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Opinião

STF julga ações que podem mudar a responsabilidade de plataformas no Brasil

O Supremo Tribunal Federal começa a julgar nessa quarta-feira (27) duas ações que podem mudar o regime de responsabilidade civil de plataformas digitais no Brasil, das grandes redes sociais até a Wikipedia.

A pergunta que o STF vai responder é se o regime criado pelo Marco Civil da Internet, em 2014, deve ser transformado para atender às demandas atuais por remoções de conteúdo mais rápidas e sobre outros temas que a lei lá atrás não tratou.

O assunto é igualmente importante e complexo.

Considerando que a sua cobertura passou meio que debaixo do radar no meio de tantos acontecimentos recentes, vamos usar essa coluna para servir tanto como uma introdução para quem está chegando agora, quanto para compartilhar algumas expectativas do que podemos ver pela frente no decorrer do julgamento.

O que o STF vai decidir?

O Supremo vai julgar duas ações.

A primeira é da época do Orkut e discute a responsabilidade da Google pela não remoção de uma comunidade criada por alunos na rede social para reclamar de uma professora. Esse caso é anterior ao Marco Civil da Internet e tem a relatoria do Ministro Luiz Fux.

A segunda ação discute a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet, que definiu um regime próprio para a responsabilidade civil de provedores de aplicações na internet (um termo amplo que pega desde redes sociais até sites de vídeo). O caso em si trata da criação de um perfil falso no Facebook e a relatoria é do Ministro Dias Toffoli.

O que diz o artigo 19 do Marco Civil da Internet?

O Marco Civil da Internet é a Lei nº 12.965/2014, que estabelece uma série de direitos e garantias para o uso responsável da rede. A lei trata de questões como privacidade e proteção de dados, liberdade de expressão e responsabilidade de provedores.

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Nesse tema em especial, a lei procurou adotar um regime que favorece a liberdade de expressão na internet, apenas responsabilizando os provedores, em regra, quando eles não cumprem uma ordem judicial que determina a remoção de um conteúdo.

Essa disposição do artigo 19 veio para pacificar um contexto no qual os tribunais brasileiros estavam dando decisões díspares sobre o regime de responsabilidade.

Tinha site sendo responsabilizado simplesmente por que o conteúdo foi postado por um usuário, enquanto outros foram responsabilizados por não atender à notificação da pretensa vítima.

Os conteúdos notificados também variavam imensamente, indo das alegações de uso não autorizado de músicas e filmes até a exposição não consentida de imagens íntimas.

O Marco Civil procurou dar um fim nesse impasse. A regra geral então é que a responsabilidade só vem com o não cumprimento de uma ordem judicial.

Para alguns conteúdos, como imagens adultas expostas sem o consentimento, o provedor é responsável caso não remova a publicação a partir do momento em que toma conhecimento do fato via notificação (como uma denúncia na plataforma).

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O que se quer mudar no Marco Civil?

De 2014 para cá, muita coisa mudou. O debate sobre moderação de conteúdo nas plataformas digitais só fez aumentar na mesma velocidade com a qual passamos a discutir temas como desinformação, integridade eleitoral, discurso de ódio, combate à pandemia, abolição violenta do Estado de Direito e etc.

Será que para esses temas, e tantos outros, não seria preciso atualizar o Marco Civil para incentivar as plataformas a moderar conteúdos de modo mais transparente, coerente e informativo?

Mesmo que tenhamos respostas distintas para essa lista de assuntos acima, uma crítica comum ao Marco Civil da Internet é que ele disse que as plataformas respondem caso não cumpram com ordens judiciais, mas não avançou para afirmar que, antes da ordem judicial vir, as plataformas não apenas podem como devem gerir melhor os seus ambientes online.

Se isso for verdade, mudar o regime de responsabilidade para alguns temas é só uma das peças de um tabuleiro maior.

Embora o STF tenha na sua frente um julgamento sobre responsabilidade, mudar essa linguagem no Marco Civil não vai resolver todos os problemas, ficando ainda a cargo do Congresso aprovar novas regras que possam criar mais transparência na moderação de conteúdo.

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Muito se especula se o STF, temendo que o Congresso continue a não decidir sobre o tema, acabe ele mesmo não apenas criando uma nova redação para o Marco Civil como também gerando novos deveres para as plataformas, inclusive com a produção de relatórios de transparência sobre como andam moderando conteúdo.

Quem será impactado pela decisão do STF?

É comum imaginar que o julgamento no STF interesse apenas às grandes empresas de tecnologia, como Google e Meta. Ledo engano.

Em disputa no Supremo está o regime de responsabilidade que vai ser aplicado para todas as empresas que atuam na internet e que publicam conteúdos gerados por seus usuários ou terceiros.

Isso vale tanto para as redes sociais, como Facebook, Twitter e TikTok, mas também pega sites como Reddit e Wikipedia.

No balaio entram também os sites de marketplace, como Mercado Livre, já que acabam expondo anúncios publicados por usuários.

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A jurisprudência do STJ, por sinal, vem aplicando o artigo 19 do Marco Civil aos sites de marketplace. Isso vale também para qualquer startup que organize e publique conteúdos gerados por terceiros.

Como podem votar os Ministros do Supremo?

O julgamento das duas ações não deve acabar rápido e dada a complexidade dos temas é provável que diversos ministros acabem apresentando votos longos e que façam sugestões de redação que usam linguagens e metodologias distintas.

Isso joga luz sobre a importância da costura da tese que o STF vai publicar ao final do julgamento.

Não raramente, temos visto casos em que os votos dos ministros são tão diferentes ao término da apresentação dos votos não se sabe ao certo qual foi o resultado, sendo necessário retornar na tese proposta pelo relator para adequá-la aos votos subsequentes.

No julgamento sobre o Marco Civil da Internet, é possível especular sobre a direção de alguns votos a partir de pronunciamentos anteriores dos ministros sobre os temas de modo geral e a partir de suas específicas trajetórias.

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O relator do caso sobre o artigo 19, ministro Dias Toffoli, chegou a especular em audiência pública sobre o tema se seria oportuna a criação de novas exceções à regra do artigo 19, notadamente sobre questões relacionadas à privacidade e à proteção de direitos da personalidade.

Essa seria uma exceção de contornos bastante delicados porque faria com que qualquer pessoa que se sentisse ofendida em sua honra ou imagem, por exemplo, pudesse fazer o provedor responsável por um conteúdo caso não retire o mesmo do ar depois da notificação.

Uma situação como essa poderia ser abusada por políticos ou autoridades para fazer sumir das redes sociais conteúdos que eles entendem ser difamatórios, já que os provedores se veriam pressionados a tomar uma decisão entre atender a notificação e remover ou manter o conteúdo e ser responsabilizado por ele.

O ministro Moraes, por outro lado, pode procurar trazer para o julgamento no STF a redação da última resolução sobre internet e eleições, aprovada no TSE.

Essa resolução determinou que os provedores seriam responsabilizados caso estivessem publicados em seus ambientes online conteúdos de discurso de ódio, que questionam a integridade eleitoral e atentam contra a democracia.

Essa lista de temas não é muito diferente daquela que o ministro Barroso vem aludindo em publicações e palestras sobre o tema. Segundo ele, o regime de responsabilidade na internet por conteúdo de terceiro deveria ser escalonado.

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Na primeira prateleira deveriam estar os conteúdos reputados como sendo mais objetivamente ilícitos, como a exploração sexual de menores, terrorismo e atos anti-democráticos. Para esses as plataformas responderiam de imediato caso eles fossem publicados.

Em uma segunda prateleira estariam os conteúdos que infringem os direitos autorais ou cenas de sexo e nudez não consentidas. Para esses seria necessário que a vítima notificasse o provedor e ele seria responsabilizado caso não removesse o conteúdo. De certa forma é o regime do artigo 21 do Marco Civil da Internet.

Por fim, existiriam os casos em que se discute temas de grande subjetividade, como dano à honra, e para esses seria preciso recorrer ao Judiciário, ficando assim preservado para essas situações o artigo 19 do Marco Civil da Internet.

Em certa medida, alguns dos temas elencados pelo ministro Barroso na primeira prateleira (responsabilidade objetiva) se aproximam da possível sugestão do ministro Moraes, enquanto a definição de danos à honra e casos envolvendo os demais direitos da personalidade, ficando na terceira prateleira, oferece uma solução diferente daquela que poderia vir em uma decisão do ministro Toffoli, por exemplo.

É claro, caso os ministros decidam de acordo com as especulações que estamos aqui compartilhando.

Podemos esperar também que o ministro Dino traga uma linguagem muito mais próxima ao Código de Defesa do Consumidor, dada a sua passagem como ministro da Justiça no atual governo.

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Nas oportunidades em que se pronunciou sobre temas ligados à internet e redes sociais, ele sempre foi muito vocal sobre a necessidade de se tratar as empresas à luz do CDC.

Um ponto que pode aparecer em alguns votos no STF é a criação de um regime de responsabilidade não apenas para a publicação regular de usuários em plataformas digitais, mas que também alcance anúncios e materiais impulsionados.

Essa sugestão figurou em manifestação recente apresentada pela Advocacia Geral da União nos autos e reflete um debate que não avançou no Congresso dentro do contexto do PL nº 2630 (chamado "PL das fake news").

Fica a questão sobre como votarão os ministros Nunes Marques e André Mendonça, especialmente com o caso ganhando cada vez mais contornos políticos.

O que começou como uma discussão sobre desenhos de regime de responsabilidade para plataformas digitais hoje se encontra completamente conectado, na visão de muitos ministros do STF, com os episódios de violência de 8 de janeiro de 2023 e o recente atentado na Praça dos Três Poderes.

No caso sobre perda de mandato pela veiculação de conteúdos desinformativos, Marques e Mendonça procuraram restringir a imposição da pena mais gravosa a candidato, levantando considerações sobre o real impacto do que foi dito nas redes.

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Na mesma ocasião, Nunes Marques disse que a internet não deveria ser tratada como uma sucessora natural do regime jurídico do rádio e da televisão dadas as suas peculiaridades. Vale acompanhar o quanto desse debate pode ressurgir em seus votos.

É esperado que o STF não julgue que o artigo 19 do Marco Civil da Internet é inconstitucional. Isso em si é uma boa notícia.

O artigo procura estabelecer um equilíbrio importante na proteção de direitos na rede, com destaque para a liberdade de expressão.

Caso o Supremo avance para criar novas exceções ao artigo 19, vai ser especialmente importante entender que hipóteses serão essas e qual o regime de responsabilidade que será aplicado.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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