Sedução Algorítmica: como o prazer morno, sem gozo, move a nova economia
O livro "Sedução Algorítmica", de Júlio de Ló, é uma excelente introdução aos debates trazidos pelas plataformas digitais. Ele argumenta que a nossa sociedade agora se organiza pela "economia da atenção". Atenção aqui não quer dizer concentração ou foco, mas, paradoxalmente, distração, scrolling e ocupação de mediana interessância (aquilo que nos ocupa apenas o suficiente para nos tirar do tédio).
Assim como na trilogia Matrix, a sedução algorítmica descobriu que não é possível nos manter em disposição compenetrada recebendo a seiva digital por meio de implantes cerebrais ou administrando felicidade demais. Nos contentamos com conteúdos triviais, como gatinhos, lembranças e pequenas doses de informação, que mantêm nossa atenção morna.
É isso que mantém nossa facie hipocratica de pequeno sorriso anódino e olhar opaco, cujo brilho parece ter sido raptado pela tela.
Agimos como se estivéssemos presentes, mas, na verdade, somos representados por uma versão de nós mesmos. É o nosso "duplo" que ri ou bate palma de piadas sem graça, chora em funerais por nós e mostra o interesse e a dedicação que deveríamos ter, mas que nossa preguiça anestésica nos impede.
Essa sedução digital funciona como uma máquina caça-níqueis: ela gira a manivela por nós, vemos as combinações de imagens e números caírem diante dos nossos olhos e, de vez em quando, recebemos um "prêmio" em forma de forte dose de dopamina, que gera prazer, mas não satisfação.
Prazer sem satisfação
Parece planejado, porque a verdadeira satisfação nos faz parar de consumir e isso não seria bom para os negócios. Como se diz: post coito, animal triste (depois da transa vem a tristeza).
É a sedução que não se resolve. Os algoritmos precisam nos levar ao ato, mas não ao orgasmo de consumo. Eles rastreiam e memorizam por onde andamos e nos devolvem uma história repetitiva e redundante das nossas próprias escolhas. E quando entra em jogo a inteligência artificial desenvolve-se um antídoto que torna o algoritmo imune à mesmice que ele mesmo produz.
Isso parece acontecer por duas operações conjugadas:
1) A sedução digital assume uma dimensão tântrica, que estende um pouquinho mais o momento do engajamento ou da decisão de compra.
Se você quer uma mamadeira, talvez se interesse por uma chupeta. E se parar alguns segundo diante da chupeta, talvez queira um carrinho de bebê. Certo, ele está caro. Que tal algo mais acessível como um livro sobre gestação? Abre-se um pop-up sobre métodos para facilitar a concepção. Você já tinha se decidido pela mamadeira, mas agora tem uma nuvem de caminhos.
As "quase escolhas" ainda ficarão registradas e serão usadas contra você naquele momento de desamparo, naquela noite escura quando nada está certo e todas as companhias se tornam cinzentas e digitais.
2) Há ainda a ideia de que, se você não toma uma decisão, já perdeu. E, ao acumular essas "derrotas", sente o FOMO, o medo de estar ficando de fora (Fear Of Missing Out).
O primeiro passo da sedução digital é criar, artificialmente, a sensação de que estamos permanentemente sendo chamados a clicar, opinar, testemunhar, apoiar, confirmar o recebimento de mensagens e mostrar que estamos presentes.
Aos poucos, nos acomodamos nessa posição. Somos como os marinheiros de Ulisses, que, ao comerem as flores de lótus oferecidas pela feiticeira Circe, perdem o desejo de voltar à realidade.
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Quero receberNos tornamos porcos incapazes de perceber sua própria condição, sentados diante do muro da caverna platônica, hipnotizados por sombras animadas, com medo de encarar a luz e se confrontar com a verdade.
Nos transformamos em suínos adestrados que se apresentam voluntária e diariamente para receber sua dose de "lavagem digital".
Também participamos periodicamente de rituais de execução sumária de outros porcos, cuja transformação em presunto nos dá um estranho sentimento de proteção e sobrevivência.
Sentimos alívio por ainda não termos sido descartados, cancelados ou excluídos dessa miserável condição "porcolina". Vivemos a ilusão de que o monopólio dos frigoríficos é natural dos deuses da "linguiçaria".
A sedução digital, nesse contexto, funciona como uma espécie de síndrome de Estocolmo, onde passamos a amar nossos algozes simplesmente porque eles não nos mataram, ainda.
Sedução permanente
Essa alegoria funcionaria no capitalismo pré-plataforma. A diferença é que a verdadeira sedução digital ocorre quando o movimento dos "porcos" na pocilga passa a ter valor. Suas brigas e ódios, seus amores e paixões, suas histórias deprimentes de movimentação circular geram mais sedução.
Seducere, do latim, significa "desviar do caminho".
Na era dos "prossumidores" (que produzem dados enquanto consomem produtos ou informações), esses dados agregados ganham mais-valor.
Isso é inédito quando pensamos no modelo marxista, onde os trabalhadores só têm sua força de trabalho para vender "livremente" num mercado dividido e organizado pelos que detém os meios de produção. Amazon, Facebook, Google, Apple não monopolizam os meios de produção, mas de "prossumissão".
A mais-valia marxista e também o conceito lacaniano do "mais-de-gozar" trabalham em regime permanente de sedução.
Isso ajuda a entender como e por que o uso excessivo das telas prejudica a saúde mental, como demonstram os estudos de Jonathan Hardt. A sedução digital desvia nosso caminho, sem oferecer um novo destino.
É como se dissesse: calma, nada vai acontecer, nenhuma traição, nenhum novo desejo, apenas as mesmas satisfações mornas que daqui a pouco vão tirar você novamente do seu caminho, que agora é também o "nosso caminho".
Temos aqui o "prossumidor" ideal, o sujeito perfeito para este regime de sedução:
- Ao enfrentar uma lacuna de saber ou encruzilhada ética, busca dois influenciadores com posições opostas, o que lhe dá a ilusão de escolha independente.
- Ele confirma sua escolha com base na opinião de uma autoridade que reflete uma posição já deformada pelo conteúdo que ele "curtia".
- Então surgem as exceções: vozes divergentes e independentes que se apresentam como autênticas.
- Por fim, ele não rejeita a ciência pela sua adesão ou refutação, mas pela complexidade e incerteza das conclusões científicas.
Cada volta que damos nesse circuito de sedução, é como adicionar mais um fio de seda ao casulo que nos envolve, reforçando nossa narrativa dentro de uma bolha de informação.
Somos como mariposas girando em torno de uma luz difusa que, inevitavelmente, nos queimará.
Somos como solitários como hikikomoris (termo japonês para aqueles que se isolam), em nossas celas platônicas, anestesiados pelas flores de lótus que comemos sem parar.
Sociedade do cansaço, líquida, narcísica. Tudo isso concorre para a economia da atenção.
Luz que não mais liberta, mas aprisiona.
Luz sedutora que nos faz renunciar à nossa alforria.
Luz brilhante da tela que nos atrai.
Luz, cujo brilho nos seduz para uma vida em estrutura de fuga, nunca de entrada.
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