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Blog do Dunker

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Por que tanta gente quer se mostrar diferente dos outros nas redes sociais?

Percebe que as pessoas nas redes sociais estão buscando cada vez mais ser diferentes e "diferentes dos diferentes"? - Kate Torline/ Unsplash
Percebe que as pessoas nas redes sociais estão buscando cada vez mais ser diferentes e "diferentes dos diferentes"? Imagem: Kate Torline/ Unsplash

22/08/2022 04h00

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Em 1886 Richard Von Krafft-Ebbing publicou "Psychopathia Sexualis" (Martins Fontes, 2001), incluindo o relato de 13 casos clínicos de exibicionismo.

São histórias tristes como a de um oficial do exército que só conseguia obter satisfação sexual ao exibir seu pênis ereto em andanças pelo parque central da cidade. O professor que acordava de seus transes com as calças arriadas e o policial ao seu lado, ou ainda o assistente de barbeiro, que passa a vida indo e voltando da prisão por expor seus órgãos genitais a crianças e adultos, tendo por fim declarado:

"Entendo meu crime, mas é como uma doença. Quando se apossa de mim não posso impedir tais atos. Às vezes, por bastante tempo fico livre destas inclinações."

Mas elas sempre voltam.

Do ponto de vista clínico, o exibicionista é alguém para quem a satisfação sexual está necessariamente condicionada pela presença do olhar do outro.

Uma definição deste tipo é pouco plausível, porque aquela relação que não leve em conta o olhar do outro provavelmente será chamada de bestial ou inumana.

No exibicionismo —assim como no seu par diagnóstico complementar, o voyeurismo—, a tendência a olhar geralmente se faz acompanhar o prazer de invadir o espaço íntimo do outro. Surpreender e eventualmente ser surpreendido torna-se um fim em si mesmo.

Nesta condição, olhar e ser olhado, que deveriam fazer parte do processo da sedução, substitui o encontro sexual com outra pessoa. Encontro que passa a ser secundário ou acessório. É algo da ordem do "em vez de" e não "parte do caminho para". É como se o prazer de olhar ganhasse vida própria, aliás como acontece entre os estetas e admiradores da arte.

Freud observou que todas as práticas de natureza perversa —seja pela substituição dos fins, seja pela modificação dos meios, seja pela qualidade, seja pela quantidade— compõe a vida sexual de qualquer um.

Em alguns esta forma de fantasias ocupa um lugar mais relevante do que em outros. Em outros a interdição do olhar e o bloqueio da fantasia suposta ao outro é a essência mesmo da extração de prazer.

Portanto, o exibicionismo é uma montagem possível da pulsão cujo objeto é o olhar, e cujo prazer de ver e ser visto, envolve uma espécie de cena.

Lembremos aqui a criança que conquista o alto de um brinquedo e de lá acena para baixo, como que a dizer: "olha eu aqui".

Não devemos confundir o exibicionismo, como modalidade de produção de prazer, com o narcisismo, que é uma espécie de equação intersubjetiva pela qual nos colocamos diante dos outros, tendo em vista o cálculo do lugar onde devo me colocar, dos traços que devo reconhecer, da imagem que devo compor, para ser visto ou reconhecido de maneira conforme meu desejo, o desejo do outro e os ideais que pré-determinam nosso laço social.

Como se vê, o narcisismo não é uma relação a dois, um indivíduo apaixonado por sua imagem, como se depreende do mito grego compilado por Ovídio.

Observando mais de perto este mito vemos que Narciso está atraído por sua imagem, mas que ao mesmo tempo ele não reconhece sua imagem como sua. Mais ou menos como o bebê que "descobre" sua própria mão, fixando-se a ela, como um objeto fascinante, porque é, ao mesmo tempo, próprio e outro.

Além disso, há outro personagem real que está realmente apaixonado por Narciso, que é a ninfa Eco, depois condenada a cumprir a função de refletir a voz, em ser escutada propriamente, nas cavernas.

Portanto, o problema não é que Narciso está apaixonado por si e se isolaria em um espaço individualista, mas que ele precisa desesperadamente de outros através dos quais ele pode receber e confirmar sua própria imagem atraente de fascinação.

Ora o enigma representado por sua própria imagem é fascinante porque por meio dele o sujeito investiga e descobre as condições pelas quais ele um dia foi amado, ou os traços pelos quais poderá voltar a ser amado.

É por isso que se diz que o narcisismo é um sistema necessariamente instável, pois ele precisa de constantes reposições e reposicionamentos que jamais podem de fato responder a pergunta que o narcisista está fazendo, uma vez que esta pergunta está alienada ao desejo do Outro. Alienado quer dizer aqui desconhecido, expulso para o exterior e estranhado.

Podemos agora distinguir o exibicionismo-voyerismo, como prazer do ver-e-ser-visto, deste sistema de quatro termos (eu, minha imagem, o Outro e a imagem que eu "acho" que produzo para este Outro), que regula nossa economia amorosa.

Muito se critica as redes sociais e os demais recursos que a nova vida digital nos faculta, porque eles seriam venenosos para nosso exibicionismo pulsional, estimulando ainda a velocidade e a urgência de nossa reposição narcísica.

De fato, os recursos digitais permitem que segmentemos nossas experiências selecionando "ângulos" e "filtros" muito específicos pelos quais queremos ser reconhecidos. E podemos nos consagrar longamente na arte de recortar e recompor novas selfies e novas versões de nós mesmos, cada vez mais apuradas por padrões de montagem, de cosmetologia imaginária, capazes de estabelecer uma corrida e uma competição voraz por curtidas ou cliques.

Ora o prazer de ser visto e a demanda de reconhecimento concorrem para a formação de identificações e as identificações parecem ser a "alma" do negócio digital, a alma de uma época sem alma.

Uma vez que uma identificação se estabelece fomos fisgados pela lei do algoritmo: quanto mais, mais; quanto menos, menos. Quanto mais nós, menos eles; quanto mais eles, quanto menos nós.

Mas exatamente como isso acontece?

Notemos que a relação entre o prazer de ver-ser visto (exibicionismo) e o sistema de reconhecimento amoroso (narcisismo) não é direta e natural. Há várias formas de amar e ser amado, assim como há inúmeras maneiras de fazer o olhar entrar em uma relação erótica, maneiras que vão do pornográfico, do tudo-mostrar, ao recato da ocultação calculada do olhar.

O que liga os dois problemas é o que a psicanálise chama de identificação. E uma identificação, como dizia Lacan, é a transformação que acontece no sujeito toda vez que ele assume uma imagem.

Estamos povoados de imagens, cada vez mais férteis e interessantes, mas diante de quantas delas estamos em posição de dizer: "eu sou isso"?

Na maior parte do tempo estamos deslizando de uma imagem para outra, ou nos esforçando para manipular a imagem que os outros fazem de nós, justamente para escapar deste terrível "você é isso". Preferimos, ao contrário, a efemeridade do "estou, neste momento, sendo isso", mas quero garantir para mim mesmo e para os que me cercam que amanhã, ou digamos, daqui a duas horas, posso ser outra coisa. Basta mudar meu perfil.

O direito a transformar minha imagem, ou seja, o direito de criar novas identificações, torna-se um direito extremamente perigoso quando distribuído farta e amplamente.

Perigoso porque existe uma segunda maneira de ligar exibicionismo e narcisismo. Uma maneira que não exclui a identificação, mas que é uma identificação imposta pelo supereu. Ou seja, a liberdade de nos transformarmos e a efemeridade da experiência de ser-sendo, passa rapidamente à coerção de transformar-se.

E aqui chegamos a entender por que as gramáticas de reconhecimento tendem a uma espécie de autoexaustão, como o falecido Orkut e o atual Facebook.

A obrigação de ser outro cansa. Lembremos que o livro de Ovídio que descreveu o mito de Narciso chamava-se justamente Metamorfoses (transformações).

Mas quando todo mundo precisa ser novo, quando os outros são reconhecidos como pessoas que estão fazendo exatamente a mesma coisa que você para serem reconhecidos, inicia-se uma corrida pela quantidade que em algum momento exigirá uma mudança de qualidade.

Depois de injetar 20 litros de silicone ou de tatuar 90% de seu corpo, podemos ser assediados pelo cansaço e pelo desejo de encontrar uma nova diferença. Não apenas uma diferença que nos equalize e permita comparações, mas uma diferença que faça realmente diferença. Uma diferença diferente.

O primeiro sinal de que isso está acontecendo é o que chamei de cansaço do exibicionista.

Neste momento é comum que nos revoltemos contra o próprio imperativo de reconhecimento, contra a existência da máquina, em vez de nos voltarmos para nossa própria tentação de, por meio dela, nos iludirmos com um heroísmo além de nossas posses narcísicas.

É como aquele autor que publica seus livros, mas porque não é lido por ninguém revolta-se contra o sistema das editoras.

Brigar contra a lei do reconhecimento é o caminho mais curto para o curto circuito narcísico conhecido como depressão.

Em geral fazemos isso para querer nos afastar do trabalho que nos dá discernir como e por quem queremos ser realmente reconhecidos, bem como do trabalho e do risco que o desejo sempre traz neste contexto.

O problema todo é como passar do desejo de reconhecimento (narcísico) para o reconhecimento do desejo, por si, com o outro e entre outros.

Espero que a distinção que apresentei entre narcisismo, exibicionismo e identificação permita perceber que as redes sociais jamais deveriam ser entendidas como um instrumento de mão única e de uso compulsoriamente semelhante para todos.

Há pessoas que usam coisas como Instagram como um palco, outras que o tomam como uma cama para sustentar suas práticas eróticas (ótimo também, por que não?).

Mas há também aqueles que fazem dele uma espécie de livro, de repositório biográfico ou epistolar, muito mais interessadas em escrever e criar novas possibilidades produtivas de si do que comparar cliques ou manter a pirotécnica da felicidade.

Esta cansa, e pior, cansa cada vez mais rápido.