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Opinião

Privacidade ou segurança? Airbnb proíbe câmeras e se mete em encruzilhada

O sucesso por décadas do programa Big Brother não deixa dúvidas sobre qual é a "casa mais espiada do Brasil". Mas fora essa peculiar casa de temporada em Curicica, quais outros imóveis também vivem sendo espiados?

O assunto das câmeras de vigilância, muitas vezes escondidas, vem dando o que falar. Recentemente um casal descobriu uma microcâmera em um resort em Pernambuco voltada para a cama do quarto. Ela estava inserida na tomada "para captar cenas de sexo e nudez", conforme indicou o delegado do caso. Nos Estados Unidos, um homem foi preso depois que foi descoberto que ele havia instalado uma câmera em um banheiro de um cruzeiro da empresa Royal Caribean para filmar os turistas. O cartão de memória do dispositivo continha horas de gravação.

Por aqui o Código Penal não deixa muita dúvida: o registro de intimidade sexual, incluindo fotografar ou filmar cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter privado sem autorização dos participantes é crime. O artigo 216-B determina a pena de detenção de seis meses a um ano e multa, com condições que podem aumentar a sanção. A coleta e o uso de imagens privadas sem consentimento também pode ser um ilícito civil e gerar ações indenizatórias por danos materiais e morais envolvidos.

Para além desses casos de filmagens íntimas, existe outra questão sobre privacidade que começa a gerar um importante debate: os locadores podem instalar câmeras de vigilância dentro de suas casas e apartamentos e deixar esses dispositivos ligados enquanto os locatários ocupam o espaço?

O Airbnb proibiu recentemente o uso de câmeras internas nas propriedades listadas em sua plataforma. Até então, a empresa proibia câmeras em banheiros e quartos, mas permitia que elas mirassem ambientes de circulação como salas e corredores, desde que avisado no anúncio do imóvel. A nova determinação entra em vigor no final de março de 2023 e vale para o mundo todo.

A existência de câmeras em casas e apartamentos alugados pela plataforma virou até piada em um esquete do programa humorístico Saturday Night Live. No quadro, uma dupla de decoradoras revela que, além de escolhas duvidosas de design, os imóveis disponíveis na plataforma viriam com câmeras em locais íntimos como o banheiro e em cima da cama.

A decisão da empresa de banir as câmeras internas (mesmo nos espaços de circulação e ainda que anunciadas) parece reconhecer que o monitoramento se torna um incômodo que frustra parte importante dos hóspedes. Por outro lado, os anfitriões têm legítimas preocupações com a segurança do imóvel, e câmeras em áreas comuns podem ser ferramentas para dissuadir e documentar danos à propriedade ou comportamentos inapropriados.

Nesse cabo-de-guerra, a percepção dos hóspedes acabou falando mais alto. Ela revela um grau de maturidade sobre o quanto, pelo mundo afora, as pessoas passam a se importar com a sua privacidade, embora o que não falte por aí é quem diga que não tem nada a esconder, que a própria vida é um livro aberto etc. Para esses, eu gosto de perguntar:

Você revelaria suas pesquisas no Google?

Para além do debate sobre privacidade, o caso do Airbnb demonstra a complexidade das plataformas que operam no chamado mercado de dois lados. Ou seja: a plataforma digital tem de equilibrar as demandas de dois grupos interdependentes, de modo a gerar um ganho de eficiência com a existência de um intermediário que conecte os grupos.

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O CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) já afirmou que muitas plataformas online podem ser vistas como operadoras de mercados de dois lados, desde as que exploram classificados até as de entrega de comida, . Nessas situações, "a utilidade dos usuários de um dos lados depende da quantidade de agentes do outro lado da plataforma".

Sendo assim, favorecer um lado pode desapontar o outro. Tudo o que uma plataforma de um mercado de dois lados não pode fazer é calibrar mal essas decisões. Ela corre o risco de perder usuários e desequilibrar a equação que, no final das contas, mantém o negócio rodando.

Ao que tudo indica, a decisão do Airbnb veio após longas consultas e da percepção de que o número de anfitriões eventualmente frustrados com a impossibilidade de uso de câmeras de segurança deveria ceder à demanda dos hóspedes por mais privacidade.

Ninguém quer passar os dias com a suspeita de que está sendo espiado ou de não saber o que pode ser feito com suas imagens. A medida tomada pelo Airbnb ajuda a fortalecer globalmente o diálogo sobre privacidade.

Mas vale lembrar que a casa não é a última fronteira da privacidade. Para além de câmeras penduradas no teto, cada um de nós vive com uma câmera em cima da mesa ou apontada para o nosso rosto por mais horas do que você imagina. Estou falando da câmera do seu celular. Mais próxima do que uma câmera na sala, essa é a janela indiscreta pela qual mais empresas do que você imagina podem também querer dar uma espiadinha.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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