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Carlos Affonso Souza

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Revelações de Musk sobre o polêmico 'Twitter Files' alimentam desinformação

Celular exibe perfil de Elon Musk no Twitter; ao fundo, uma foto do bilionário e dono da rede social - Olivier Douliery/AFP
Celular exibe perfil de Elon Musk no Twitter; ao fundo, uma foto do bilionário e dono da rede social Imagem: Olivier Douliery/AFP

06/12/2022 04h00

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Elon Musk nunca escondeu o seu desconforto com a política de moderação de conteúdo do Twitter. Tanto é assim que, pouco tempo depois de assumir a empresa, revogou várias das decisões por suspender contas de usuários que estariam violando as regras da rede social, como também demitiu funcionários que foram importantes para essas decisões.

Agora o empresário parece ter movido o seu alvo para operações passadas de moderação de conteúdo, em especial para aquela que decidiu, em 2020, pelo bloqueio na plataforma de toda publicação sobre uma estranha história envolvendo o filho de Joe Biden, então candidato à presidência dos Estados Unidos.

O processo de revelação de documentos e troca de mensagens sobre o caso ganhou o nome de Twitter Files.

Pelo que foi revelado até agora, o espetáculo prometido por Musk falhou em evidenciar qualquer complô da rede social com Biden.

Na verdade, a sucessão de mensagens internas vazadas não trazem nada de extraordinário, mas criam novos problemas e alimentam teorias da conspiração.

Nessa altura do campeonato ninguém vai ficar surpreso em saber que empresas de redes sociais recebem pedidos de governos, de campanhas presidenciais e de celebridades para remover conteúdo.

Essa revelação trazida pelo Twitter Files em si, como diriam os antigos, não vende jornal.

A questão é saber quais são os processos que fazem a moderação de conteúdo funcionar.

Só para recapitular o caso do Hunter Biden. O jornal New York Post (que em 2020 chegou a fechar posição a favor de Trump) publicou uma matéria com dados de um suposto laptop que o filho de Biden teria esquecido no conserto. Ali estariam evidências de tentativa de uso do poder político do pai para interesses próprios.

O Twitter bloqueou as publicações com base em sua política que restringe a postagem de conteúdos obtidos por meio de hackers.

Foi a medida certa? Acredito que no momento sim. A matéria do Post era cheia de furos, parecia que tinha sido plantada na boca das eleições.

No calor do momento, e com todo fogo que o Twitter levou sobre não ter atuado nas eleições de 2016 para barrar suficientemente a influência de contas automatizadas e viralizações de conteúdo desinformativo, a empresa resolveu optar pela solução mais conservadora: derrubar essa história de laptop perdido antes que fosse tarde demais.

Quem estuda moderação de conteúdo sabe que o futuro desse campo para lá de complexo da comunicação humana está na habilidade de moderar em tempo real. Isso se aplica tanto para a transmissão ao vivo de atos de violência como para os comportamentos que avatares terão no metaverso.

Nas mensagens reveladas no Twitter Files o que se vê é uma empresa procurando agir para evitar que um conteúdo potencialmente danoso para as eleições escalasse em tempo real.

Embora pessoalmente ache que a empresa exagerou ao bloquear a história mesmo nas mensagens privadas, a atuação da equipe de segurança da plataforma fez o que deveria ser feito.

O uso da política contra a veiculação de conteúdos obtidos por hackers foi contestada internamente e aqui está a parte mais interessante do que saiu no Twitter Files. Quem vê de fora acha que as big techs são uma coisa só, que não existem departamentos que discordam e disputam sobre medidas da empresa.

O que o Twitter Files revela é a pressão da área de comunicação sobre a área de segurança (trust & safety) para justificar a supressão dos conteúdos. Nada de anormal aqui. Ao contrário, que bom que a última palavra foi da equipe especializada em segurança da plataforma.

Você pode discordar da decisão em banir a história do Hunter Biden ou do uso da política anti-hacker, mas em termos de processo não tem nada de extraordinário. Ao contrário, ao expor as mensagens Musk joga no mundo o nome e o endereço de e-mail de funcionários que agora podem ser ameaçados e coagidos.

Imagina o efeito que essa cruzada contra a moderação de conteúdo gera na equipe de segurança da plataforma.

Se você escolher moderar um conteúdo político hoje, você pode acabar tendo suas comunicações expostas amanhã pela própria empresa. A mensagem é clara: modere o mínimo, quase nada.

Isso sem falar no crescimento de mensagens sobre hesitação vacinal que, infelizmente, tenho visto na rede social depois que notórios agentes de desinformação foram readmitidos no Twitter por meio de uma simples enquete feita por Elon Musk. Isso sim é uma falha em termos de processo, com resultados catastróficos.

O Twitter Files, por fim, alimenta as teorias de que as redes sociais são empresas dominadas por funcionários politicamente alinhados com a esquerda. O que foi revelado até aqui não suporta em nada essa conclusão, mas isso pouco parece importar para quem só quer ver a confirmação do que já acredita.

Ao procurar defender que o Twitter atuou em defesa do candidato democrata nos Estados Unidos, Musk abriu a porteira para que especulações similares sejam exploradas através de novas revelações que tenham foco na atuação da empresa em outros países.

Como não poderia deixar de ser, respondendo a usuários brasileiros na plataforma, Musk já disse que "é possível que funcionários do Twitter [no Brasil] tenham dado preferência a candidatos de esquerda" nas eleições de 2022.

O espetáculo do Twitter Files não pode parar e tudo indica que o circo vai chegar na nossa cidade.