Existe intimação online? Entenda briga do X com o STF
O bloqueio do X (antigo Twitter) no Brasil é um filme em câmera lenta que a gente já sabe o final. O que não impede de aparecerem surpresas no meio do caminho, como a intimação que a conta oficial do STF publicou na própria rede social, determinando que o X indique um representante legal no país sob pena de bloqueio do site.
Na coluna de hoje vamos falar sobre algumas dúvidas que andei escutando por aí, compartilhar as que eu também tenho do lado de cá e traçar alguns cenários do que vem pela frente.
Pode o STF intimar o Elon Musk via Twitter?
Primeiro vale destacar que o STF não intimou o X apenas pela rede social. Conforme destacado na imprensa, já fazem mais de 10 (dez) dias desde que o STF enviou uma intimação pelos meios formais para a empresa e que ela permanece, segundo reportado, sem qualquer resposta. A publicação no X foi um movimento para dar mais publicidade (ou quiçá mais uma chance) para a empresa se mexer.
A gente pode discutir se essa foi uma boa medida. Tem gente que acha que o STF não deveria usar a sua conta oficial para fazer uma publicação que certamente iria causar muito barulho, ainda mais quando ela é contrária ao dono da mesma plataforma. Esse argumento olha para o fato de que deveriam existir duas arenas: uma das redes sociais e a outra dos processos judiciais.
Aliás, um ponto que sempre me chamou atenção nessa história toda era que o Musk ficava publicando memes e ataques ao Ministro Moraes, dizendo que não ía cumprir as decisões, enquanto nos autos dos processos a empresa dizia que a X Corp iria cumprir as determinações da Justiça brasileira.
Na rede social, Elon Musk conta com uma torcida organizada toda própria, coisa que o STF não tem (e nem deveria ter). No X, Elon Musk joga em casa e assim qualquer comunicação oficial rapidamente vira motivo de piada, meme e novos ataques impulsionados pelo algoritmo que distribui as publicações de seu dono, detentor de conta amplamente seguida na rede. Não demorou muito para o próprio Musk publicar imagens geradas pela IA da X, o Grok, retratando Moraes na cadeia, como vilão de Star Wars e uma foto de um rolo de papel higiênico com o seu nome.
Essas são as armas da rede, que em nada se parecem com as de um processo. Postar um meme ofensivo ao magistrado nos autos não ganha likes, mas sim uma bela representação nos órgãos de classe.
De toda forma, o STF com a publicação não procurou abrir a discussão sobre a validade jurídica de intimação via redes sociais. A intimação já tinha seguido seu curso. A publicação nas redes sociais foi só um aceno adicional, um marcador para o público de que um bloqueio poderia vir logo na sequência.
O que diz uma ordem de bloqueio?
Se a ordem de bloqueio seguir os mesmos padrões do caso do Telegram, ela pode conter três partes. A primeira determina que a Anatel oficie as operadoras para bloquear o acesso ao X no Brasil. Isso pega tanto quem acessa pelo www como pelo app.
No caso do Telegram, Moraes determinou que também fossem intimadas as empresas que administram serviços de acesso a backbones no Brasil, as empresas provedoras de serviço de internet e as empresas que administram serviço móvel pessoal e serviço telefônico fixo comutado.
A segunda seria uma ordem para que Google e Apple, que operam as principais lojas de aplicativos no Brasil, removam o app de seu catálogo. Lá atrás, quando se procurou coibir o uso do aplicativo Secret, que acabou sendo usado em casos de bullying nas escolas, o juiz mirou justamente as lojas de aplicativos, impedindo que novas instalações do app ocorressem no país.
No caso do Telegram, que acabou não sendo bloqueado de todo porque subitamente passou a responder às comunicações da Justiça, a primeira e a segunda parte vieram juntas. Então tanto a Anatel oficiaria as operadoras para bloquear o acesso ao site, como o aplicativo sumiria das lojas de Google e Apple.
A terceira parte - e para lá de polêmica - é a proibição de que usuários no Brasil usem VPN para acessar o site. Essa parte apareceu pela primeira vez na ordem de bloqueio contra o Telegram, consignando multa para quem usasse do recurso para acessar o app de mensagens. Como o bloqueio do Telegram acabou não acontecendo não tivemos nenhum episódio em que essa sanção foi aplicada.
Qual o fundamento jurídico para o bloqueio?
O Ministro Moraes já apontou que vai se basear no artigo 12, III, do Marco Civil da Internet. Esse artigo foi criado para sancionar empresas que falhassem em cumprir a legislação brasileira sobre proteção de dados pessoais, gerando a sanção de suspensão das atividades de tratamento de dados de brasileiros.
Newsletter
Um boletim com as novidades e lançamentos da semana e um papo sobre novas tecnologias. Toda sexta.
Quero receberNa última década os tribunais têm se valido desse artigo para suspender não apenas as atividades de tratamento de dados, mas sim sites e aplicativos como um todo. O artigo foi utilizado nos casos de bloqueio do WhatsApp e hoje essa interpretação está para ser analisada no plenário do Supremo Tribunal Federal.
Duas ações discutem o bloqueio de aplicações de Internet no Brasil, a sua viabilidade, fundamentos legais e meios de aplicações. O julgamento delas começou com votos dos Ministros Fachin e Rosa Weber, mas o Ministro Moraes pediu vista. No começo do ano se tentou julgar o tema em plenário virtual, mas o Ministro Flavio Dino puxou o debate para o plenário físico.
Podemos esperar que, com o bloqueio do X, a temperatura sobre o tema aumente e isso possa acelerar uma decisão no plenário da Corte.
O bloqueio é automático?
Muita gente no Twitter estava esperando que o site fosse sair do ar exatamente às oito horas e sete minutos na quinta-feira, quando se esgotava o prazo de 24 horas dado pelo STF para que o X indicasse um representante. Não é assim que funciona.
Primeiro, o STF precisa decidir sobre o bloqueio. A decisão precisa ser encaminhada para a Anatel que, de posse da decisão, vai notificar as operadoras sobre a necessidade do bloqueio a partir da decisão. Cada operadora tem uma rotina diferente de atendimento dessa notificação, o que pode fazer com que ela seja cumprida no mesmo dia por algumas ou no dia seguinte por outras, por exemplo.
Então podemos esperar que o bloqueio seja progressivo e não que ele aconteça com um estalo de dedos. Lá atrás, em 2007, quando uma decisão judicial tirou o YouTube do ar, o tempo de atendimento do bloqueio pelas operadoras deixou isso claro. Usuários da Brasil Telecom ficaram sem o acesso na sexta-feira da semana em que a ordem foi emitida, enquanto usuários da Telefônica ainda conseguiam acessar o site na terça-feira da semana seguinte, quando a decisão acabou sendo revertida.
Deixe seu comentário