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OPINIÃO

Amnesia: Rebirth causa pavor, mas não brilha como o original

Amnesia Rebirth - Divulgação
Amnesia Rebirth Imagem: Divulgação

Makson Lima

Colaboração para o START

31/10/2020 04h00

Há dez anos, Amnesia: The Dark Descent promoveu uma revolução velada no terror. Foi uma construção esforçada, afinal, a franquia Penumbra, da mesma sueca Frictional Games, funcionou como experimento para o monstro de Frankenstein criar vida nas catacumbas do Castelo Brennenburg, e um cuja matéria-prima foi gritos de youtubers e insanidade como protagonista.

Agora, 100 anos se passaram e uma expedição no coração do escaldante deserto da Argélia carrega consigo mais bagagem do que o necessário: dar sequência a um clássico moderno, reinventando-se para se provar relevante e, por consequência, influente. Mas qual o impacto dessa busca da pesquisadora e desenhista Tasi Trianon por sua memória e equipe perdidas?

Folclore e delírio

Assim como aconteceu com Daniel em The Dark Descent ou Oswald em A Machine for Pigs, Tasi em Rebirth precisa se lembrar. Estamos falando de uma franquia chamada "amnésia", afinal de contas.

Após despertar nos destroços do avião Cassandra, que rumava a uma escavação na capital da Argélia, pouca coisa vem à mente: é preciso encontrar seu marido, Salim, além dos outros membros do grupo. A filhinha do casal, Alys, aguarda pelos pais em sua casa na França. Ou não?

Conforme Tasi cambaleia pelas dunas e galerias subterrâneas, suas memórias se misturam ao medo crescente e, daí, seu caderno de desenhos cria vida. O agora, apavorante, resgata numa espécie de conta-gotas demente o passado.

Amnesia Rebirth - Reprodução/START - Reprodução/START
Imagem: Reprodução/START

Por que Tasi está sozinha? Por que foi abandonada? O que houve nessas últimas horas? Ou seriam dias, semanas? Rebirth conduz quem joga na métrica de João e Maria, com suas migalhas na floresta e a bruxa faminta no coração de tudo.

A cada clareira, tendas montadas e fogueiras encontradas, mais pistas. A cada palito de fósforo gasto, desistir e voltar não é mais opção. Na escuridão absoluta, é fácil pregar peças consigo mesmo.

Páginas do diário de Salim deixadas para trás, lembranças que voltam de súbito, como se houvesse algum tipo de conexão passada àquele inóspito lugar, configuram esse primeiro grande momento de Amnesia: Rebirth.

Mas, ao contrário do que se passa na mente de Tasi, terrores muito reais a assolam. Se o mitológico ghoul até o momento era exatamente isso, um mito, chegou o momento de rever alguns conceitos. Até por que, num determinado momento do jogo, Tasi descobre não estar só e seu senso de responsabilidade amadurece de súbito, de um segundo para outro.

Contar mais sobre isso seria revelar uma das grandes surpresas de Amnesia: Rebirth. E não se revela surpresas de um bom terror.

Amnesia Rebirth - Reprodução/START - Reprodução/START
Imagem: Reprodução/START

Rebirth consegue manter a linha evolutiva dos trabalhos passados da Frictional —olhar para SOMA como primor narrativo é chegar até a esse momento. No entanto, na ânsia por criar sequências impactantes de história interativa contada, com delírios permeando o presente e perseguições tão alucinantes quanto meticulosamente induzidas, o terror se esvai. Não é difícil enxergar por entre as rachaduras de Rebirth e quando isso acontece, imediatamente a imersão se dissipa, se fazendo de espelho e fumaça.

A loucura pelo medo

Amnesia Rebirth - Reprodução/START - Reprodução/START
Imagem: Reprodução/START

Amnesia: Rebirth quer desesperadamente que você sinta medo. E seus artifícios para tal são, vez ou outra, eficazes.

A participação constante de Tasi na narrativa, com comentários preciosos sobre cada momento do jogo, e seu desespero constante e crescente nos colocam em sua pele mais que qualquer outro protagonista num jogo em primeira pessoa do gênero. Muitos deles, inclusive, assumindo a postura silenciosa, tal qual BioShock ou Outlast, na intenção (muitas vezes falha) de colocar quem joga na condição daquele desafortunado personagem. Mas não é assim com a Frictional.

Tasi é a figura central dessa jornada de loucura no coração do deserto, e não apenas desse deserto do real. É importante ter The Dark Descent fresco na memória para entender o motivo de termos aqui o subtítulo Rebirth, e acredito que não fazê-lo seria perder os melhores momentos do jogo, que tem na narrativa seu ponto alto.

Tasi é uma grande personagem; acontece que não estamos lidando com um filme, livro ou HQ, não basta sentirmos pavor por ela. É preciso que haja o vínculo entre signos, que todas as conexões sejam devidamente estabelecidas para o terror florescer de verdade. Nesse aspecto, Rebirth deixa a desejar.

Amnesia Rebirth - Divulgação - Divulgação
Imagem: Divulgação

Dos primeiros momentos que exploramos o sol escaldante ou a escuridão profunda, somos prontamente avisados da condição de Tasi. Quando tomada pelo medo, sua humanidade parece minguar, como um peixe fora d'água.

A princípio, assume-se a postura da luta contra isso e de todas as formas, seja na base dos raríssimos frascos de láudano encontrados, ou nos oásis formados ao redor de tochas firmemente presas nas rochas esculpidas pelos séculos e acesas com os limitados palitos de fósforo posicionados pelos cenários, talvez de maneira estrategicamente demais (as tais migalhas de pão do conto de fada).

Um Lovecraft cansado

Amnesia Rebirth - Reprodução/START - Reprodução/START
Imagem: Reprodução/START

No entanto, conforme a dezena de horas entre os escombros do Cassandra e a revelação final, por fim, acontecer, é fácil perceber que o tal medo de Tasi não é assim tão perigoso.

O veneno que parecia correr por suas veias é devidamente assimilado por personagem e jogador. Nesse momento, nem mesmo o barulho mais alto no vazio mais vazio, consegue nos resgatar até os horrores daquele segundo específico.

Até porque é hora de revisitar alguns fundamentos básicos da exploração num jogo em primeira pessoa e que não remeta diretamente à física de mais de 15 anos de Half-Life 2, seja na forma como resolvemos eventuais quebra-cabeças (simplórios em sua maioria, mais ainda se comparados aos vistos em The Dark Descent) ou no apanhar de objetos, como num alien, mumificado através dos tempos.

Ainda assim, por conta da grandiosidade de seus cenários, personagens e acontecimentos, há sequências de pavor absoluto em Amnesia: Rebirth. Não estão atreladas a jornada como um todo, infelizmente, mas sim àquela tumba milenar construída de morte, se configurando diante de nossos olhos adaptados a escuridão.

Quanto mais fundo descemos nesse buraco de coelho em carne viva (queimaduras do deserto ou autoinfligido?), mais nos encontramos num labirinto de recursos e condições para o gênero do terror em si —que o próximo passo não seja assim tão trôpego.

Amnesia Rebirth - Divulgação - Divulgação
Imagem: Divulgação

Lançamento: 20/10/2020
Plataforma: PC (via Steam) e PS4
Preço sugerido: R$ 57,99 (PC) R$ 159,90 (PS4)
Classificação indicativa: 18 anos (Drogas Lícitas, Nudez, Violência Extrema)
Desenvolvimento: Frictional Games
Publicação: Frictional Games
Jogue também: SOMA, Outlast, Slender: The Arrival

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