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Opinião

Caso Lira: decisão de Moraes revela que Judiciário erra ao derrubar links

Uma série de decisões do ministro Alexandre de Moraes envolvendo o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), levantou, na última semana, discussões sobre liberdade de expressão jornalística e a proteção da honra de pessoas públicas na internet. De carona, também trouxeram dúvidas sobre como a moderação de conteúdo nas redes sociais é tratada no Poder Judiciário.

Vamos recapitular os fatos.

Moraes havia, a princípio, ordenado a remoção de links de rede social e de sites de vídeo que, segundo os advogados de Lira, estariam atingindo a honra do deputado ao requentar acusações feitas por Jullyene Lins, ex-mulher dele.

Jullyene acusou Lira de violência e intimidação, mas voltou atrás, o que levou ao encerramento do processo contra o deputado em 2015. Já em 2021 ela concedeu entrevista para a Folha, na qual relatou que foi coagida a retirar a acusação e narrou casos de agressão.

A matéria da Folha é acompanhada de nota do advogado de Lira, que afirma que "a repetição e veiculação da falsa acusação atrai a responsabilidade penal e cível não só de quem a pratica, mas também de quem a reproduz, ante a inequívoca ciência da sua falsidade."

Outros veículos reproduziram o relato da entrevista e também foram alvo das ordens de remoção da semana passada.

Moraes voltou atrás ao reconhecer que, além dos links para comentários que atacavam Lira, havia sido ordenada a remoção de conteúdo jornalístico.

O ministro entendeu que, após o bloqueio, foi percebido que "algumas das URLs não podem ser consideradas como pertencentes a um novo movimento em curso, claramente coordenado e orgânico", pois se tratam, na verdade, de "veiculações de reportagens jornalísticas que já se encontravam veiculadas anteriormente, sem emissão de juízo de valor."

Tudo em todo lugar

Dois pontos chamam atenção nas decisões do ministro Moraes.

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O primeiro é o fato de links para matérias jornalísticas terem sido objeto de remoção junto com ataques ao deputado e demais comentários injuriosos nas redes sociais.

Imagina-se que o gabinete do ministro abriu todos os links que foram enviados pela parte autora e que, em um primeiro momento, entendeu que todos mereciam ser removidos.

Tribunais recebem todos os dias ações que procuram remover conteúdos das redes. Outras tantas procuram questionar a decisão das plataformas em ter removido ou não determinado conteúdo. Em todos esses casos, as petições trazem uma série de links que precisam ser apreciados pelo Judiciário.

Mas o que acontece quando a petição conta uma história e os links para os quais se pede remoção vão além dos fatos narrados? Ou simplesmente instigam reflexões jurídicas distintas?

Por exemplo: a discussão sobre os limites da liberdade de expressão é radicalmente distinta quando se trata de um ataque à honra ou à imagem de uma pessoa do que quando se analisa uma matéria jornalística.

Alguém pode, em cima da matéria, postar nas redes um xingamento ou atacar a honra de outrem, mas o Poder Judiciário não deveria confundir o ataque com o conteúdo jornalístico que explora o caso e oferece o contraditório.

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Quando tudo vem em uma petição pintado como se fosse um "movimento coordenado", fica mais fácil incluir na lista de links manifestações do pensamento que possuem proteção constitucional muito diferentes.

O link é rei

Por isso, para conteúdos postados na rede, a indicação clara e específica do que se está procurando remover é crucial.

Nas ações sobre remoção de conteúdo, o link é rei, é ele que permite ao julgador saber sobre o que está decidindo.

E justamente aqui reside um segundo ponto de atenção nas recentes decisões do ministro Moraes.

Ao final delas, o ministro determina a "REMOÇÃO, no prazo máximo de 2 (duas) horas, de qualquer postagem com conteúdo veiculando matéria idêntica a dos URLs acima mencionados, sob pena de multa diária de R$ 100.000,00 (cem mil reais), por URL."

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O que se deve entender por "matéria idêntica"?

O ministro estaria proibindo publicações que repercutissem a matéria da Folha? Ou ele estaria ordenando que as redes sociais buscassem ativamente qualquer repetição dos comentários injuriosos feitos contra Lira?

Se for esse o caso, vale lembrar que o Marco Civil da Internet, em seu artigo 19, parágrafo primeiro, determina que a ordem judicial sobre remoção de publicações na internet "deverá conter, sob pena de nulidade, identificação clara e específica do conteúdo apontado como infringente, que permita a localização inequívoca do material."

Os tribunais já assentaram o entendimento de que a melhor forma atualmente disponível para indicar o local inequívoco do conteúdo ilícito nas redes é a indicação da URL (ou seja, do link).

Esse dispositivo da lei serve para evitar que magistrados determinem que provedores saiam por aí caçando conteúdo a partir de comandos genéricos. Algo como "faça isso sumir da rede!", quando não se sabe muito bem o que exatamente é "isso".

A indefinição pode criar o efeito de cala-boca sobre um determinado assunto.

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Tudo isso só reforça a importância dos links para as ações que discutem a remoção de conteúdo nas redes.

Cada link pode trazer uma discussão jurídica diferente, por isso vale ficar de olho nas ações que exploram um sentimento de urgência para obter a remoção de mais conteúdos do que seria legítimo.

Da mesma forma, é através da indicação de links que se impede ordens judiciais muito abrangentes e cuja operacionalização acabe gerando impactos em quem não deveria.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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