Possuído por um impulso consumista (provavelmente alimentado pelo primeiro respiro em meses da minha conta bancária para fora do cheque especial), que facilmente teria sido refreado caso eu tivesse lido o review de Makson Lima, adquiri uma cópia física do remake de MediEvil para PS4.
O jogo de 1998 me foi muito querido durante a adolescência —muito jogado no meu amarelado PlayStation que sequer ouviu dizer que os CDs originais do PS1 eram pretos na parte de baixo.
Ocasionalmente, ao lavar a louça ou vestir a máscara para passear o cachorro, durante os dias que aguardei a chegada do jogo, eu me lembrava de uma parte ou outra que eu gostava do jogo original.
Era uma interessante mistura de adventure com ação protagonizados pelo desengonçado Sir Fortesque, enquanto ele desbravava o divertido porém não muito original reino de Gallowmere (que sejamos sinceros, parece ter sido feito por um estagiário do Tim Burton). Basta dizer, por agora, que meu reencontro com o morto-vivo não foi dos mais calorosos.
Tudo indica que refazer um jogo, alterando pouco ou um pouco mais a partir do original, é um bom negócio. Mas a dúvida que permanece é: para quem esse negócio acaba sendo bom?
Não são poucos os remasters e remakes que são lançados hoje em dia. Até consoles que ainda não estavam no mercado já anunciavam remakes exclusivos, como no caso de Demon's Souls, que agora chega ao PlayStation 5. Possivelmente o mais aguardado remake de todos os tempos, Final Fantasy VII Remake foi, contra todas as expectativas e previsões, lançado mais cedo este ano.
Tudo indica que refazer um jogo, alterando pouco ou um pouco mais a partir do original, é um bom negócio. Mas a dúvida que permanece é: para quem esse negócio acaba sendo bom?
Na lista de reviews de 2020 do START, é fácil notar a predominância de algum tipo de remake, relançamento ou remaster. Isso sem contar os muitos outros jogos que são continuações de franquias há muito inauguradas como Doom, Mortal Kombat, Pokémon, entre tantas outras.
É reconfortante voltar para alguma coisa que nos agrada, algo que sabemos que gostamos e conhecemos, é um impulso simples e compreensível. Porém, desde a década de 1990 quando eu formei os alicerces do meu gosto em jogos até agora, muita coisa aconteceu —inclusive algumas claras, preciosas e duradouras melhoras.
Uma coisa que costumamos esquecer é que os jogos eletrônicos em sua infância e adolescência muitas vezes dependiam de ter uma parte frustrante para funcionar. Hoje em dia um jogo é como uma corrente que, ao sustentar alguma carga pesada, só é tão forte quanto a sua parte mais fraca. Se um jogo me irritar, me frustrar ou me entediar, eu vou lá e jogo outro jogo —mas nem sempre foi assim.
Jogos de videogame nunca foram baratos, e com um catálogo reduzido o comum era ter somente um jogo novo para jogar durante as férias, por exemplo. Existia a possibilidade de alugar mais jogos por uma pequena fração do preço do jogo inteiro, e é aí que entra uma tática utilizada pelos desenvolvedores de antigamente.
Em uma série de vídeos de gameplay do estúdio Double Fine (estúdio responsável por jogos como Psychonauts e Broken Age), Greg Rice entrevista o desenvolvedor Louis Castle, cofundador dos estúdios Westwood, sobre O Rei Leão, jogo de 1994 baseado na franquia da Disney. Nesse vídeo (abaixo) ele confirma com todas as letras uma suposição que eu sempre tive: de que os jogos dos anos 90, a partir de certa parte mais ou menos do começo para o meio, ficavam propositalmente mais difíceis e consequentemente mais frustrantes.
"Naquela época a Blockbuster [rede de locadoras de filmes e videogames] tinha um programa de locação que tinha acabado de ser lançado. E a Disney tinha essa regra em todos os seus produtos, que você não poderia passar de certa porcentagem do jogo em certo período de tempo. Então a única fase nas primeiras horas que nós tínhamos a possibilidade de deixar mais comprido e complicado era o quebra-cabeças dos macacos no final dessa fase. Então é por isso que essa fase é tão difícil", explica Castle.
Eu acho Sonic The Hedgehog 2 um bom jogo? Hoje em dia, não. Mas me pergunte se eu não adorava girar aquele pimpolho azul quando eu tinha 8 anos de idade e chovia no Guarujá, assim nos impossibilitando de ir à praia?
"Desculpas para todos que arrancaram seus cabelos. Mas o motivo foi porque o mercado de locação funcionava assim. E as métricas da Disney diziam que se alguém passou de certa porcentagem em tanto tempo... a pessoa não compraria o jogo", completa o desenvolvedor. E esse quebra-cabeças no final da fase realmente me impediu de terminar o jogo alugado lá em meados dos anos 90.
Eu acho Sonic The Hedgehog 2 um bom jogo? Hoje em dia, não. Mas me pergunte se eu não adorava girar aquele pimpolho azul quando eu tinha 8 anos de idade e chovia no Guarujá, assim nos impossibilitando de ir à praia? Pode apostar suas esmeraldas do caos que sim.
E na época ele era um dos melhores jogos da geração, ele funcionava. Quando você passava as férias todas com só um jogo para terminar, eventualmente você iria aquela desgraça de jogo, sim! A dificuldade artificial era um mecanismo necessário, que estendia a vida útil do game. Eu fiquei muito frustrado quando morri duas vezes no chefe de uma fase opcional do remake de MediEvil e tive que recomeçar a fase inteira? Não.
Fiquei um pouco incomodado, o que talvez seja ainda pior do que ficar bravo com o jogo. MediEvil é de uma geração posterior à dos 16 bits, que foi possivelmente o auge dos jogos de locadora, mas entre os pulos desengonçados dos primeiros jogos 3D e a possibilidade de uma narrativa e jogabilidade mais fluidas, ele deu uma travada. E entre ter que parar para ler os livros que contam a história do mundo do jogo e ter de começar uma fase inteira de novo porque eu morri no chefe (este é o momento no texto em que eu não vou fazer uma comparação com Dark Souls), eu também travei e simplesmente troquei o jogo.
Entre ter que parar para ler os livros que contam a história do mundo do jogo e ter de começar uma fase inteira de novo porque eu morri no chefe, eu também travei e simplesmente troquei o jogo
É um instinto reconfortante voltarmos a algo que nos agradou. É por isso que eu paguei o preço sem desconto na PSN do Castlevania Symphony of The Night —que infeliz e imperdoavelmente está sem a dublagem original, perdendo assim quase toda a sua potência memética.
É por isso que eu comprei o MediEvil. É por isso que eu adoro reler um livro, mas o invariável caminho reto da narrativa de um livro não é a mesma coisa que a mídia do videogame. Um livro não vai fechar na minha mão como uma ratoeira se eu pular uma frase que eu já li antes.
Citando Gary Butterfield, coapresentador do podcast de games Watch Out For Fireballs, "não me ameace com tédio, porque você sempre vai perder esse jogo". E já que eu nunca terei os meus 13 anos de volta, talvez seja melhor ler alguns reviews antes de comprar o próximo remake e, se todos fizermos a lição de casa, talvez as desenvolvedoras e publishers tenham um pouco mais de cuidado com que tipo de jogo vão ressuscitar do além.
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