Se hoje temos regras de proteção de dados, devemos muito a Danilo Doneda

A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) está por toda parte. Desde sua aprovação, empresas, governos e entidades do terceiro setor vem buscando se adequar aos seus termos e romper com o verdadeiro faroeste que sempre marcou o (mau) uso dos dados pessoais no Brasil.

Ainda falta muito para que o país tenha uma verdadeira cultura de proteção de dados, mas a atenção que o tema desperta já um sinal de mudança. Talvez porque fique cada vez mais claro que o futuro da economia passa pelo uso inteligente de dados que, muitas vezes, são pessoais.

Não por outro motivo que hoje tanto se fale sobre big data. Cada clique em um site, cada deslocamento pela cidade ou curtida em rede social é uma janela que pode ser explorada por diversos agentes para as mais distintas finalidades.

Esse não era o mundo do final dos anos 90. Não havia LGPD, nem as tecnologias que hoje tanto desafiam a aplicação das leis. Naquele momento a preocupação com dados pessoais mirava em centros de processamento de dados, em "cadastros, fichas ou registros" de consumidores (só para usar a linguagem do Código de Defesa do Consumidor).

O advogado e professor Danilo Doneda, desde então, serviu como um elo entre as discussões ainda que ainda engatinhavam no Brasil e a crescente preocupação com o tratamento de dados pessoais, que começava a ser regulado de maneira mais específica na Europa.

Depois de passar uma temporada trabalhando diretamente com o professor Stefano Rodotà, na Autoridade de Proteção de Dados da Itália, Danilo passou a lecionar em diferentes universidades no Brasil.

Em 2006 lançou o livro "Da Privacidade à Proteção de Dados Pessoais", fruto da sua tese de doutorado na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e reconhecido como uma das mais completas obras sobre o tema no Brasil. Nos anos seguintes se engajou nas discussões pela criação de um Marco Civil da Internet, que viria a se concretizar em 2014.

Mas foi a luta pela modernização das normas brasileiras sobre proteção de dados que motivou sua trajetória. Com passagem pela Secretaria de Defesa do Consumidor, do Ministério da Justiça, Danilo se dedicou à criação de um projeto de lei sobre o assunto desde 2010, quando se realizou a primeira consulta pública sobre o tema.

Presente nos mais importantes seminários e cursos sobre proteção de dados da última década, Doneda foi peça fundamental para traduzir as inovações contidas no regulamento europeu sobre proteção de dados (GDPR) para o projeto de lei que terminou por ser aprovado no Congresso Nacional.

Quando se comenta que a lei brasileira se inspirou na legislação europeia faz-se quase uma sublimação dos motivos e das pessoas que deixaram suas digitais nesse movimento.

Com a LGPD em vigor, Danilo foi indicado para o Conselho Nacional de Proteção de Dados e da Privacidade e atuou em diversas comissões de apoio para a redação de documentos legislativos, como o projeto de Lei Geral de Proteção de Dados dedicado aos setores de segurança pública e investigação criminal, além da proposta de substitutivo para a regulação de inteligência artificial no Brasil.

Dono de uma vasta erudição e de um senso de humor peculiar, Danilo fez uma coleção de amigos, alunos e admiradores. O caminho para a construção e aplicação de uma lei sobre proteção de dados em um país como o Brasil não é de mão única. Viajando para todos os cantos do mundo, Danilo pôde tanto levar a experiência brasileira para uma audiência internacional, como também conhecer o que se faz de melhor sobre o tema lá fora.

A proteção de dados pessoais pode parecer um tema abstrato para que alguém queira lhe dedicar toda uma vida profissional. Quando se entende que tutelar os dados significa proteger pessoas de violências, discriminação e toda sorte de abuso, vindo do Poder Público ou do setor privado, fica mais fácil compreender a paixão que Danilo dedicou ao assunto.

Se hoje existem tantos especialistas em proteção de dados pessoais no Brasil, é profundamente triste saber que o maior deles já não mais está entre nós. O professor Danilo Doneda faleceu neste domingo (4), aos 52 anos.

Danilo foi um grande amigo, de coração mole e opiniões duras. Amante da música italiana, dos livros e portador de uma habilidade incomum de fazer caber na mala de viagem os presentes para os seus três filhos. A falta que ele fará só não será maior que o número de alunos, amigos, familiares e admiradores que levarão adiante o seu exemplo.