Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Memes sobre Bolsonaro na Rússia são pegadinha para imprensa e checadores
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A viagem do presidente Jair Bolsonaro à Rússia nada tem a ver com a diminuição das tensões envolvendo uma possível guerra nuclear na Ucrânia. Você pode pensar: mas isso é óbvio, não é? O Brasil esteve tão fora das discussões entre os países afetados pela ameaça de guerra quanto a Brunna, participante do BBB 22, esteve de qualquer discussão havida no programa.
Acontece que os memes não respeitam os fatos. E, para ser sincero, nem deveriam, já que através deles têm se criado nas últimas décadas algumas das nossas maiores pérolas no campo do humor e da crítica política e social.
Por tudo isso não é de se espantar que as redes sociais tenham sido inundadas nos últimos dias com publicações e montagens afirmando que o fim das tensões globais sobre uma possível invasão da Ucrânia pela Rússia teria sido causado pela visita de Bolsonaro a Vladimir Putin.
Esses memes sobre Bolsonaro evitando uma guerra nuclear são bichos soltos na selva da desinformação. A maior parte dos usuários que postou essas imagens provavelmente não acredita nesse vínculo maluco entre uma coisa ou outra.
Eles quiseram entrar na brincadeira, que é —no seu entender— positiva em todos os aspectos: ela reforça a imagem de super-homem do capitão, cria um senso de grupo a partir da postagem em massa e ainda irrita os adversários.
Quem posta memes de Bolsonaro salvando o mundo sabe que terá ao seu lado o argumento de que isso é humor e que qualquer tentativa de restringir essas postagens poderá ser vista como violação da liberdade de expressão. Existe humor no absurdo e foi por ai que se manifestou o ex-ministro Ricardo Salles.
Acontece que, dada a proporção assumida pelas publicações, os checadores de plantão são obrigados a ir lá e desmentir o absurdo. Isso gera ainda mais atenção sobre a pauta.
Em seguida, a imprensa passa a reportar sobre o tema, aprofundado ainda mais o espectro de atenção sobre uma pseudopauta que deveria ser tratada simplesmente como uma peça humorística.
Ao forçar a imprensa a dizer que Bolsonaro não salvou o mundo de uma guerra nuclear essa concepção maluca entra no mundo das possibilidades. Tanto que teve que ser desmentida. A imprensa foi trolada.
Criar narrativas persistentes em cima do absurdo é a especialidade dos integrantes do grupo QAnon, que acreditam existir um complô entre políticos democratas e artistas de Hollywood para ocultar uma rede criminosa de exploração sexual infantil. Foi assim que um camarada entrou armado em uma pizzaria nos Estados Unidos para salvar as crianças que ali estariam aprisionadas.
"Bolsonaro herói antinuclear" pode ser a primeira de muitas narrativas que vão aparecer em ano eleitoral. Elas têm um pé no fato (ameaça de guerra) e outro numa viagem que de tão alucinada acaba sendo repetida em um loop duradouro de comédia e de crítica.
É tudo muito divertido até que, em um dado momento, alguém resolve acreditar e agir.
E como desatar esse nó?
O episódio envolvendo narrativas fantasiosas sobre o fim das tensões no Leste Europeu e o presidente Bolsonaro não parece ser propenso a gerar qualquer ato de violência, como aconteceu com o pizzagate nos Estado Unidos. Mas existem duas lições que podem ser tiradas desde já.
A primeira é que o ecossistema das fake news não comporta apenas ataques mentirosos que procuram minar a reputação alheia. Muitas vezes, as publicações que desinformam procuram criar situações artificiais que favorecem, de uma maneira ou de outra, o agente político de sua preferência.
A segunda é que teorias da conspiração não precisam ser elaboradas como um romance complexo. Elas precisam apenas partir de fatos (ou de interpretações sobre os mesmos) e plugar no viés de confirmação que existe na cabeça das pessoas. Basta um pequeno punhado acreditar para que o fósforo seja riscado.
Esse caso da viagem à Rússia vai ficar na conta das narrativas humorísticas e talvez seja bom que fique por ai mesmo.
Remover essas publicações ou identifica-las como sendo falsas seria um tiro no pé por parte das plataformas, que poderiam facilmente ser vistas como inimigas da liberdade de expressão, do humor e que sua postura revelaria um certo viés político.
Mas para quem observa a movimentação nas redes, não deixa de ser curiosa a visibilidade que ganhou uma pauta construída inteiramente em cima de memes, recebendo atenção de checadores e da imprensa.
Esse é um tema que deveria estar no radar de todos, inclusive dos donos de pizzarias.
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