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OPINIÃO

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Por que Round 6 bombou? Psicanálise tem seis hipóteses que explicam sucesso

Divulgação/Netflix
Imagem: Divulgação/Netflix

22/10/2021 04h00

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A minissérie Round 6, dirigida por Hwang Dong-hyuk tornou-se rapidamente um sucesso na Netflix. O roteiro é relativamente simples: pessoas endividadas são recrutadas para uma série de jogos nos quais os que fracassam na tarefa são eliminados. A fórmula segue a temática do filme O Poço e parece ser mais uma reencenação da "big brotherização" da cultura contemporânea.

Round 6 baseia-se, aparentemente, no mangá Kaiji, um clássico infinito dos anos 1990. Kaiji é uma espécie de segunda linha dos mangás. Ele não é o Super Mario 64 dos videogames ou Evangelion dos animes, mas tão somente um mangá extenso, repetido à exaustão, com traços despretensiosos e heróis módicos, que todo mundo conhece.

Como então, uma produção que nunca chegou a ser a primeira escolha de ninguém se tornou o sucesso mundial Round 6?

Primeira hipótese

A primeira hipótese é tomar por linha de base o filme "Parasita", superbem-sucedido em sua apresentação da precariedade.

Nos tornamos fanáticos por jogos de sobrevivência porque esta é a catarse demandada por nossa época, comandada por demissões massivas, reduções de custos arbitrárias e redefinições cotidianas das "regras do jogo".

Seu sucesso foi precedido pela imensa capilarização do K-Pop com sua estética coreana, composta pela combinação perfeita entre o sentido de honra e hierarquia, que atribuímos genericamente ao Oriente, mas acrescida da plasticidade exagerada, da violência rude, da paródia desprovida de afetos. Ou seja, é exatamente porque ela é composta por heróis de segunda linha que ela atrai nossa identificação.

Portanto é na forma que esta estética consegue captar sincronicamente a superfície de prazer infantil e ingênuo, própria das nossas narrativas otimistas sobre o capitalismo da positividade tóxica, mas que com uma torção simples passamos para a barbárie dos sistemas de administração (no duplo sentido do termo) draconiana do sofrimento, visando aumento da produtividade.

Segunda hipótese

A segunda hipótese nos faria olhar mais de perto para as incongruências da narrativa.

O contrato de trabalho é justo e livremente exercido, reduzido a três cláusulas: não pode sair, quem perder nas provas será eliminado e a maioria decide. Temos aqui a tríade que organiza nossas formas de vida: populações definidas pelo local de nascimento (Estado-Nação), organizadas ao modo da concorrência, mérito e sobrevivência dos mais fortes (capitalismo) e escolha livre das regras do jogo (democracia parlamentar).

Mas o truque é que em cada caso a letra da lei está sujeita a uma aplicação diferencial e circunstancial. Não se diz que ser eliminado do jogo equivale a ser morto brutalmente com um tiro. Também não é claro que mesmo decidindo, por voto da maioria, abandonar o jogo, os concorrentes serão vigiados e perseguidos em sua vida "lá fora".

Finalmente, a lei silencia sobre o fato de eu não poder sair do jogo é também não poder sair do sistema no qual o jogo acontece.

Terceira hipótese

A terceira hipótese tem que ver com os sintomas sociais sobre os quais o jogo acontece.

Não se trata dos mais fortes e corajosos, como nos casos de realities do tipo Survival, nem dos potencialmente famosos ou representativos, mas dos "restos produzidos pelo próprio sistema".

Um dos efeitos colaterais do aumento progressivo da concentração de renda no mundo é que ela não depende mais da posse dos meios de produção como empresas, minérios ou grandes marcas, mas da capacidade de multiplicar o capital no "jogo" conhecido como mercado financeiro.

Grandes investidores compram empresas, ações, derivativos, títulos podres, ou seja, tudo de melhor e de pior em busca das variações contingentes e imponderáveis do mercado.

Na outra ponta isto cria um exército de endividado. Esse exército é uma condição do próprio sistema que oferece crédito para quem não pode pagar para, no atacado, produzir mais giro de dinheiro "podre" junto com dinheiro "limpo", necessário para a multiplicação do capital.

Quarta hipótese

A quarta hipótese é que da forma como foi montado o jogo consegue replicar nossas relações sociais mais simples, formadas pela mistura entre amor, aliança e guerra em situações geradas pelo extremo de opressão, mas que não são, elas mesmas, libertadoras, mas constantemente expostas a traições, chantagens e manobras que reproduzem no microcosmos a mesma exploração que recai sobre todos sistemicamente.

A Coreia do Sul é conhecida por sua voracidade concorrencial entre jovens, pelo índice de suicídios daqueles que fracassam no ingresso nos seus vestibulares insanos, que parecem determinar uma vida de sucesso ou fracasso.

Seu sistema econômico de vanguarda cria uma diferença brutal entre gerações, nascidas no pós-guerra, que acreditam na humildade do trabalho vencedor, com módicas expectativas de realização, em choque com as novas gerações que pressentem um hiperuniverso de progresso e acumulação, disponível apenas para os mais aptos.

Essa diferença é notável quando se observa o contraste moral entre os mais velhos e os mais novos no interior da série.

Quinta hipótese

A quinta hipótese é que o jogo não comporta apenas ambiguidade de aplicação da regra, de tal maneira a que ela se volte contra seu sentido intuitivo, mas há verdadeiras manipulações da regra.

Os homens mascarados são hierarquizados de modo simples: círculos, triângulos, quadrados e o Host maioral. A cor dos uniformes combina The Handmaid´s Tale e Casa de Papel, ou seja, não há por que temer a cópia e a citação.

Pelo contrário, a capacidade do público de reconhecer seus ícones e códigos torna o exercício de interpretação aberto e capaz de criar a sensação de que "só você está entendendo as mensagens e alusões subliminares".

Ou seja, é a cultura da conspiração e do efeito de misterioso saber que todo mundo sabe, mas acha ainda assim que é secreto e impenetrável.

Sexta hipótese

A sexta hipótese para entender o sucesso de Round 6 é que ela é uma minissérie sobre a aparência de justiça, exatamente como nós mesmos sentimos as regras do jogo, a luta pela sobrevivência, a distribuição desigual de recursos e a reprodução da iniquidade em nossas formas de vida ocidentais.

Ou seja, uma boa catarse depende de uma distância entre heróis e pessoas ordinárias, efeito obtido por meio do reflexo Oriental. Ela precisa causar afetos de indignação e injustiça. Ela demanda que afinal cada um sinta a mensagem chegando para si em particular e não apenas uma propaganda massiva de um saber genérico.

No fim, estamos todos brincando de sermos pobres enquanto gozamos com minisséries acessíveis a quem tem TV paga.

Criamos assim um sistema de reasseguramento catártico no qual sofremos porque nem todos são iguais diante da lei, mas também gozamos porque nem todos são iguais diante da lei.

O casamento perfeito e neurótico por excelência, descrito por Freud, entre um ego masoquista e um super-eu sádico.