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Minority Report? Decisões de Moraes punem pelo que ainda não aconteceu
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É lamentável a troca de mensagens entre empresários a favor de um golpe em caso de vitória de Lula nas eleições.
Ao mandar mensagens pessoais no WhatsApp, que podem gerar constrangimentos caso vazadas, é sempre recomendável ativar o recurso de visualização única. Mudanças recentes no app restringem até que os interlocutores façam print da tela. No caso de mensagens que atentam contra a democracia é recomendável também ativar a consciência, o conhecimento da história e o respeito aos direitos humanos.
Nesse sentido, a decisão do ministro Alexandre de Moraes, em sede do inquérito sobre milícias digitais, parece mirar na raiz econômica de movimentos golpistas que se articulam nas redes, mas cujos efeitos transcendem o espaço digital.
Nas manifestações de 2013 ficou famoso o cartaz que dizia "Saímos do Facebook e ganhamos as ruas". Em 2022 não é preciso um cartaz para entender que anseios antidemocráticos saíram dos grupos privados e viraram gritos de ordem em manifestações de apoio ao Presidente. O "eu autorizo" é um exemplo disso.
Mas vale questionar a pertinência, nessa mesma decisão, segundo revelado pela imprensa, de se ordenar o bloqueio de contas de redes sociais dos empresários que foram alvo da busca e apreensão que mobilizou atenções na última terça-feira, dia 23. Até onde se sabe os ilícitos ocorreram pelo WhatsApp, mas não nas demais redes sociais dos investigados.
Precisa mesmo bloquear todas as redes?
Essa medida de bloqueio de contas em redes sociais, na verdade, parece ter se tornado recorrente em decisões do ministro Alexandre de Moraes e sua implementação demanda um olhar mais cuidadoso.
Em junho, depois de várias publicações do Partido da Causa Operária (PCO) contendo ataques ao Supremo Tribunal Federal e conteúdos desinformativos ("em 2022 as urnas serão ligadas diretamente a Sergio Moro!"), o ministro Alexandre de Moraes determinou o bloqueio de todas as contas em redes sociais do PCO.
A ordem do ministro Moraes suspendeu as contas em redes sociais por tempo indeterminado e sem indicar as condições para que a mesma pudesse ser revertida. Embora a decisão apenas indicasse publicações ofensivas e desinformativas ocorridas no Twitter, o pacote de bloqueio incluiu também as contas do partido no Instagram, Facebook, Telegram, YouTube e TikTok.
Decisões nesse sentido parecem tratar as redes sociais como se fossem uma coisa só. O que se faz em uma delas pode levar ao bloqueio de todas as demais. A medida não apenas merece uma reflexão sobre a sua procedência, mas também sobre a sua efetividade. Em tempo: no Kwai, a conta "Partido da Causa Operária" divulga vídeos sobre a atuação do PCO.
Fundamentação no que ainda não aconteceu
Qual a razão de se ordenar o bloqueio de contas de redes sociais nas quais não existe ainda conteúdos ilícitos? A resposta pode estar justamente no "ainda".
O fundamento desse tipo de decisão parece residir na ideia de que o réu, uma vez tendo bloqueada a conta na qual divulga ataques e desinformação, correria para outras redes. Sendo assim, a decisão que alcança um número maior de redes sociais se anteciparia ao movimento e impediria que os danos fossem perpetuados em outras plataformas.
Mas será que esse tipo de decisão não gera um efeito "minority report"? Para quem não se lembra, Minority Report é um filme de 2002, estrelado por Tom Cruise e baseado em conto de Philip K. Dick, no qual as pessoas são presas por crimes que cometeriam no futuro.
Na obra, o protagonista integra um departamento de polícia especializado no combate ao chamado "pré-crime", atuando de forma a encarcerar os culpados antes que eles efetivamente cometessem o crime profetizado.
Decisão de bloqueio de redes exige olhar mais cuidadoso
O caso do bloqueio de contas em redes sociais nas quais nenhum ilícito foi cometido parece seguir a mesma lógica. A medida é antes de tudo preventiva. Mas será que esse expediente está adequado à proteção dos interesses que a decisão procura salvaguardar, como a própria defesa da democracia?
O Marco Civil da Internet determina que, para decisões judiciais que envolvam a remoção de conteúdos ilícitos, deve o magistrado promover a "identificação clara e específica do conteúdo apontado como infringente, que permita a localização inequívoca do material" (art. 19§1º). Essa lógica deveria guiar as decisões que terminam por restringir as possibilidades de expressão nas redes.
Trata-se de um juízo de proporcionalidade. É preferível remover o conteúdo ilícito do que bloquear a conta de rede social como um todo. Da mesma forma, é preferível bloquear a conta de uma rede social específica do que simplesmente bloquear todas as redes conhecidas da pessoa. Quanto mais se avança nessa régua, menos equilibrada pode ser a ponderação entre os interesses que se procura proteger e a medida que se impõe.
Vale repetir: as mensagens trocadas pelos empresários são lamentáveis e graves o suficiente, dado o contexto, para provocar a investigação sobre sua atuação em possível financiamento de movimentos antidemocráticos. A democracia não é um ativo cuja atratividade varia de acordo com interesses comerciais.
Mas é da democracia também que as pessoas sejam punidas por aquilo que elas praticaram. O bloqueio de redes sociais que avança para além do que nelas foi efetivamente feito merece um olhar mais cuidadoso, sob pena de se trivializar uma ferramenta drástica e que vem se mostrando igualmente questionável e potencialmente ineficaz.
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