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Opinião

Cansaço do exibicionista digital: qual o verdadeiro papel das redes sociais

Em 1886, o psiquiatra alemão Richard Von Kraft-Ebbing incluiu o relato de 13 casos clínicos de exibicionismo em seu "Psichopatia Sexualis". São histórias tristes como a de um oficial do exército que só conseguia obter satisfação sexual ao exibir seu pênis ereto em andanças pelo parque central da cidade; do professor que acordava de seus transes com as calças arriadas, e o policial ao seu lado; ou do assistente de barbeiro que passa a vida indo e voltando da prisão por expor seus órgãos genitais a crianças e adultos.

Este por fim declarou: "Entendo meu crime, mas é como uma doença. Quando se apossa de mim, não posso impedir tais atos. Às vezes, por bastante tempo fico livre destas inclinações."

Mas elas sempre voltam.

Do ponto de vista clínico, o exibicionista é alguém para quem a satisfação sexual está necessariamente condicionada —e muitas vezes restrita— à presença do olhar do outro.

Uma definição deste tipo é pouco plausível, porque aquela relação que não leve em conta o olhar do outro provavelmente será chamada de bestial ou não humana.

Ocorre que no exibicionismo —assim como no seu par diagnóstico inverso e complementar, o voyeurismo— a tendência a olhar, geralmente invadindo o espaço íntimo do outro, torna-se um fim em si mesmo.

Nesta condição, olhar e ser olhado (que faz parte do processo que vai da sedução ao encontro sexual) substitui o encontro sexual com outra pessoa, que passa a ser secundário ou acessório.

É algo da ordem do "em vez de" e não "parte do caminho para".

Freud observou que todas as práticas de natureza perversa —seja pela substituição dos fins, pela modificação dos meios ou pela qualidade seja pela quantidade— compõe a vida sexual de qualquer um, ainda que sob a forma de fantasias.

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Portanto, o exibicionismo é uma possibilidade na pulsão de olhar, e o prazer de ver e ser visto.

Mas, além disso e da coerção e restrição impostas, há uma terceira alternativa: se fazer ver —assim como entre amar e ser amado existe o se fazer amar.

Se apresentar como "olhável" ou "visível" é parte decisiva do narcisismo-social do sujeito e virou o mais corrente e digitalmente exponencial.

Disso deriva um terceiro tipo de sintoma: o histrionismo, patologia social antigamente conhecida como excentricidade, quando a insatisfação em ser reconhecido apenas como mais um leva a uma sensação de inexistência.

No histrionismo, convivem uma espécie de denúncia contra a soberania do olhar do Outro e um apelo pelo reconhecimento do sujeito, mais como diferença do que como parte ou identidade.

Não devemos confundir o exibicionismo (produção de prazer) com o narcisismo, essa equação que usamos para nos colocar diante dos outros e ganhar reconhecimento de acordo com o nosso desejo, o desejo do outro e as ideias que pré-determinam nosso laço social.

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Como se vê, o narcisismo não é uma relação a dois.

Observando mais de perto o mito grego compilado por Ovídio, vemos que Narciso está atraído por sua imagem, mas que, ao mesmo tempo, ele não reconhece sua imagem como sua. Mais ou menos como o bebê que "descobre" sua própria mão e fixando-se a ela como um objeto fascinante, porque é próprio e outro.

Portanto, o problema não é que Narciso está apaixonado por si e isolado um espaço individualista. Mas que ele precisa desesperadamente de outros para receber e confirmar sua própria imagem atraente de fascinação.

O enigma representado por sua própria imagem é fascinante, porque o sujeito investiga e descobre as condições pelas quais ele um dia foi amado ou os traços pelos quais poderá voltará a ser amado.

É por isso que o narcisismo é um sistema necessariamente instável, pois ele precisa de constantes reposicionamentos que jamais vão, de fato, responder à pergunta do narcisista —uma vez que esta pergunta está alienada ao desejo do Outro (alienado quer dizer aqui desconhecido, expulso para o exterior e estranhado).

O exibicionismo e a economia amorosa

Podemos agora distinguir o exibicionismo-voyerismo (prazer do ver-e-ser-visto) deste sistema de quatro termos (eu, minha imagem, o Outro e a imagem que eu "acho" que produzo para este Outro), que regula nossa economia amorosa.

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Muito se critica as redes sociais e outros recursos da nova vida digital, por serem venenosos para nosso exibicionismo pulsional, estimulando a velocidade e a urgência de nossa reposição narcísica.

De fato, eles permitem que segmentemos nossas experiências selecionando "ângulos" muito específicos pelos quais queremos ser reconhecidos. Passamos a dominar a arte de recortar e recompor novos selfies e novas versões de nós mesmos, cada vez mais apurados por padrões de montagem e cosmetologia imaginária, em competição voraz por curtidas.

Mas exatamente como isso acontece?

A relação entre o prazer de ver-ser visto (exibicionismo) e o sistema de reconhecimento amoroso (narcisismo) não é direta e natural.

Há várias formas de amar e ser amado, assim como há inúmeras maneiras de fazer o olhar entrar em uma relação erótica, do pornográfico ao tudo-mostrar, do recato à ocultação calculada do olhar.

O que liga os dois problemas é o que a psicanálise chama de identificação, que é, como dizia Lacan, a transformação que acontece no sujeito toda vez que ele assume uma imagem.

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Estamos povoados de imagens, cada vez mais férteis e interessantes, mas diante de quantas delas estamos em posição de dizer: "eu sou isso".

Na maior parte do tempo, estamos deslizando de uma imagem para outra ou nos esforçando para manipular a imagem que os outros fazem de nós, justamente para escapar deste terrível "você é isso".

Preferimos, ao contrário, a efemeridade do "estou, neste momento, sendo isso", mas quero garantir para mim mesmo e para os que me cercam que amanhã, ou digamos, daqui a duas horas, posso ser outra coisa. Basta mudar meu perfil.

O direito a transformar minha imagem, ou seja, o direito a criar novas identificações, torna-se um direito extremamente perigoso quando distribuído farta e amplamente.

Perigoso, porque existe uma segunda maneira de ligar exibicionismo e narcisismo. Uma maneira que não exclui a identificação, mas que é uma identificação imposta pelo super-eu.

Ou seja, a liberdade de nos transformarmos e a efemeridade da experiência de ser-sendo passa rapidamente à coerção.

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E aqui entendemos porque as gramáticas de reconhecimento tendem a uma espécie de auto-exaustão, como o falecido Orkhut e o atual Facebook. A obrigação de ser outro cansa.

O livro de Ovídio que traz o mito de Narciso chamava-se justamente Transformações (Metamorfose).

Quando todo mundo precisa ser novo e os outros são reconhecidos fazendo exatamente a mesma coisa que você para serem reconhecidos, inicia-se uma corrida pela quantidade —que em algum momento exigirá uma mudança de qualidade.

Depois de injetar 20 litros de silicone ou de tatuar 90% de seu corpo, podemos ser assediados pelo cansaço e pelo desejo de encontrar uma nova diferença.

Não apenas uma diferença que nos equalize e permita comparações, mas uma diferença que faça realmente diferença. Uma diferença diferente.

O primeiro sinal de que isso está acontecendo é o que chamei de cansaço do exibicionista.

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Neste momento, é comum que nos revoltemos contra o imperativo de reconhecimento e a existência da máquina, em vez de nos voltarmos para nossa própria tentação de, por meio dela, nos iludirmos com um heroísmo além de nossas posses narcísicas.

É como aquele autor que publica seus livros, mas porque não é lido por ninguém revolta-se contra o sistema das editoras.

Brigar contra a lei do reconhecimento é o caminho mais curto para o curto-circuito narcísico conhecido como depressão.

Em geral, queremos nos afastar do trabalho que dá discernir como e por quem queremos ser realmente reconhecidos, bem como do trabalho e do risco que o desejo sempre traz neste contexto.

O problema todo é como passar do desejo de reconhecimento (narcísico) para o reconhecimento do desejo, por si, com o outro e entre outros.

Espero que a distinção que apresentei entre narcisismo, exibicionismo e identificação permita perceber que as redes sociais jamais deveriam ser entendidas como um instrumento de mão única e de uso compulsoriamente semelhante para todos.

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Há pessoas que usam coisas como Instagram como um palco, outras que o tomam como uma cama para sustentar suas práticas eróticas (ótimo também, por que não?).

Mas há também aqueles que fazem dele uma espécie de livro, de repositório biográfico ou epistolar, muito mais interessadas em escrever e criar novas possibilidades produtivas de si do que comparar cliques ou manter a pirotécnica da felicidade.

Esta cansa, e pior, cansa cada vez mais rápido.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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