Além dos games e streams: conheça integrantes da Wakanda Streamers
Quem vê o nome Wakanda Streamers pode achar que é apenas um grupo que faz transmissões de gameplay na Twitch, inclusive com boas jogadas para mostrar a habilidade. Porém, o coletivo é muito mais do que isso. A iniciativa, que foi fundada em 2018, conta com participantes de todo Brasil, buscando representar as diversas esferas da comunidade negra.
"A gente tem uma sociedade disfuncional e o objetivo é ter uma cultura diferenciada disso, que se desprenda disso", explica Tales "TalixXGamer" Porphirio, 35, que criou o grupo em 2018. Por meio de seus relatos a seguir, Talix e outros integrantes da Wakanda mostram como o coletivo vem se tornando uma rede de apoio para a comunidade preta por meio de incentivos e trocas de experiências.
LahgolasLoL: do Master System para o League of Legends
Nascida em São Luis do Maranhão, a "Jaimaica Brasileira", Layze "LahgolasLoL" Brandão, 32, é uma das figuras presentes na Wakanda Streamers. Contemplando a fatia de gamers do coletivo, a advogada e pós-graduada faz lives de League of Legends e Valorant em seu canal da Twitch.
Os jogos sempre foram uma paixão para a criadora de conteúdo, que, por ser filha única, jogava com os pais. O Master System foi seu primeiro console, logo aos 4 anos. Depois, passou pelo Super Nintendo, Dynavision 3 e o Playstation 1 e 2. Os jogos de PC só viraram realidade na sua adolescência, aos 12 anos, afinal, computador e internet não eram acessíveis para muitos na época. Doom 95, Pick-up express —o jogo do Gugu— e emuladores de Game Boy (Pokémon Fire Red e Zelda) fizeram a alegria da ludovicense.
Com 15 anos, teve experiência de games de browser na escola, e com 18 começou a jogar online: Conquer e Lineage II. A correria da faculdade e trabalho fizeram com que ela só fosse conhecer novos estilos aos 26 anos, quando o passatempo de criança ressurgiu : "A paixão latente voltou com tudo", afirma.
Foi uma entrevista no canal de TV MTV sobre profissionais que testavam jogos nos anos 90 que despertou nela a vontade de viver de games. "Não tive dúvidas que era justamente algo parecido que gostaria de fazer da vida profissionalmente um dia: ser remunerada pra me divertir jogando videogame", conta a streamer, que, por muitos anos, achou que seu sonho era utópico para a realidade que vivia no Nordeste.
SER MULHER, PRETA E NORDESTINA NA NOSSA SOCIEDADE NÃO É FÁCIL. NO CENÁRIO ELETRÔNICO QUE É ELITISTA SE TORNA AINDA MAIS DIFÍCIL
Layze "LahgolasLoL" Brandão, streamer e advogada
Ela conheceu League of Legends pelo marido Rodrigo Santos, 27, ficando impressionada com a existência dos eSports e a gigante comunidade do MOBA.
Sonhou em virar pro-player: "Uma jogadora profissional, para talvez reacender o sonho de infância?", questionou. Acabou percebendo que seu nível de habilidade não a deixaria fazer parte de times profissionais, mas por meio do LoL conheceu outras formas de trabalhar com games além dos eSports.
Na mesma época das lives, soube da Wakanda por um tuíte que questionava a quantidade de negros que eram reconhecidos por trabalharem com lives.
"Fiquei maravilhada por saber da existência de uma rede de pessoas parecidas comigo e logo corri atrás pra tentar fazer parte", diz a atual narradora da Liga Universitária Feminina de League of Legends. "Passei a conhecer mais gente com experiências de vida parecidas com a minha e esse aquilombamento ajudou a me enxergar como mulher preta e me conhecer melhor", explica.
Lahgolas conta que precisa se empenhar mais ainda para que seu trabalho seja reconhecido: "Ser mulher, preta e nordestina na nossa sociedade não é fácil. No cenário eletrônico, que é elitista, se torna ainda mais difícil. Além dos obstáculos inerentes às profissões do meio, ainda é necessário enfrentar racismo, machismo, misoginia, xenofobia, assédios, dentre outras coisas", desabafa a streamer e advogada.
Porém, é com o apoio de Wakanda e a Sakuras E-Sports que Layze tem entendido o que pode fazer para mudar essa realidade.
Vicky: história para e conhecimento para todos
Vicky SM, 18, faz parte do coletivo criando conteúdos ativistas antirracistas no Instagram. Hoje, consegue discorrer sobre assuntos como representatividade, colorismo e educação antirracista, levando conhecimento para quem a assiste de forma didática: "A gente precisa atingir as massas. Se não a gente acaba formando as pessoas pretas, elas acabam entrando na academia, mas elas não têm como trazer de volta [esse conhecimento] para o lugar de onde elas vieram", diz a estudante, que estuda para prestar vestibular.
Vicky não utiliza o sobrenome desde que passou a estudar o processo violento de escravidão: "Normalmente esses sobrenomes foram criados no sentido de aquela pessoa ser posse de outra família", conta a criadora de conteúdo.
Ela começou a fazer vídeos durante a pandemia como uma forma de buscar sua voz. Ela conta que passou muito tempo sem se reconhecer em ambientes e pessoas, mas também viu necessiade de desabafar contra o que chama de "ativismo hipócrita das redes sociais".
A GENTE PRECISA ATINGIR AS MASSAS. SE NÃO A GENTE ACABA FORMANDO AS PESSOAS PRETAS, ELAS ACABAM ENTRANDO NA ACADEMIA, MAS ELAS NÃO TÊM COMO TRAZER DE VOLTA [ESSE CONHECIMENTO] PARA O LUGAR DE ONDE ELAS VIERAM
Vicky SM, estudante e criadora de conteúdo
Wakanda chegou em uma boa hora por indicação de amigos próximos e mudou a forma de criar conteúdo de Vicky.
"Quando eu conheci o pessoal da Wakanda, eu consegui fazer algumas amizades lá dentro que acabaram ajudando no conteúdo", diz. Além disso, conta com um apoio que não tinha antes: começou a ser chamada para gravar podcasts, conheceu pessoas que a ajudam nos vídeos e, além de tudo, ainda participa de streams de games, relembrando seus 10 anos de idade, em que jogava Minecraft, Habbo e Portal 2.
É UMA MINICIDADE QUE RETRATA COMO SERIA UMA COMUNIDADE DESCOLONIZADA E COM O FOCO NA INCLUSÃO SOCIAL. É IMPORTANTE EXISTIREM LUGARES ASSIM PARA O APOIO A COMUNIDADE, PENSANDO NA SAÚDE MENTAL COMO UM PONTO DE PARTIDA PARA UM DIA PODER ACOLHER O PRÓXIMO TAMBÉM
Vicky SM
Vicky conta que sentiu falta de representatividade na sua infância e, por conta disso, procura ser referência nos dias atuais para mudar o que viveu no passado.
"Falar sobre temas como representatividade, lugar de fala e pensamento descolonizado é de extrema importância para formação de um cidadão. [...] Eu olho para meninas pretas me assistindo e me enxergo ali. Quando elas levantam a mão ou pedem a palavra, eu vejo uma Vicky que não tinha espaço criando coragem para mostrar sua potência", resume a criadora de conteúdo.
Daniela Razia: videogame deixou de ser "coisa do demônio"
A tradutora Daniela Razia, 43, é mais um exemplo da diversidade dos perfis de Wakanda: ela faz lives de diferentes conteúdos na Twitch e também integra o blog Preta, Nerd & Burning Hell.
A pedagoga e seu irmão são órfãos e sempre gostaram de cultura pop e games. Dani precisou, aliás, superar o preconceito com o pai biológico, que achava que "videogame era coisa do demônio".
Por isso ela começou a trilhar seu próprio caminho para poder jogar, e até hoje os games funcionam como uma válvula de escape. Justamente por não se sentir representada nos jogos, resolveu começar a traduzir. "Nasceu aí minha resolução de traduzir jogos e lutar por diversidade mesmo sem saber o significado dessa palavra na época", conta a tradutora.
O PRECONCEITO É TANTO COM MULHERES E PESSOAS NEGRAS, QUE PRECISEI USAR PSEUDÔNIMO MASCULINO EM MEU TRABALHO PARA PODER MANTER MINHA SAÚDE MENTAL
Daniela Razia, tradutora e streamer
Como aprendeu a ler com apenas 4 anos e sempre foi apaixonada por livros, história em quadrinhos e videogames, sempre existiu a vontade de viver dos games, mas ela conta que nunca foi fácil: "O preconceito é tanto com mulheres e pessoas negras, que precisei usar pseudônimo masculino em meu trabalho para poder manter minha saúde mental" diz a profissional. Mesmo com apoio do irmão, as streams também foram complicadas no início, chegando ao ponto da criadora de conteúdo desistir das lives.
"Na minha primeira live alguém escutou os barulhos que meu filho —autista de grau alto— faz com a boca e o comparou a um porco. Tive uma crise de ansiedade e desliguei a live", conta. Dani conta que sofreu também ataques à sua aparência, e o que deveria ser uma ajuda financeira para fraldas e leite por meio das streams tornou-se um sentimento de ter "fracassado até como mãe".
Com a ajuda da Wakanda e do Preta e Nerd em momentos caóticos, conseguiu superar seu medo de fazer streams por conta de sentir-se em família. Tudo isso após um período de quase cinco anos: "[Foi] um combo perfeito. Me abriram muitas portas profissionalmente, conheci uma galera maravilhosa e fiz amizades lindas", conta a tradutora.
As lives acontecem quase todo dia no canal da Preta & Nerd, em que divide seu conteúdo com a doutoranda Anne Quiangala, que foi quem incentivou Dani entrar em Wakanda: "Com assuntos variados e envolvendo jogatina. Temos lives de leitura, de cinema, de conversa... é muito conteúdo! A ideia surgiu também para encontrarmos mais pessoas que gostassem dos assuntos que conversamos e de jogos também" diz Dani.
Sendo uma das cidadãs do coletivo, mulher, negra e PCD (pessoa com deficiência), tem um recado para deixar a quem está começando a trabalhar com jogos ou fazer lives: "Principalmente você, mina negra. Não desista! Alguns não suportam ver os nossos no topo, mas somos fortes. Você merece o melhor e não deixe que nunca a façam duvidar disso", ressalta.
Suuhgetsu: inclusão para todos
Jessyka Maia de Souza, 25, a Suuhgetsu, faz lives bimodais na Twitch, acessíveis para surdos e ouvintes. Ela é formada em letras libras e direito, e de pequena teve contato com computadores por causa do pai, que trabalhava consertando PCs e programando.
A família de Jessyka chegou a ter uma lan house com direito a "madrugadão" —as sessões de Counter-Strike na madrugada. Por causa disso, ela teve o que muitos gamers sempre sonharam: "Eu escolhia e montava meu computador peça por peça", conta.
Jessyka Maia de Souza começou a questionar-se sobre acessibilidade nos games ao jogar LoL com seu professor de Libras em 2017. Procurou entender se cenário de eSports era acessível e começou a transmitir o Deaf League eSports —antigo torneio de surdos—, que teve seu fim em 2019. No mesmo ano, ela tornou-se criadora de conteúdo em Libras para fãs de games.
MEU OBJETIVO É FAZER O CENÁRIO DE ESPORTS ACESSÍVEL, DA FORMA QUE EU CONSEGUIR
Jessyka Maia de Souza, 25, a Suuhgetsu
A entrada para Wakanda aflorou um sentimento de "só quem entra sabe", de acordo com a streamer, que também disse que cresceu como pessoa ao conhecer os projetos. Além disso, aprendeu coisas que não compreendia e ganhou uma família: "Wakanda é representatividade, é lar, é família. Tudo que aprendi e todos que conheci na Wakanda moldaram uma parte de quem eu sou hoje" diz.
É por meio de suas lives bimodais —uma língua oral e outra língua visual— que Suuhgetsu transmite aulas de CS:GO e participa da liga dos surdos. No LoL, é parceira da Riot Games pela Academia de Piltover, e finalmente toca seu projeto "Aulão de League of Legends em Libras", ensinando o básico do game.
Além disso, é contratada pela equipe de LoL da Rensga eSports e produziu uma série de materiais educativos: Dicionário de Libras nos eSports, a Apostila Acessível de LoL e CBLoL em Libras.
TalixXGamer: o primeiro cidadão da Wakanda
O servidor público Tales "TalixXGamer" Porphirio, 35, criou a Wakanda Streamers em 2018, e é quem até hoje reúne esforços para que o projeto cada vez mais seja um lugar seguro para pretos e pretas de todo país.
"[Idealizei o Wakanda] para funcionar como pessoas que vão se aquilombar e ter sua própria cultura, que é desvinculada da cultura colonizada em que a gente conta com diversos problemas, desrespeitos, petições viscerais, homicídios e suicídios", explica.
Uma das principais motivações, segundo TalixX, é o racismo estrutural na sociedade em que vivemos: "A gente tem uma sociedade disfuncional e o objetivo é ter uma cultura diferenciada disso; que se desprenda disso. Desta forma, teremos influenciadores de relevância", afirma, Além de cuidar das diversas esferas da cidade de Wakanda, também faz lives de games em seu canal na Twitch.
Fica fácil entender como o servidor público teve não apenas a ideia de criar o coletivo, mas como, também, conseguiu começar tudo do zero. Afinal, nasceu em Duque de Caxias (RJ) e mudou-se aos 10 anos de idade porque a mãe sonhava em investir nos estudos do filho; dessa forma, ficaria mais perto do centro e também de sua futura faculdade.
A GENTE TEM UMA SOCIEDADE DISFUNCIONAL E O OBJETIVO É TER UMA CULTURA DIFERENCIADA DISSO; QUE SE DESPRENDA DISSO. DESTA FORMA, TEREMOS INFLUENCIADORES DE RELEVÂNCIA
Tales "TalixXGamer" Porphirio, criador da Wakanda Streamers
Hoje, vivendo no Grajaú, distrito de São Paulo, tem foco em fazer seu público se divertir. As lives acontecem em seu canal de quase 10 mil seguidores com diversos tipos de conteúdos: Among Us, Grand Theft Auto V, NBA, FIFA e até mesmo jogos de terror, ou seja, games para todos os gostos.
Com vários projetos no papel, TalixX acredita que uma uma cidade completa tem tudo e é por isso que trabalha para "estabelecer conexões e direcionar pessoas e, através disso, formar influenciadores de relevância", finaliza o carioca.
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