Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Avançou o sinal: é exagero proibir vídeo de infração de trânsito nas redes
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Faz tempo que ninguém pode entrar na Rua Augusta (em São Paulo) a 120 por hora. Agora ninguém vai poder postar vídeos retratando essa e outras infrações de trânsito. Salvo se for para denunciar o ocorrido.
Isso é o que determina o Projeto de Lei nº 130/2020, aprovado pela Câmara dos Deputados. Ele proíbe a divulgação em redes sociais, ou em qualquer outro meio digital ou impresso, do "registro visual da prática de infração que coloque em risco a segurança no trânsito".
O artigo 3º do projeto, que agora segue para sanção presidencial, determina que as plataformas digitais, ao receber a decisão judicial que ordene a remoção do conteúdo, devem cumprir dentro do prazo assinalado, além de "adotar as medidas cabíveis para impedir novas divulgações com o mesmo conteúdo".
Aqui parece que o legislador atravessou o sinal.
Não existe no Marco Civil da Internet, ou em qualquer outra lei até então, a previsão de que as plataformas devem sair caçando a republicação de conteúdo.
Primeiro porque os tribunais já assentaram que —em regra— não é dever dos provedores monitorar os seus ambientes para impedir a publicação de materiais. Eles devem remover publicações ordenadas pelo Judiciário —claro— e podem moderar conteúdo a partir de suas regras.
Mas o risco aqui com o incentivo ao monitoramento é que essa prática comece cheia das melhores intenções (como promover a segurança no trânsito) e termine sendo usada para restringir indevidamente a liberdade de expressão e outros direitos.
Além disso, vale lembrar que esses filtros parecem estar se saindo menos precisos do que imaginam legisladores e magistrados. O que não falta por aí são casos de filtros que bloquearam o que não deviam e que deixaram passar o que devia ter sido bloqueado.
Uma outra imprecisão do projeto aprovado é o sancionamento das empresas de tecnologia que exibirem os conteúdos proibidos com base no artigo 12 do Marco Civil da Internet.
Esse artigo traz sanções (como multas, por exemplo) relacionadas às atividades de tratamento de dados pessoais. Isso não tem nada a ver com a exibição de vídeos com infrações de trânsito.
Essa ampliação do uso do artigo 12 não é novidade, já que com base em outra leitura ampliativa do mesmo artigo foi que se bloqueou o WhatsApp em 2015 e em 2016, até o Supremo Tribunal suspender decisões do tipo.
E atenção para quem já postou vídeo de grau de moto e de infrações de trânsito nas redes sociais: o artigo 4º do projeto aprovado altera o Código Brasileiro de Trânsito para dispor que a pessoa responsável pela divulgação, publicação ou disseminação do conteúdo "será punida com multa correspondente a infração de natureza gravíssima multiplicada por 10 (dez)."
A entrada da palavra "disseminação" na lei parece pegar também quem não gerou o conteúdo, mas apenas compartilhou. RT não é endosso, mas pode terminar em multa.
A única exceção na lei seria para os casos em que o conteúdo é postado com a finalidade de denúncia. Nem as videocassetadas envolvendo confusões no trânsito escapariam do alcance do projeto aprovado no Congresso.
Todo mundo luta por um trânsito mais seguro, mas o projeto aprovado no Congresso parece ter derrapado na compreensão sobre como funcionam as redes.
Mais perigoso ainda, ele abre uma brecha para a imposição de monitoramento por parte das plataformas que —convenhamos— não precisam de mais incentivos para nos monitorar.
Será que os órgãos responsáveis pela segurança no trânsito vão começar agora a querer controlar o que trafega nas redes?
Aproveite enquanto não existe licenciamento anual para usar a internet.
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