Estamos presos em um feed infinito de conteúdos. Vivemos num momento em que precisamos produzir e consumir, cada vez mais e no ritmo mais acelerado possível. Não há espaço para descuido, senão podemos perder algo importante.
Até apareceu uma nova patologia psicológica, a síndrome de FOMO (do inglês fear of missing out), relacionada com o medo de ficar fora do mundo digital.
Eu especulo que em breve possa surgir a FONP (do inglês fear of not poducing), porque a dinâmica de uso da tecnologia agora se baseia na lógica de produção de conteúdo. Quem não produz, se sente fora da brincadeira.
Dizem que os dados são o novo petróleo. Então eu acho que a atenção é um tipo de diamante. Um item difícil de se conseguir, mas valioso quando capturado.
Alguns dias atrás eu resolvi fazer um experimento comigo mesmo: ver se eu conseguiria escrever um texto curto, um e-mail, sem perder o prumo da tarefa. Escrevi uma linha e, pum, alt+tab para dar uma conferida no WhatsApp. No segundo parágrafo fui procurar no Google o sinônimo para uma palavra e nunca mais voltei. Quando me dei conta, estava respondendo um direct no Instagram.
Este parece ser o padrão de uso da maioria das pessoas. Temos a nossa disposição infinitas possibilidades. Basta mudar de janela para ir de um universo ao outro.
O problema é que muitas vezes nos perdemos nesta jornada. Eu aposto que você alguma vez foi fazer uma determinada tarefa online e acabou se esquecendo ao mudar tanto de telas. "O que eu estava fazendo mesmo?". Espero que isso não aconteça durante a leitura deste texto.
Este é o efeito colateral de acharmos que somos multitarefas.
Não, não somos, e digo isso respaldado por evidências científicas.
Nas últimas décadas muitas pesquisas em ciência cognitiva tentaram revelar o funcionamento multitarefa das nossas mentes e cérebros. Descobrimos que tendemos a inflar as nossas percepções em relação a nossas capacidades cognitivas, mas encontramos pouca correlação com a capacidade real.
Tem pesquisadores até defendendo que deveríamos abandonar o termo, porque nossa mente e cérebro não têm a arquitetura necessária para realizar duas ou mais tarefas ao mesmo tempo.
De fato, há uma redução na nossa taxa de acerto e velocidade quando ficamos mudando de tarefa. Este fenômeno é conhecido como efeito do Custo de Troca. Diversas pesquisas mostram ser algo inevitável: a gente vai errar mais e levar mais tempo para concluir algo se ficarmos trocando entre tarefas.
No universo digital tudo isso é ainda mais sensível. Podemos mudar entre tarefas facilmente e sem muito atrito.
As empresas investem muito no design de seus produtos para criar a melhor experiência possível, eliminando qualquer atrito para deixar o uso mais fluido possível.
Em pouco tempo nos habituamos e usamos muitas interfaces de forma automática, sem que precisemos pensar sobre o que fazer. E isso facilita a troca entre as tarefas. Não há nenhum pedágio de atenção que nos diga: ei, você agora está em outro lugar.
Em 2009 um grupo de cientistas da Universidade de Stanford desenvolveu um índice —Media Multitasking Inventory (MMI)— para quantificar o quanto um indivíduo engaja em atividades multitarefas.
Os resultados de vários experimentos mostraram que as pessoas que engajam mais frequentemente em multitarefas apresentaram pior desempenho em testes de alternância de tarefa, provavelmente devido à capacidade reduzida de filtrar a interferência de tarefas irrelevantes.
Mais recentemente, em 2016, um outro grupo de pesquisadores também de Stanford propôs um novo estudo, desta vez para medir o impacto da abordagem multitarefas na memória de estudantes universitários. Aqueles que engajavam mais na multitarefa tiveram um desempenho pior em atividades que envolviam memória de trabalho e memória de longo prazo.
Existem consequências potenciais de tudo isso na nossa vida cotidiana. E não são poucas.
Na educação há pesquisas mostrando que os estudantes aprendem menos quando estão com seus celulares e podem usar as mídias sociais nas aulas.
Também há evidências de que a proficiência de leitura decai quando a abordagem multitarefa entra em ação.
No entanto, ser multitarefa pode apresentar efeitos interessantes em cenários específicos e limitados.
Um estudo demonstrou que pode ser uma estratégia adequada para resolver problemas com criatividade. Ao mudar de tarefa reduzimos a nossa fixação no problema, o que nos libera para gerarmos alguns insights. Mas, de novo, isso é um cenário restrito e limitado.
Na sociedade contemporânea não há muito para onde escapar. Precisamos estar conectados e queremos uma boa experiência de uso, sem qualquer tipo de atrito cognitivo.
Os nossos desejos nos colocam neste labirinto. Alguns cientistas consideram esta crise da atenção como um estado emergencial, algo como a crise climática em que devemos agir prontamente para evitar o pior.
Neste momento, nos cabe reconhecer a situação real para pensarmos em alternativas.
Na esfera individual, podemos buscar protocolos e caminhos para ter uma maior consciência sobre como estamos usando a tecnologia. Isso envolve muitas vezes romper hábitos, o que não é fácil.
Na esfera coletiva, temos que mostrar para a sociedade que nossa atenção é sensível e preciosa. Precisamos deixar claro que não somos seres multitarefas, mesmo que tentem nos convencer do contrário.
Diogo Cortiz é cientista cognitivo, futurista e criador de conteúdo. É professor na PUC-SP, doutor em Tecnologias da Inteligência e Design Digital pela PUC-SP, com PhD fellowship pela Université Paris I - Sorbonne. Especialista em Neurociência. Fez estágio pós-doc em realidade virtual na Universidade de Salamanca, Espanha. Foi professor visitante no laboratório de Ciência Cognitiva da Queen Mary University of London, Reino Unido. Trabalha com pesquisas na intersecção entre design, IA e ciência cognitiva.
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