Brasil no G20: 7 pontos sobre IA para diminuir dependência dos ricos
O Brasil preside o G20 desde a última sexta-feira (1º) e tem a oportunidade de impulsionar a discussão sobre Inteligência Artificial (IA) a partir de uma perspectiva do Sul Global para promover o desenvolvimento e uso de tecnologias que sejam sensíveis às diferentes realidades locais.
A cena da IA está centrada nos países ricos, especialmente nos Estados Unidos, que desenvolvem a tecnologia, e na União Europeia, que tenta regulá-la. A China corre por fora. É um dos lugares que mais produz pesquisa científica na área e vem apresentando produtos promissores, como o chatbot Ernie, da Baidu, e o modelo de linguagem de código aberto Yi, da startup 01.ai.
O resto do mundo parece assistir ao desenvolvimento de uma tecnologia poderosa que promete escrever as novas narrativas da humanidade. Há alguns meses, participei do evento de uma das empresas líderes no desenvolvimento de IA quando uma pessoa me perguntou como a sociedade global desenhava o futuro com a IA.
Respondi que as pessoas de diferentes culturas não estão participando de nada, que o futuro estava sendo desenhado por pouquíssimas empresas de EUA e China, sem muito debate nem muita participação global. Quem tem as condições necessárias para desenvolver a tecnologia dita as regras do jogo.
O boom da IA generativa ocorreu neste ano, o que criou as condições para uma concentração de poder ainda maior na mão das Big Techs. Os serviços de chatbot, como ChatGPT e Bard, são impulsionados por modelos fundacionais gigantescos que poucas empresas conseguem treinar, afinal demandam um custo computacional proibitivo para empresas brasileiras.
A alternativa então -não só no Brasil, mas quase em todos outros lugares- é usar esses modelos de IA como produto final ou como base para aplicações locais. A OpenAI, por exemplo, oferece APIs para os desenvolvedores plugarem aplicações e resolver problemas que demandam uma IA de alto desempenho. Serviços similares são disponibilizados em outras nuvens.
O uso de modelos de IA desenvolvidos por empresas estrangeiras traz vantagens para startups e empresas locais, como o acesso a um poder computacional que seria inviável. No entanto, essa dependência tecnológica pode se tornar uma fragilidade estratégica para as organizações no longo prazo e um risco para a soberania digital das nações.
Outro ponto de atenção é que esses modelos de IA não refletem a diversidade linguística e cultural de todos os locais - apesar de serem usados globalmente. Um estudo recente fez uma grande auditoria nos principais conjuntos de dados que são usados no treinamento de IA. O resultado escancara a baixíssima representatividade de regiões como a América Latina, África, Oriente Médio e alguns países da Ásia.
Esse é um problema que parece não existir quando usamos os chatbots disponíveis, porque a verborragia da máquina muitas vezes ofusca a falta de representatividade cultural dos modelos.
Se tudo ficar como está, uma das consequências será a dependência de modelos globais. Eles até parecem dominar questões específicas de uma região, mas muitas vezes acabam usando traduções que perdem especificidades de uma construção linguística e homogeneizam aspectos subjetivos das diferentes culturas.
Uma opção para esse problema é incentivar que as Big Techs coletem ainda mais dados sobre as realidades locais, o que me parece uma solução controversa. Ao mesmo tempo que elas poderiam oferecer serviços melhores para comunidades locais, a coleta indiscriminada fortaleceria ainda mais o argumento de extrativismo digital e concentração de poder nas mãos das empresas do Norte Global.
O caminho está em encontrar um equilíbrio para as Big Techs oferecerem serviços de IA mais representativos e éticos, enquanto são criadas oportunidades para as instituições locais participarem do processo de inovação.
Como o G20 está com um grupo de trabalho em Economia Digital e discute o assunto de IA, listo alguns temas que são estratégicos para serem debatidos:
- Políticas públicas para acesso e uso de dados existentes em bases públicas por atores locais nos países em desenvolvimento;
- Políticas de fomento para a criação de conjuntos de dados locais, abertos e de qualidade para treinamento de IA;
- Políticas de contrapartida para o acesso e uso de dados locais por instituições estrangeiras;
- Estratégias para elaboração de uma infraestrutura computacional compartilhada para universidades, centros de pesquisa e empresas/startups locais;
- Fomento ao treinamento de modelos abertos para propósitos específicos das diferentes regiões;
- Políticas de compensação ambiental para o treinamento de grandes modelos de IA;
- Elaboração de princípios éticos e de governança que levem em consideração aspectos locais para serviços de IA que são globais.
Esses são apenas alguns tópicos que podem ajudar o Brasil a descentralizar o debate global sobre IA. Outros pesquisadores também estão contribuindo com ideias. Espero que não deixem a oportunidade passar.
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