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STF manda recado ao Congresso com audiência sobre o Marco Civil da Internet
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O Supremo Tribunal Federal (STF) realizou audiência pública sobre a responsabilidade civil de provedores na internet e sobre como as plataformas devem atuar para remover conteúdos ofensivos de suas redes. A audiência, realizada nas últimas terça (28) e quarta (29), antecede o julgamento de dois casos que aguardam decisão pela Corte.
As partes dos referidos processos, além de representantes de empresas, do governo e especialistas sobre os temas, apresentaram diferentes visões sobre como o STF poderia decidir os casos. Ao final da maratona de exposições, os ministros Dias Toffoli e Luiz Fux foram cercados por jornalistas com perguntas sobre quais seriam os próximos passos. E é aqui que mora o problema.
Ninguém sabe como ou quando o STF vai efetivamente julgar os processos que podem mudar a cara da regulação da internet no Brasil. Mas uma coisa é certa:
- Os ministros estão cientes de que o tema é relevante e que, a depender do andar da carruagem do outro lado da Praça dos Três Poderes, uma decisão pode vir logo adiante.
No Congresso Nacional tramita o PL nº 2630/2020, chamado de "PL das Fake News". Ele procura estabelecer as bases para o funcionamento de redes sociais, aplicativos de mensagens instantâneas e mecanismos de busca no Brasil.
Além das regras sobre transparência e moderação de conteúdo, o PL se agigantou nas últimas rodadas de negociação, incorporando temas complexos como a imunidade parlamentar e a remuneração de jornalistas por conteúdo postado nas redes.
Com isso, o texto do PL acabou não avançando na Câmara.
Depois dos atos violentos de 8 de janeiro, o governo federal flertou com a ideia de publicar uma medida provisória para combater a publicação de atos antidemocráticos na internet. A iniciativa foi abortada, mas o governo ficou de enviar ao deputado Orlando Silva (PCdoB - SP), relator do PL nº 2630, uma sugestão de texto para introduzir esse e outros temas no projeto de lei.
O tempo da política e o tempo da Justiça
Vale ficar de olho no STF.
Se o Congresso não conseguir formar um consenso sobre o texto do PL nº 2630, é provável que o Supremo Tribunal Federal não espere e use o julgamento dos dois casos que estão em pauta para criar uma forma de resposta aos anseios por uma regulação mais atualizada.
O próprio Dias Toffoli expressou essa ideia quando perguntado pelos jornalistas sobre como se daria a relação entre o STF e o Congresso na disciplina do tema.
Segundo o ministro:
O tempo da política e o tempo da Justiça são diferentes."
Em seguida, lembrou frase do ex-ministro Nelson Jobim, que dizia que "no Parlamento a não decisão é uma decisão", para então arrematar: "no Judiciário não temos esse direito."
Quando indagado sobre se a decisão do STF poderia considerar algum modelo de autorregulação o ministro Toffoli lembrou a importante experiência brasileira com o Conar, entidade que julga reclamações sobre publicidade.
Se for nessa direção, o STF poderia indicar parâmetros que deveriam ser levados em conta pelas plataformas, e estimular que as empresas criassem entidades de supervisão para aplicar essas balizas.
Os limites do que pode o STF fazer nas ações que estão para julgamento é mais restrito do que as negociações para aprovação de um texto de lei, como se pretende tirar do Congresso Nacional.
De qualquer forma, o jogo de espera pode ser atravessado por qualquer novo escândalo que coloque a regulação das redes na alça de mira dos três poderes.
Muitas soluções viram um problema ao tribunal
O ministro Luiz Fux, ao se direcionar aos expositores na audiência, brincou que a pluralidade de soluções apresentadas era muito bem-vinda, mas que ela acabava criando um problema para o tribunal. Como o STF deveria se posicionar sobre o assunto?
No centro dos debates está o artigo 19 do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014).
Segundo essa norma:
- Os provedores de aplicações de internet que exibem conteúdos de terceiros, como redes sociais, enciclopédias online, sites de reclamação de consumidores, de avaliação de restaurantes e hotéis, além de serviços de educação e marketplaces, por exemplo, apenas podem ser responsabilizados civilmente por esses materiais caso não cumpram com a ordem judicial determinando sua remoção.
Essa regra possui exceções, como aquelas relacionadas à divulgação de conteúdo íntimo sem autorização, violações aos direitos autorais e a exposição de conteúdos envolvendo exploração sexual de menores.
E vale a lembrança:
- Dizer que as empresas são responsáveis apenas com o descumprimento da ordem judicial que determina a ilicitude do conteúdo não significa que elas não possam agir para retirar materiais ofensivos de seus ambientes online.
Sobre isso o Marco Civil não avança e é aqui que o Congresso —e o STF— poderiam entrar em cena.
STF e a responsabilidade das plataformas
O STF precisa decidir se a regra de responsabilidade é constitucional ou não.
Tudo indica, depois da audiência, que uma declaração de inconstitucionalidade seria a opção menos provável. Mas entre o desmonte do Marco Civil da Internet e o reconhecimento de sua constitucionalidade sem maiores detalhamentos existe um oceano de possibilidades.
O STF poderia sair com uma chamada "interpretação conforme à Constituição". Nesse modelo intermediário o tribunal não descarta o texto da lei, mas diz como ele deve ser lido e aplicado. A disputa aqui é saber como o STF poderia direcionar essa interpretação.
Nos últimos meses pelo menos três ministros vêm expondo a sua opinião sobre o tema de modo geral.
Em seminário na Unesco em fevereiro, o ministro Luís Roberto Barroso afirmou que o tema da responsabilidade civil de plataformas deveria ter três camadas:
- Na primeira estariam os temas que demandariam a remoção imediata do conteúdo, como aqueles relacionados com pornografia infantil e ataques ao Estado Democrático de Direito.
- Na segunda, os conteúdos que demandariam uma notificação da parte interessada para que a plataforma removesse o material infringente, sendo um exemplo as violações aos direitos autorais.
- Por fim, na terceira camada estariam os temas complexos, envolvendo os limites da liberdade de expressão, sendo esses decididos pelo Poder Judiciário.
O ministro Gilmar Mendes, por sua vez, lembrou que o modelo de responsabilidade do Marco Civil da Internet foi importante no seu momento de criação, mas que a atualidade pede que as plataformas adotem um devido processo de análise e remoção de conteúdos infringentes, devendo ser responsabilizadas se falharem em adotar esses deveres de cuidado.
A partir da experiência no Tribunal Superior Eleitoral, o ministro Alexandre de Moraes também concorda que a situação atual exige transformações. Segundo o ministro, é preciso conciliar práticas de autorregulação com controles que aproximem as plataformas digitais do regramento dos meios de comunicação social, como rádio e televisão.
Temperatura máxima
A revelação de um novo texto do PL nº 2630/2020 deve aumentar a temperatura dos debates em Brasília.
Na última década o Brasil ficou conhecido pela criação de consultas públicas para a construção de suas regras e políticas para a internet.
Depois de eleições conturbadas em 2022 e das invasões de prédios públicos em 2023, parece haver um senso de urgência para que a regulação da internet seja atualizada no país.
O longo tempo das consultas mais ampliadas pode ter ficado para trás.
O fato de a mesa de abertura da audiência no STF ter contado com integrantes do governo, do legislativo e do próprio tribunal demonstram essa atenção compartilhada sobre o tema da regulação da internet e a vontade de que algo seja feito para aperfeiçoar as regras sobre o uso das redes.
Se esse resultado vai ser alcançado através de votação no Congresso, de iniciativas do Poder Executivo ou por decisão do Supremo Tribunal Federal é a resposta que, nesse momento, ninguém tem.
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