Exposição de dados de delegados dá novos rumos ao bloqueio do X
A cada dia que passa a ordem de bloqueio da rede social X, proferida pelo ministro Alexandre de Moraes, ganha novos contornos. Como o UOL vem mostrando, o bloqueio foi determinado em um contexto de ampla exposição de dados de delegados da Polícia Federal nas redes, em especial do delegado Fabio Shor, responsável por algumas das investigações relacionadas ao ex-presidente Jair Bolsonaro.
Influenciadores que são alvo de alguns dos inquéritos que correm no STF começaram uma campanha para expor dados de delegados e agentes da Polícia Federal que vinham atuando nas investigações e no cumprimento das ordens de busca e apreensão determinadas pelo ministro.
No caso do delegado Shor, que não tinha fotos disponíveis na internet, um influenciador chegou a lamentar que "você acha uma foto da Michelle Obama grávida, mas não acha uma do Fábio Shor". Não demorou para aparecer nas redes a foto de sua carteira de identificação emitida pelo Detran do Rio de Janeiro.
Conforme o UOL vem apurando, dados de policiais e de outras autoridades foram acessadas no sistema Infoseg, uma rede nacional que integra informações dos órgãos de Segurança Pública, Justiça e Fiscalização.
A perseguição então começa a sair das redes. Conforme relatado pelo próprio delegado, um macaco de pelúcia azul apareceu amarrado no limpador traseiro do seu carro, que estava estacionado em seu endereço residencial. O deputado federal Marcel Van Hattem (Novo-RS) fez um discurso no plenário segurando uma foto ampliada do delegado.
A prática de exposição de dados, como fotos, endereços e outras informações pessoais, com a finalidade de intimidar uma pessoa é conhecida em inglês como "doxxing". O termo vem da abreviação de "dropping dox" (algo como "soltando documentos", já que "dox" é uma abreviação de documents).
Esse comportamento é frequentemente associado a campanhas de assédio online, onde a vítima pode ser exposta a ameaças, ataques ou perseguição. O fato de o X não ter tirado do ar essas publicações —inclusive as que perguntavam se o delegado era procurado "vivo ou morto"— joga uma nova luz sobre a ordem de bloqueio. Não se trata de um debate legítimo sobre liberdade de expressão ou discordância política, mas da exposição orquestrada de dados pessoais com a finalidade de intimidar uma pessoa, colocando em risco o delegado e sua família.
O curioso é que o próprio X possui uma política anti-doxxing, segundo a qual "é proibido publicar ou postar informações privadas de outra pessoa sem a autorização e a permissão expressa dessa pessoa. É proibido também ameaçar expor informações privadas ou incentivar outras pessoas a fazer isso".
Uma campanha de exposição de dados de servidores públicos cai como uma luva na descrição das próprias regras do X, que poderia ter removido esse conteúdo antes mesmo da ordem judicial. Depois da ordem emitida pelo STF, o X passou a desrespeitar não só as suas próprias regras, como também as determinações do Poder Judiciário, somando-se a tantas outras complicações, como o fechamento do escritório brasileiro e a falha em apontar um representante legal.
A ordem de bloqueio do X possui uma série de questões complexas e que mereceriam um olhar mais cuidadoso do STF, em especial a questão relativa ao uso de VPNs, mas quanto mais informações aparecem sobre o caso, mais fica clara a posição em que Musk se colocou, de propósito e descumprindo as suas próprias regras.
O sigilo de várias das decisões que levaram até o bloqueio do X acaba criando alguns buracos na leitura sobre a cadeia dos acontecimentos. De qualquer forma, a revelação de que a empresa se recusou a cumprir ordem judicial que determinava a remoção de publicações e de contas envolvidas em doxxing de delegados federais permite um novo olhar sobre o episódio.
E o mais curioso é que a decisão que expõe isso foi publicada orgulhosamente pelo próprio X a partir da conta Alexandre Files, criada pela empresa, no dia seguinte em que o bloqueio foi determinado.
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