Topo

Carlos Affonso de Souza

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Google enfrenta ação dos EUA e ChatGPT: entenda tudo o que está em jogo

Google terá batalhas contra a ferramenta de inteligência artificial ChatGPT e a nova ação antitruste proposta pelos EUA - Getty Images
Google terá batalhas contra a ferramenta de inteligência artificial ChatGPT e a nova ação antitruste proposta pelos EUA Imagem: Getty Images
só para assinantes

07/02/2023 04h00

O ano de 2023 começou trazendo sérios desafios para as duas unidades de negócio mais rentáveis do Google: busca e anúncios. Em ambos os setores, a empresa conseguiu ao longo do tempo garantir uma posição de liderança através de um processo de inovação contínuo e aquisições de outras empresas relevantes. Com isso, Google virou sinônimo de chave de busca e de todo um ecossistema de publicidade online.

Agora, o surgimento de uma nova ferramenta de inteligência artificial promete revolucionar a forma pela qual se busca informação na rede. Como o Google vai reagir para fazer frente às transformações ensaiadas pelo ChatGPT?

Por outro lado, a série de questionamentos jurídicos sobre como a empresa estruturou sua rede de anúncios online acabou de ganhar um novo capítulo com o anúncio de uma ação antitruste por parte do governo dos Estados Unidos.

É a primeira medida de proteção à livre concorrência movida contra o Google no mandato de Joe Biden, que tem sido vocal sobre a concentração de poder por parte das grandes empresas de tecnologia.

Tudo indica que o Google vai lutar uma guerra em dois fronts nesse ano. Como será que a empresa, protagonista na última década nos setores de busca e anúncios, vai lidar com essas mudanças?

Uma busca diferente

O ChatGPT é provavelmente o melhor chatbot (robô de conversas) que qualquer um de nós já viu, sendo capaz de produzir textos sobre os mais diversos temas de maneira articulada.

Mas o que isso tem a ver com mecanismos de busca?

Não é difícil imaginar que, espantados com a capacidade do ChatGPT em escrever textos explicativos sobre qualquer tema, as pessoas passem a confiar na ferramenta para obter informações sobre tudo e qualquer coisa.

E é aqui que os recursos de chatbot começam a se misturar com o de uma ferramenta de busca.

O fato de a resposta no ChatGPT vir como um texto explicadinho, ao invés de uma montanha de links recomendados, também ajuda.

Talvez o que as pessoas sempre tenham desejado, mesmo sem saber, era um Google que conversasse com elas.

Mas se tem alguém que antecipou esse movimento foi o próprio Google. De um tempo para cá as pesquisas na chave de busca vêm acompanhadas de perguntas relacionadas ao tema procurado, além de respostas relevantes encontradas nos sites indexados.

Então se eu procuro por "Flamengo + elenco" no Google, lá pelo meio aparece uma seção chamada "As pessoas também perguntam" com opções como "quem saiu do time do Flamengo?" ou "quem é o camisa 9 do Flamengo?".

As respostas são trechos de sites encontrados pela chave de busca (e não de autoria do Google).

O fato de o ChatGPT escrever as próprias respostas dá a ele ainda mais a aparência de um oráculo.

Acontece que suas respostas nem sempre são confiáveis.

O chatbot é uma ferramenta de produção de textos que simulam a expressão humana baseado em um conjunto de informações analisadas. Quem garante que a base analisada pelo chatbot é completa ou mesmo a mais adequada para a sua pergunta?

Não por outro motivo o ChatGPT anda por ai dizendo que Bolsonaro ganhou as eleições de 2022 e recomendando artigos acadêmicos que simplesmente não existem.

A explosão do ChatGPT como uma ferramenta de busca é decorrência de uma mistura de fascínio e preguiça.

Algumas pessoas parecem preferem confiar na resposta de uma inteligência artificial que não foi treinada para isso ao invés de procurar a informação desejada dentro de uma lista de links referenciada pelos buscadores tradicionais.

Tudo isso faz com que o Google precise se mexer.

A ferramenta de processamento de linguagem da empresa, chamada LaMDA (Language Model for Dialogue Applications), ganhou repercussão em 2022 por ter feito um engenheiro suspeitar que ela havia criado uma forma de consciência.

Esse episódio mostra como ferramentas de IA estão cada vez mais sofisticadas e como a sua liberação para uso público precisa vir acompanhada de uma série de cuidados para que os benefícios não sejam superados pelos prejuízos decorrentes da sua introdução em um contexto carente de maturidade para entender o que a IA pode ou não fazer.

A OpenAI saiu na frente ao soltar o ChatGPT no mundo e deve colher seus louros e suas críticas.

Resta ao Google e outras empresas que estão desenvolvendo suas soluções de IA planejar os próximos passos sabendo que tudo o que for lançado em futuro próximo será comparado ao ChatGPT.

Essa batalha não vai ser apenas técnica, mas também comunicacional, já que o Google pode explorar as falhas do ChatGPT e com isso apontar como a sua solução pode ser melhor e mais segura.

Essa disputa às claras não deve demorar para acontecer.

Competição por anúncios

Em outro front da guerra, o Google vai precisar lidar com uma nova ação antitruste proposta pelo governo norte-americano.

O Departamento de Justiça alega que a Alphabet (holding do grupo que inclui o Google e outras empresas relacionadas) vem exercendo um monopólio ilegal no mercado de anúncios online.

As acusações caracterizam o conjunto de serviços disponibilizados pelo Google e empresas relacionadas nesse mercado, que vão desde ferramentas para monetizar os anúncios até a seleção de que qual anúncio vai para qual site, como um monopólio que precisa ser quebrado.

O Google respondeu afirmando que o mercado de anúncios online é competitivo. Em publicação no blog da empresa, Dan Taylor, vice-presidente de Anúncios Globais, lembrou que no ano passado a Microsoft fechou contrato com a Netflix para construir uma iniciativa de publicidade online e que a participação da Amazon no setor de anúncios vem crescendo mais do que a do Google e da Meta.

As ações antitruste contra as grandes empresas de internet nunca obtiveram resultados concretos nos Estados Unidos. Uma das razões para isso é o entendimento de que o governo não deve intervir em um mercado caso não exista um dano concreto para os consumidores.

Uma nova forma de ver a questão surgiu nos últimos anos, tendo como expoente a atual presidente da agência que supervisiona as questões de defesa do consumidor e da livre concorrência (a Federal Trade Commission, "FTC"). Lina Khan, indicada para o posto por Biden, é conhecida por suas críticas ao modelo de atuação da Amazon, apontando que mesmo empresas que oferecem preços baixos aos consumidores podem trazer prejuízos ao mercado como um todo a partir de práticas anticompetitivas.

A ação antitruste contra o Google faz parte dessa mudança de postura.

Esse é o mesmo FTC que vem tentando impedir que a Meta compre a empresa Within, responsável pelo desenvolvimento do Supernatural, app de exercícios físicos em realidade virtual.

Como lembrou Casey Newton, o mercado de realidade virtual é ainda pequeno, a indústria de games está acostumada a ver os fabricantes de consoles adquirindo estúdios de desenvolvimento, além de não ser muito claro o dano ao consumidor decorrente dessa aquisição.

De toda forma, esses são novos tempos e as empresas de tecnologia parecem ter entrado no alvo do governo Biden.

Se por um lado é improvável que o Congresso norte-americano vá obter consenso para aprovar qualquer regulação mais específica sobre as big techs, no campo antitruste é provável que ações como a movida contra o Google apareçam com mais frequência.

Enfrentando concorrência no setor de busca (e de inteligência artificial), além de questionamentos no mercado de anúncios, o Google tem pela frente importantes desafios.

Lutar uma guerra em dois fronts é sempre mais desafiador.

Por isso perguntei ao ChatGPT como vencer esse tipo de confronto. A resposta veio no formato de dicas, anota aí:

  1. Fortalecer as defesas em ambas as frentes para evitar a perda de terreno;
  2. Priorizar a frente mais ameaçadora e concentrar recursos e forças para derrotar o inimigo rapidamente;
  3. Manter as comunicações abertas entre as duas frentes para garantir a coordenação eficiente das forças;
  4. Desenvolver alianças estratégicas para dividir as forças inimigas e obter apoio adicional.

Resolvi fazer a mesma pergunta na busca do Google e ela retornou uma série de links, começando por um conteúdo do UOL sobre a Segunda Guerra Mundial.

Esperamos que as batalhas do Google não cheguem a tanto.