na composição da trilha de Horizon Chase Turbo, do estúdio gaúcho Aquiris Game Studio, considerado um sucessor espiritual do game de Super Nintendo.
Esse contato fez com que o compositor visitasse algumas vezes o Brasil. Ele chegou até mesmo a participar da Video Games Live, famoso festival dedicado a música de jogos, em que foi homenageado com versões de suas composições.
Só que a música foi tocada com uma orquestra e guitarras, bem diferente das homenagens com tempero mais brasileiro de tecnobrega, forró e funk que mostramos até aqui.
Perguntado se tomou como inspiração algum ritmo brasileiro para compor as músicas, ele cita a faixa Brazilian Street Race, para a qual "assisti cenas de carnaval e deixei minha imaginação rolar...".
Eis o resultado:
Versões brasileiras: Tendência ou caso isolado?
Bandas e artistas de gêneros nacionais criarem suas versões de hits internacionais não é prática incomum no Brasil. Na década passada era mais que normal se verem grupos de forró, arrocha, brega, sertanejo, entre outros, produzirem suas versões de músicas de pop e rock que bombavam na gringa.
Get Lucky, do Daft Punk, foi transformada em Eu Sou Mais Eu pela Forró Zanzibar, por exemplo. E Liga o Som, da Forró Estourado (que também tem uma música baseada na faixa de Top Gear), é uma versão de Come as You Are, do Nirvana.
Porém, não se viu um movimento tão forte na direção de games.
Para Schneider Souza, doutor em comunicação pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisador de games e música, o caso da faixa do Top Gear é diferente do movimento das versões, vistas principalmente entre bandas de forró.
Segundo ele, para além de motivações criativas, no caso das versões de hits internacionais o artista poderia estar tentando capitalizar em cima do sucesso da música utilizada.
"Já no caso da música de Top Gear, encontramos um caso um pouco diferente, pois sua popularidade não é tão ampla quando comparada a um hit pop", explica Souza, que pontua que, apesar disso, o interesse comercial ainda pode existir.
Como alguns dos artistas com quem conversamos explicaram, muitas dessas versões surgiram de brincadeiras com os sons do jogos, por lembrarem algo nostálgico, o que, de certa forma, criou uma conexão também com o público.
Há também o fenômeno específico das músicas de Top Gear, que servem de material para covers na internet há anos.
Luiz Roveran, doutorando em música pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) cita o caso do guitarrista Oziel Filho, mais conhecido na internet como Ozielzinho, que há mais de dez anos publicou um cover da música no YouTube que viralizou "dentro dos limites do que era viralizar nos anos 2000".
"Hoje, a tendência da música pop enseja mais o sampleamento do que a execução pelos instrumentos, mas há uma tendência que pode ser identificada desde muito antes desse fenômeno [das músicas baseadas em Top Gear]", aponta Roveran.
E assim, entre versões covers, samples, no tecnobrega ou no forró, a música de Top Gear se reinventa, transforma-se e não deixa morrer uma das faixas mais importantes para a cultura brasileira de videogame.
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