Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
Remove? Facebook pede ajuda para lidar com post brasileiro contra lockdown
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Mais um caso brasileiro chegou ao Comitê de Supervisão do Facebook, órgão responsável por revisar as decisões da empresa sobre remoção ou manutenção de contas e de conteúdos na plataforma. E dessa vez tem tudo a ver com o combate à covid-19 e as diversas narrativas (mais ou menos científicas) que proliferam nas redes.
Em março de 2021, um conselho de medicina estadual ("state-level medical council", conforme aparece na descrição do caso) publicou em sua página no Facebook uma imagem contendo um texto contrário à adoção de medidas de lockdown e restrição à circulação de pessoas como forma de reduzir a disseminação da covid-19.
O texto afirmava que essas medidas não seriam apenas ineficazes, como também contrárias à Constituição Federal e condenadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Para ilustrar a eventual condenação por parte da OMS contra as medidas de lockdown, o texto publicado pelo conselho trazia uma citação do Dr. David Nabarro, da OMS, afirmando que "o bloqueio não salva vidas e torna as pessoas pobres muito mais pobres".
O projeto Comprova, do qual o UOL faz parte, já identificou outras postagens que reproduzem, igualmente de maneira distorcida, a fala do consultor da OMS. Nessa mesma entrevista da qual a sua fala foi retirada, Nabarro afirmou que os lockdowns são justificados em momentos de crise, servindo para reorganizar os sistemas de saúde e proteger os profissionais que estão na linha de frente no combate à covid-19.
Editado pouco depois da crise gerada pela escassez de oxigênio nas unidades hospitalares em Manaus, o texto postado no Facebook afirmava que o Amazonas experimentou um aumento no número de mortes e internações hospitalares justamente após o bloqueio, o que tornaria evidente a ineficácia da medida.
O texto afirmava ainda que medidas de restrição, como o lockdown, levariam a um aumento nos transtornos mentais, abuso de álcool e drogas, além de perdas econômicas.
Segundo consta da descrição do caso, o conteúdo do post foi visualizado cerca de 32.000 vezes e compartilhado mais de 270 vezes. Não houve qualquer notificação na plataforma denunciando essa postagem. O Facebook, por sua vez, também não moderou o conteúdo, optando por levar o caso ao Comitê de Supervisão.
O Comitê informou que o Facebook, ao encaminhar o caso, avaliou que, a princípio, a postagem não parecia violar as políticas da empresa.
Segundo o Facebook, são removidos da plataforma conteúdos que violem a sua Política sobre Desinformação e Danos quando "as autoridades de saúde pública concluem que a informação é falsa e possa contribuir para violência iminente ou dano físico".
Na avaliação do Facebook, a postagem do conselho de medicina não se encaixa nessa categoria. Embora a empresa tenha sido aconselhada pela OMS e outras autoridades a remover postagens contrárias a medidas de saúde utilizadas no combate à covid-19, como o distanciamento social, o Facebook afirmou que essas orientações não incluíam a remoção de postagens contrárias ao lockdown.
Uma consulta pública sobre o caso foi aberta pelo Comitê de Supervisão do Facebook. Interessados poderão enviar contribuições para a tomada de decisão por parte da entidade até o dia 16 de junho.
Dentre os pontos sobre os quais o Comitê está procurando mais informações estão:
- Comentários sobre o acerto ou equívoco do Facebook em ter deixado a postagem no ar à luz de suas próprias políticas, valores e diretrizes ligadas à proteção dos direitos humanos;
- Contribuições sobre se uma outra forma de moderação, que não a remoção, teria sido mais adequada (como a inserção de avisos ou links informativos na postagem) e;
- Subsídios sobre o contexto dessa postagem no Brasil, enfatizando eventuais contradições entre publicações de conselhos de medicina estaduais e as recomendações de autoridades de saúde internacionais, além do impacto dessas comunicações no combate à covid-19 no país.
Se o Comitê concordar com o Facebook que nenhuma moderação era devida com relação ao conteúdo, podemos esperar que muita gente vai dizer que a entidade chancelou a ineficácia dos lockdowns (quando, na verdade, estaria apenas avaliando como a postagem se enquadra nas regras da companhia).
Adicionalmente, a decisão pela não moderação do conteúdo lançaria dúvidas sobre os esforços da empresa em combater a desinformação durante a pandemia, já que a fala do consultor da OMS foi tirada do contexto que permite o seu entendimento e usada para finalidades contrárias ao recomendado pela própria organização. Casos semelhantes de desinformação nos Estados Unidos sobre o combate à pandemia foram alvos de moderação na plataforma.
Ao contrário, caso o Comitê entenda que o Facebook errou, é certeza que a remoção da postagem nessa altura do campeonato vai jogar mais lenha na fogueira na discussão sobre o papel das plataformas no controle do que é dito nas suas redes.
Certamente vai ter gente alegando que a moderação —ainda que tardia— é uma forma de censura. Nesse sentido, veio a público recentemente uma minuta de decreto, do governo federal, que restringiria a habilidade dos provedores em moderar conteúdo e excluir contas de seus usuários. Se estivesse em vigor, o Facebook não poderia remover, etiquetar ou reduzir a visibilidade dessa publicação.
Seja como for, a decisão do Comitê de Supervisão do Facebook no caso da postagem contrária aos lockdowns será mais um capítulo tumultuado nas disputas narrativas que dominam o debate sobre o enfrentamento da pandemia nas redes sociais. Essa é uma decisão que inevitavelmente —parodiando a Dra. Luana Araújo, em seu depoimento na CPI— vai ecoar em todas as bordas da terra plana.
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