Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
Games que captam emoções serão capazes de bagunçar nossos sentimentos?
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Há uma nova geração de videogames chegando, que emprega tecnologia da OpenBCI e Valve. Por meio de sensores instalados na cabeça do jogador será possível captar alguns detalhes de seu estado de ânimo e de suas emoções, modulando a resposta ou o desafio oferecido pela plataforma.
Há algum tempo aprendemos, com as pesquisas de Miguel Nicolelis, que macacos conseguem jogar videogames simples, e gostam.
Os apreciadores do gênero mecha anime já podem experimentar a realidade por meio de dispositivos de exoesqueleto controlados pelo pensamento.
Elon Musk está testando a tecnologia do videogame coletivo, para introduzir uma hipotética comunidade de símios que se comunicam, usando como base linguística os programas de games.
Se isso der certo, veremos que de fato a linguagem é uma conjugação entre regras, dadas pela gramática, pela sintaxe e pela semântica, com motivações e prazeres decorrentes do uso compartilhado de mundos e corpos.
Desta poderíamos superar os impasses a que chegamos com a pesquisa sobre comunicação animal por meio do treinamento de primatas superiores, por exemplo, o casal Gardner que treinou Joshua no uso de fichas-signos, verificando a mágica potência criativa e metafórica do animal ao entregar, de modo sobreposto, a ficha equivalente a "água" e a ficha para "maçã".
Depois de pensar um pouco os treinadores perceberam que ele havia feito algo que imaginávamos privilégio da linguagem humana, ou seja, a criação de novos termos e novos sentidos, pois a junção dos dois sinais nos levava a "água-maçã" ou seja, melancia (water-melon).
O potencial de representar objetos em ausência, ou seja, negatividade, comprovava também que esta é uma característica distintiva da linguagem humana em comparação com a linguagem animal em geral.
Corroborava-se também que a metáfora é o caminho para este novo patamar de consideração da realidade. O trágico experimento com o macaco Nim Chimpsky, alusão ao filósofo Noam Chomsky, por meio do qual um símio foi criado por uma família artificial e tratado como um humano, de modo a verificar a aquisição de linguagem.
O projeto, cuja história foi retratada nos cinemas terminou mal, justamente com a aparição de efeitos afetivos inesperados: ataques de raiva e agressividade, ciúmes e dificuldade de controlar a si mesmo, foram parte do fracasso da experiência.
Mas a experiência partia de uma base teórica frágil, ou seja, de que a linguagem humana é um mero sistema de signos, que poderiam ser reduzidos a algoritmos e árvores de decisão. Isso implicava, possivelmente, que Nim podia ler afetos e emoções de seus cuidadores, mas não conseguia traduzi-los em uma autorregulação pertinente.
Ele não tinha outros símios pelos quais poderia medir e receber de forma invertida, os afetos que ele mesmo experimentava. Quando isso acontece em humanos temos uma espécie de curto-circuito por meio do qual um mesmo afeto tende a se intensificar indefinidamente, perdendo sua ligação com a ação específica que lhe corresponde.
Por exemplo, em vez da raiva indicar que estamos contrariados com um aspecto da situação, ela volta-se contra o conjunto da situação, destruindo-a por inteiro em vez de regular a contrariedade por meio de alguma negociação.
A ideia de uma sociedade símia, que leva em conta o interesse dos participantes, contorna um dos problemas mais básicos da pesquisa sobre cultura em animais. Ou seja, eles desenvolvem sistemas de comunicação muito eficazes, como vemos entre as abelhas e as formigas, mas estes sistemas são problemáticos justamente porque eles não comportam ambiguação, mentira e falsidade intencional.
Aparentemente, sem esta característica o desejo de transmissão de práticas culturais, tais como "pescar" cupins utilizando um graveto como vara, ou lavar batatas com a água do mar para tirar a areia e aumentar seu sabor, sobrevivem apenas durante algum tempo, majoritariamente entre os espécimes mais jovens, e se integram com dificuldade como uma prática coletiva e transgeracional.
Ou seja, esperemos que os novos games venham não só a aumentar nosso realismo experiencial, mas que eles permitam conversas mais claras com o outro, ainda que este outro seja inicialmente uma máquina, capaz de reconhecer e reagir a emoções.
Se a hipótese for acertada se poderá comprovar o que hoje representa um grande temor difuso para os pais de crianças que se dedicam "demasiadamente" ao videogame. Ou seja, elas estariam reforçando demasiadamente a parte cognitiva da linguagem em detrimento da parte "emotiva" ou "intersubjetiva" da linguagem.
A regulação de afetos implica que nossa resposta emocional "conta", ou seja, o mesmo botão apertado com raiva ou com surpresa, com dor ou com medo, corresponde a atos subjetivamente distintos e a efeitos relacionais igualmente discerníveis.
Talvez a violência inopinada, que muitos hoje em dia associam com as plataformas digitais e com as redes sociais, sejam o correlato do experimento feito com Nim, que uma vez privado da regulação de afeto, desenvolveu padrões de destrutividade realmente surpreendentes para primatas, mesmo para primatas submetidos a maus-tratos e abusos.
Alguns dirão que o uso de emojis seria então uma prática protetiva. Talvez, ainda mais se consideramos que quem os emprega está preocupado em refinar e cuidar da paisagem emocional no qual a conversa se desenvolve.
Mas as figurinhas e interjeições não podem ser comparadas com a captação direta do afeto, simplesmente porque os afetos são em grande medida indiscerníveis ao próprio sujeito que os experimenta, ou seja, é quando uso a face do outro com um espelho de minhas palavras, que venho a retroativamente perceber e até ser capaz de nomear os afetos que elas carregaram.
Em outras palavras, precisamos do outro para saber o que estamos sentindo. Não basta enfiarmos a cabeça dentro de nossa alma, como um avestruz, para saber o que realmente está lá.
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