Um dos assuntos mais interessantes e polêmicos dos últimos tempos, no qual há inúmeras certezas duvidosas e opiniões passionalmente comprovadas, é sobre o que acostumamos a chamar de fake news. Não é raro ver discussões bastante acaloradas sobre o tema, já que existem muitos direitos e divergências envolvidas, inclusive em relação à própria definição do que seriam as chamadas notícias falsas.
Fato é que a internet potencializou o alcance e a rapidez com que as informações circulam, e conforme foram surgindo novas plataformas de troca, produção e compartilhamento de conteúdo, não tardou para inventarem técnicas para atingir mais pessoas e aumentar os resultados ao transmitir uma mensagem para o público. Especialmente os financeiros.
Mas antes de começar as análises sobre esse complexo contexto, que está diretamente ligado ao nosso ano de eleições, é importante pontuar que muitas pessoas acreditam que as fake news são disseminadas individualmente.
Claro que essa prática ainda persiste. Só que atualmente a grande massa de conteúdo "fake" é automatizada, em disparos feitos por robôs, e encomendados por organizações interessadas no dinheiro e nas consequências políticas que podem gerar.
Entender isso é um importante caminho para que o tema seja abordado, sem ferir a liberdade de expressão dos indivíduos. Ou seja, o combate precisa atingir a raiz do problema.
Trata-se de uma questão que não se concentra somente em fazer fofoca ou espalhar inverdades. O problema é que a distorção das informações também envolve a atração de cliques, que geram audiência e remuneração, inclusive para as plataformas digitais.
Do começo
Hoje o que se tornou até gíria do nosso vocabulário, ganhou força a partir de informações falsas disfarçadas de reportagens verdadeiras. Com expressões exageradas ou sensacionalistas, as fake news se aproveitam de rumores sobre personalidades, boatos de figuras públicas e dados manipulados para levar adiante teses conspiratórias.
As fontes geralmente são inexistentes ou duvidosas, o texto não indica uma data específica, contém letras em caixa alta e uso exagerado de pontuação, e o título e o subtítulo não condizem com o resto da publicação. Seja por falta de tempo, desconhecimento ou má-fé, várias pessoas optam por repassar determinadas notícias antes de verificar o que é verdade e o que é mentira.
O detalhe crucial é que essas informações inverídicas costumam ter como intuito a manipulação direta da opinião pública ou objetivos meramente financeiros, a partir de publicações que quanto maior o número de cliques, maior o retorno. É uma grande ameaça às liberdades que coloca não só os leitores em risco, mas a própria sociedade.
Podemos resumir afirmando que se criou uma espécie de "cultura caça-cliques", baseada na criação de textos jornalísticos sensacionalistas, com o intuito de manipular a opinião pública, além da busca de lucro fácil. O que ao final desse ciclo termina por subsidiar e patrocinar ações políticas ou de interesse de grupos que estão envolvidos nessa disseminação.
Sem punição rigorosa para coibir os abusos, isso mina a própria liberdade da internet.
Como fazer isso?
Em termos criminais, apenas criar um perfil falso sem a intenção de enganar os outros, de modo transparente, não é ilegal. É uma prática que se aproxima ao conceito do pseudônimo, de criar uma identidade nova.
O problema começa quando o pseudônimo existe com a finalidade de enganar outros, entrando no crime da falsa identidade.
Quando é provado que há alguma espécie de ganho com a criação dos perfis falsos, é possível que seja enquadrada no crime de estelionato, além de crime contra a honra, por difamação.
Mas a raiz da questão está no uso de verdadeiros exércitos de robôs, os chamados "bots" para manipular opiniões.
Enquanto usuários comuns publicam de três a dez tuítes, robôs postam uma média de 700 tuítes ao longo do dia.
Mapeamentos de ações direcionadas já identificaram mais de 60 mil contas automatizadas (relacionadas a bots) responsáveis por cerca de 1,2 milhão de tuítes.
E aqui a questão se aprofunda no direito que todo o cidadão deve ter à transparência nas plataformas.
Em uma sociedade tecnológica que está caminhando para o maior uso da inteligência artificial, é essencial, do ponto de vista ético, que o ser humano seja sempre informado e tenha plena ciência de quando está interagindo com um robô.
O que significa ter que haver uma declaração que diferencie o perfil autêntico (atribuído a uma conta humana) de um que não seja.
Mas não para por aí, até mesmo o quanto uma determinada informação pode ganhar destaque, ou "likes", também pode ser objeto de manipulação com uso de bots, o que acaba fazendo com que se associe uma "falsa credibilidade" a ela.
Muitos usuários entendem ou acreditam que um determinado conteúdo deve ser importante ou verdadeiro pelo simples fato de ter recebido muitos "likes" ou estar em evidência.
Neste sentido que a manipulação que pode ocorrer no uso dos algoritmos dentro das plataformas pode distorcer não apenas a realidade, mas também direcionar a opinião. E isso, por certo, é uma ameaça à liberdade e à democracia, como já abordado por Cathy O´Neil em sua obra "Algoritmos de Destruição em Massa".
Somente na eleição presidencial nos Estados Unidos, em 2016, o tráfego dos bots girou em torno dos 18%, de acordo com o Internet Institute da Universidade de Oxford. São contas que servem para multiplicar as informações distribuídas na rede, passando-se por contas de pessoas reais. Basicamente consistem em aplicações autônomas que navegam na internet enquanto desempenham algum tipo de tarefa pré-determinada.
Trata-se de um mercado milionário de fábricas de seguidores, onde empresas comercializam contas forjadas nas redes sociais, por meio da compra e venda de robôs e de perfis falsos e roubados.
Também oferecem ainda diferentes modalidades de bots conforme o objetivo desejado, em variações como agendados, vigilantes e amplificadores, que atuam espalhando notícias falsas e desinformação.
O que é preciso para diminuir a proliferação das fake news:
- Intensificar o debate do tema com a sociedade civil;
- Realizar campanhas educativas maciças de combate a fake news;
- Cabe ao Estado definir parâmetros do gerenciamento de riscos para a sociedade; daí a importância da regulamentação para equilibrar relações;
- A legislação deve prever penalidades específicas e distintas, proporcionais para quem cria e dissemina esses conteúdos, quem explora financeiramente, e para aqueles que compartilham as publicações;
- Entender que inexiste solução "mágica" para resolver o tema e focar na raiz do problema, por meio de instrumentos como o "follow the money", impedindo o financiamento de comportamentos inautênticos nas redes;
- Mecanismos de transparência nas redes sociais são fundamentais para impedir a disseminação de informações falsas bem como a atuação colaborativa, proativa e preventiva das plataformas.
* Patricia Peck Pinheiro é advogada especialista em Direito Digital. Graduada e doutorada pela Universidade de São Paulo. Conselheira titular nomeada para o Conselho Nacional de Proteção de Dados (CNPD). Membro do Conselho Consultivo da Iniciativa Smart IP Latin America do Max Planck Munique para o Brasil. Condecorada com 5 medalhas militares e autora de 33 livros. CEO e sócia fundadora do Peck Advogados e presidente do Instituto iStart de Ética Digital.
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