A primeira vez que joguei Tell Me Why, o mais novo jogo da DONTNOD, senti uma certa familiaridade. Não era porque ele me lembrava Life is Strange e nem porque eu tinha spoilers da história - era porque ele contava um pouco sobre mim
Assim como os irmãos Alyson e Tyler, eu também perdi uma pessoa que amava muito, meu avô, e que só agora, anos mais tarde, consigo ver que muito do que eu lembrava não era exatamente fiel à realidade. Foi com essa conversa e reflexão que minha terapia começou a ser pautada com Tell Me Why.
Memórias fabricadas
Alyson e Tyler passam o jogo inteiro revivendo lembranças. Seja por meio de conversas com conhecidos ou ativando o superpoder que possuem de literalmente ver as coisas na frente deles, frequentemente eles são obrigados a enfrentar o que eles acham que lembram.
Tell Me Why consegue transmitir em jogo algo muito comum: nem sempre o que a gente tinha tanta convicção quando crianças era, de fato, real.
O confronto entre memória infantil e conclusões adultas formam grande parte da narrativa. Os irmãos vão, aos poucos, descobrindo que a mãe deles era uma pessoa bem diferente do que lembravam.
E ver esse processo acontecendo como uma evolução natural deles como personagens fez com que eu também confrontasse minhas memórias afetivas relacionadas ao meu avô.
Assumir isso em terapia ou até mesmo em texto não é um exercício fácil, mas que fica mais leve quando você percebe que é uma questão tão comum que chegou a ser representada de forma tão bem escrita em um jogo.
É muito difícil resolver seus problemas com alguém que não está mais vivo. Não tem um diálogo. É um monólogo que você tem consigo mesmo, várias e várias vezes, o que é frustrante.
Foi jogando Tell Me Why que eu percebi, então, que esse monólogo na verdade é a chave para a resolução. Pegar um sentimento e destrinchá-lo completamente, até entender os porquês de ele existir, tira o poder que ele tem sobre nós.
No jogo, os irmãos resolvem os problemas inacabados conversando com amigos da mãe e relendo cartas. Na vida real, eu faço isso na terapia.
Pouco a pouco, aprendi a mesma coisa que os protagonistas do jogo: os adultos que fizeram parte da nossa infância não eram super-heróis
Eles foram e são humanos com defeitos, suscetíveis a erros assim como nós. E tudo bem.
A casa de infância
Quando contei para o meu terapeuta sobre Tell Me Why, assim foi o nosso diálogo:
Terapeuta: esse jogo mexeu muito com você?
Eu: sim, claro.
Terapeuta: e essa casa deles te trouxe muitas memórias, né?
Eu: sim.
Assim como Alyson e Tyler, eu também passei toda minha infância morando em uma mesma casa. Apesar de a história deles com o local acabar no início da adolescência, eu morei na minha casa por 15 anos.
Ao jogar o primeiro capítulo de Tell Me Why, em que eles passam a maior parte do tempo mexendo na casa e relembrando de histórias associadas à época que moravam lá, senti que eu estava vivenciando um flashback para minha própria infância.
Das memórias das noites de pizzas com meus pais, as madrugadas jogando videogame com meus primos e até as conversas que eu tinha com a minha cachorra (como se ela me entendesse), eu vi no jogo um reflexo de como foi crescer num mesmo local.
Uma casa é só uma construção. Mas essas memórias todas, que são construídas ao longo de anos convivendo com família, passando por perrengues e por coisas boas, transformam a casa em um lar. E Tell Me Why traduz isso lindamente.
Para mim, o jogo não só fez com que eu revisitasse todas essas lembranças, como me ajudou a exemplificar melhor na terapia a saudade que eu sinto dessa época.
De repente, eu não precisava me esforçar tanto para encontrar formas de expressar esse saudosismo, bastava eu contar do jogo que as coisas faziam mais sentido.
Esse é o poder do videogame, não é? Colocar em formato lúdico situações cotidianas.
Estamos tão acostumados com jogos no espaço, heróis de guerra e personagens imortais que muitas vezes esquecemos como os games podem ser uma tradução da nossa humanidade.
Tell Me Why fez isso por mim. Trouxe de volta lembranças lindas, algumas dolorosas, e fez com que meu terapeuta me entendesse melhor. Enfim, vi minhas dores, alegrias e memórias transformadas na arte que mais me compreende - um jogo.
*A cópia do jogo foi enviada pela Microsoft ao START
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