"Invasão Secreta" é a nova série da Marvel que causou polêmica por usar Inteligência Artificial na produção das cenas de abertura. O vídeo tem uma estética metamórfica que mistura formas cubistas e efeitos borrados para combinar e recombinar a representação da realidade.
O vídeo causa estranheza, mas é o efeito desejado para uma série cujo tema são alienígenas que se escondem entre nós, humanos. O diretor Ali Selim, em entrevista ao Portal Polygon, disse não entender como a IA funciona, mas ficou fascinado que a tecnologia conseguiu criar a atmosfera de mau presságio que ele queria para a série.
E "Invasão Secreta" não está sozinha nessa onda de uso de IA em produções audiovisuais. Novos filmes também estão explorando a tecnologia em diferentes etapas da produção.
Os animadores de "Elemento", novo longa da Pixar, estavam com dificuldade para elaborar Faísca, a protagonista que é feita de fogo, usando as tecnologias convencionais de animação. Eles precisaram recorrer ao uso de IA para recriar as propriedades das chamas dentro do ambiente 3D de animação.
E em "Indiana Jones", a IA foi utilizada para rejuvenescer os personagens de Harrison Ford e Mads Mikkelsen. Esse é um efeito que tinha sido explorado antes em "O Irlandês" e "Capitã Marvel", mas com uma tecnologia diferente e que era mais demorada. Agora a Disney desenvolveu sua própria IA para trabalhar especificamente com rejuvenescimento.
No caso de "Invasão Secreta", a coisa foi mais polêmica porque a IA produziu um conteúdo mais aparente para o público final. Assim que a série foi disponibilizada no streaming, muitos questionaram a escolha da IA para algo que poderia ser feito por artistas humanos.
A resistência faz sentido, afinal ouvimos falar o tempo todo que essa tecnologia vai acabar com os empregos e até mesmo causar a extinção humana.
Mas, neste caso, o público talvez ainda não conheça muito bem o papel da IA no processo de criação. Quem escuta falar que ela produziu uma cena de abertura de uma série da Marvel imagina que a máquina atuou como um gênio da lâmpada que realiza o desejo a partir de um único pedido do diretor: "Faça uma abertura para minha série".
Mas não é assim que a coisa funciona.
Em uma declaração ao "Hollywood Reporter", a produtora Method Studio, contratada pela Marvel, afirmou que não precisou substituir nenhum artista e a IA foi apenas uma ferramenta entre muitas outras usadas pelos profissionais.
Quem trabalha e pesquisa em IA generativa sabe que deve existir um fluxo criativo no processo. Se uma pessoa pedir qualquer coisa, o resultado será ruim e terá pouco valor na indústria. É preciso entender que a ferramenta é limitada. Charlie Brooker, criador de "Black Mirror", tentou utilizar o ChatGPT para elaborar um episódio da série, mas disse que o resultado foi um fracasso.
Para conseguir um conteúdo estético e conceitualmente adequado, os criadores interagem muitas vezes com a IA para extrair o melhor da ferramenta a partir de suas próprias concepções, criando um loop criativo que conecta a ideia do humano com a materialização da máquina. É uma simbiose criativa cujos diferentes níveis de interação pessoa e máquina ainda não entendemos totalmente.
E se a máquina pode ser utilizada no processo criativo, então vamos ter que reexaminar a autoria de humanos com IA. Em um momento em que roteiristas de Hollywood estão de greve para restringir o uso da tecnologia, faz sentido pensarmos em diretrizes de usos éticos e aceitáveis na indústria criativa.
A crítica mais comum é que a IA se apropria do trabalho alheio quando é treinada com obras de terceiros sem autorização. Esse é o calcanhar de Aquiles da IA generativa. Há um debate global sobre direitos autorais em dados de treinamento, mas ainda sem consenso. Está todo mundo tentando entender os efeitos de uma tecnologia pouco conhecida.
Depois de explorar a IA generativa e pesquisar bastante sobre o assunto, eu entendo que há sim um processo criativo legítimo que emerge quando usamos a IA. Na maior parte das vezes é o humano que coloca sua intencionalidade enquanto a máquina ajuda na execução.
Só que, ao mesmo tempo, a materialização da IA depende de obras de outras pessoas que não estão sendo remuneradas. Isso é o que mais me incomoda. Se a IA é como um pincel mágico, vamos ter que encontrar formas de compensar as pessoas que ajudam a magia a acontecer.
*Professor na PUC-SP e Pesquisador no NIC.br. Doutor em Tecnologias da Inteligência e Design Digital pela PUC-SP, com PhD fellowship pela Université Paris I - Sorbonne. MBA em Economia Internacional pela USP e Especialista em Neurociência. Foi pesquisador visitante no laboratório de Ciência Cognitiva da Queen Mary University of London. Tem pesquisas na intersecção entre ciência cognitiva, design e tecnologia.
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