Musk tem armas para não ser carta fora do baralho mesmo se X for bloqueado
A impressão que fica dos últimos dias é que o Twitter está de saída do Brasil. E, a julgar pelas publicações do seu dono, a empresa quer sair atirando. Se for bloqueada, tanto melhor.
Quando comprou o Twitter, Elon Musk disse que queria fazer da plataforma uma praça pública global para a liberdade de expressão. Ao ser questionado sobre o que entendia ser liberdade de expressão, ele disse que era "o que estivesse em conformidade com a lei". A pergunta que fica então é: de acordo com qual lei?
Musk diz que liberdade de expressão é cumprir as leis
De 2022 para cá, Musk não pensou duas vezes ao restringir a liberdade de expressão de seus usuários quando ordenado por autoridades locais, como aconteceu na Índia e na Turquia.
Já no Brasil, o empresário optou por partir para cima das autoridades. Afirmou que não mais cumprirá decisões do ministro Alexandre de Moraes, tal qual Bolsonaro nas manifestações de 7 de setembro de 2021 ("qualquer decisão do senhor Alexandre de Moraes, esse presidente não mais cumprirá!").
Moraes ordenou a inclusão de Musk no inquérito das milícias digitais. A medida parece ser simbólica, dado que será difícil aplicar qualquer sanção ao empresário que dependa de cooperação das autoridades norte-americanas, como os impasses envolvendo a permanência de Allan dos Santos nos EUA revelam.
A ampla proteção dada à liberdade de expressão nos EUA, em contornos distintos dos existentes na legislação de países da Europa e da América Latina, por exemplo, faz com que as autoridades do país recusem extradição ou medidas sancionatórias que se baseiem em manifestações do pensamento.
Tudo isso garante mais conforto para que Musk fale o que vem falando. Por outro lado, a defesa apresentada pela empresa no STF argumentou, sem sucesso, que o Twitter Brasil não teria condições de cumprir ordens judiciais emanadas por autoridades nacionais. Essa habilidade seria detida apenas pelas empresas X Corp e Twitter International Company, respectivamente dos EUA e da Irlanda.
O argumento parece buscar oferecer alguma proteção para lideranças da empresa que ainda estejam do lado de cá. O ministro Moraes, por sua vez, apontou que a defesa entra em contradição com a maneira pela qual a empresa vinha cumprindo ordens judiciais até então.
Clickbait? Musk engajou os três poderes em Brasília
A partir de toda a comoção gerada pelas manifestações de Musk, as autoridades brasileiras se mexeram. No Congresso, o presidente da Câmara decidiu enterrar o PL nº 2630/2020 ("PL das Fake News") e criar um grupo de trabalho para gerar um novo texto, que pode ou não conter algumas das soluções do texto que vinha sendo debatido na Câmara. O prazo para os trabalhos seria de cerca de 40 dias, o que começaria a encostar com festas juninas em um ano já complexo no Congresso devido às eleições municipais.
O presidente Lula disse em discurso que o empresário nunca havia produzido um pé de capim no Brasil e estava querendo se meter na política nacional.
No Supremo Tribunal Federal, o ministro Dias Toffoli liberou para julgamento no primeiro semestre a ação que discute a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet. Ao mesmo tempo, entrou em plenário virtual para julgamento ainda esse mês a ação que discute a legalidade de criptografia no Brasil e a possibilidade de bloqueio de aplicações no país. Essa ação estava parada justamente por pedido de vista de Moraes e poderia servir como apoio para uma solução do STF que ancore eventual bloqueio do X.
Se a regra das redes sociais é conseguir cada vez mais engajamento, Elon Musk conseguiu isso dentro e fora delas. No Twitter, a sua cruzada mobilizou toda uma base de apoiadores que parecia dispersa. Em Brasília, Congresso, Judiciário e Executivo reagiram às provações do empresário.
Tudo isso pinta uma imagem de Musk como um ator político que ainda não estava clara para muita gente. E Musk não é apenas o dono de uma popular rede social. O fato de também ser o dono da Starlink, provedora de conexão à Internet via satélite, faz com que ele possa passar por cima de decisões de bloqueio nacionais.
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Quero receberNunca um dono ou CEO de rede social havia sido tão ativo ao interferir no cenário político de um país onde suas empresas atuam. Musk, que já havia dito que "daremos um golpe em quem quisermos" ao se referir à situação política na Bolívia, parece ter dobrado a aposta no Brasil.
Com isso cria uma profecia autorrealizável. O empresário diz que a empresa está sendo coagida a impor censura. Em seguida vai nas redes fazer ataques e provocações que podem justamente levar ao sancionamento da empresa, inclusive com o bloqueio do site no Brasil, finalmente cumprindo a profecia feita na largada.
Em 2022 se imaginava que o Telegram fosse o coringa no baralho das empresas de tecnologia: aquela carta que, uma vez posta na mesa, vira o jogo do avesso. O Twitter, com as publicações de Musk, passou na frente para desempenhar esse papel.
Com a polarização política que atraiu para si, o empresário conseguiu mais uma façanha, pois com satélites e seguidores engajados, não vai ser uma ordem de bloqueio que fará o empresário (e sua rede) serem carta fora do baralho.
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