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Carlos Affonso Souza

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Trapalhadas na gestão do Twitter mantêm os holofotes em Elon Musk

Elon Musk no evento "Show and Tell", da Neuralink, em 30 de novembro de 2022 - Reprodução/YouTube
Elon Musk no evento "Show and Tell", da Neuralink, em 30 de novembro de 2022 Imagem: Reprodução/YouTube

23/12/2022 04h00Atualizada em 23/12/2022 17h14

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Nos últimos dias Elon Musk vem descobrindo que acertar a mão na moderação de conteúdo em uma rede social pode ser mais difícil do que revolucionar a indústria automobilística ou fazer um foguete pousar de pé. O empresário comprou o Twitter prometendo levar a rede social a um novo patamar, viabilizando uma praça pública global em que as pessoas poderiam se informar, se divertir e discutir os temas mais relevantes do momento.

Em vez disso, o que se viu nos últimos dias foi uma sucessão de decisões infelizes, com justificativas que não pararam em pé. Uma nova política para a rede foi apresentada e tirada do ar em menos de 48 horas. Contas de jornalistas que reportam sobre as atividades do bilionário foram suspensas. Tudo coroado com uma enquete em que Musk perguntava se deveria abandonar o posto de CEO do Twitter. O sim ganhou.

O Twitter parece ser o mundo invertido da Tesla e da SpaceX. Enquanto os avanços científicos e tecnológicos produzidos por essas empresas recebem aplausos pelo mundo afora, ajudando a construir uma base fiel de fãs do bilionário, a gestão da rede social vem atraindo vaias, desconfianças e prejuízos que começam a se tornar evidentes.

O enigma sobre por que um empresário com tino tão apurado para negócios teria entrado em tamanha armadilha se tornou uma verdadeira obsessão por parte da imprensa especializada e dos interessados no futuro da plataforma. Alguns enxergam na operação um ato heroico de defesa da liberdade de expressão, explicação cada vez mais prejudicada pelo noticiário de bloqueios infundados na plataforma.

Outra explicação residiria na guerra cultural entre visões conservadoras e progressistas na sociedade - ou mesmo entre direita e esquerda. Musk vem tentando nas últimas semanas provar a tese de que o Twitter, em conluio com o FBI, teria interferido nas eleições americanas para favorecer o Partido Democrata. Os diversos fios explicativos sobre o tema até agora não oferecem suporte para essa conclusão, embora a base de apoiadores vibre a cada nova publicação sobre o tema.

Musk sempre foi um usuário ativo do Twitter, conhecido por suas publicações controvertidas e provocadoras. Acontece que uma coisa é ser assim nas horas vagas, outra inteiramente diferente é manter esse comportamento sendo o CEO da rede social. Isso faz com que as opiniões divulgadas na conta de Musk virem indicações sobre diretrizes de moderação de conteúdo ou mesmo sobre o destino da empresa.

A confusão entre o que Musk acha e o que a empresa faz está estabelecida. Assustado com a aproximação de um stalker no local onde se encontrava seu filho, o empresário determinou a adoção de uma política anti-doxing (exposição de localização de pessoas em tempo real). O empresário disse que essas informações equivaleriam à coordenadas para um assassinato.

Como implementar essa política da noite para o dia de modo consistente? A primeira vítima da nova política foi a conta no Twitter que monitorava pousos e decolagens do avião particular de Musk. Na esteira, jornalistas que reportaram sobre o bloqueio da conta também foram bloqueados. Estamos falando de jornalistas que cobrem pautas de tecnologia por anos a fio, de veículos como CNN e New York Times.

A medida causou estranheza, impulsionando usuários do Twitter a explorar redes sociais alternativas. Nos Estados Unidos, Mastodon e Post vêm ganhando projeção a cada trapalhada do novo Twitter. Aqui no Brasil, o movimento acabou, até o momento, direcionando usuários para a Koo, uma rede social indiana.

Percebendo essa movimentação, no último final de semana, uma nova política foi introduzida que proibia contas no Twitter de ostentar nomes de usuários ou de postar links que remetessem a plataformas concorrentes selecionadas, como Facebook, Instagram, Mastodon e Post. A medida anticompetitiva (e potencialmente ilegal em vários países) foi mal recebida, mesmo por usuários que tradicionalmente apoiam Musk.

Alguns usuários saíram em defesa da nova política, como a própria mãe de Elon Musk, que afirmou ser natural não fazer propaganda para uma empresa quando ela é chamada para dar palestra em outra empresa concorrente. A medida, praticamente inédita no setor de redes sociais, tinha tudo para consolidar o Twitter como uma verdadeira bolha, além de abrir flanco para sanções por autoridades de concorrência nacionais.

Não demorou muito para a política ser retirada do ar. Esse é o tipo de situação que fragiliza a confiança nas regras criadas e em sua aplicação por parte de uma empresa de rede social. O histórico de transparência, informação e coerência sobre práticas de moderação por parte dessas empresas já não é o ideal. Musk está tornando tudo ainda mais complicado.

A cereja do bolo veio, então, com a publicação, pelo próprio Elon Musk, de uma enquete sobre se ele deveria permanecer como CEO do Twitter. Ele disse que agiria de acordo com a opção vencedora. Tomar decisões tão importantes como essa com base em enquetes (que, até onde se sabe, podem ser manipuladas) não parece ser uma melhor prática de gestão empresarial.

Com a maior parte dos votos indo na direção de que Musk deveria renunciar, o CEO passou a responder a usuários alegando que o posto de direção requer enorme resiliência para tentar tirar a empresa da falência iminente. Sim, os resultado financeiros do Twitter não eram necessariamente animadores, mas nada parecia indicar uma falência da empresa como anunciado por Musk.

Será esse mais um capítulo na saga de especulações sobre o que Musk quis, quer e quererá com o Twitter? Enquanto uma nova polêmica não surge, não deixa de ser admirável o quanto de cobertura, análise e bate-boca cada nova decisão sobre os rumos do Twitter gera dentro e fora da rede.

Talvez esse seja o legado mais imediato, até aqui, da gestão de Musk na empresa. SpaceX e Tesla geram notícia a cada novo lançamento. O Twitter gera um fluxo de atenção permanente. Acertando ou errando, a gestão do bilionário é um espetáculo público. Resta aos usuários, anunciantes, investidores e autoridades dizer, mais na frente, se valeu o preço do ingresso.