Apagão cibernético mostra que o mundo depende da tecnologia dos EUA
Passagem aérea emitida com papel e caneta na Índia. Banco brasileiro com instabilidade. Aeroportos fechados na Europa. Consultas médicas negadas no sistema público de saúde no Reino Unido. O mundo viveu um caos na última sexta-feira (19) devido ao apagão cibernético.
O que está por trás de todo esse caos foi uma atualização da empresa de cibersegurança CrowdStrike que fez com que o sistema operacional Windows travasse e entrasse no modo "tela azul". A empresa enviou uma atualização para os servidores de seus clientes que não deu certo e fez com milhares de computadores ao redor do mundo não pudessem ser reiniciados.
Esse foi o pior apagão da história. Não foi o primeiro, mas o pior. Alguém pode lembrar do dia em que os serviços da Meta ficaram um bom tempo fora do ar no mundo inteiro, mas ainda assim este foi um incidente que afetou apenas uma única organização.
A situação desta vez foi muito mais crítica porque afetou serviços de todos os tipos, de empresas e governos de diferentes partes do mundo numa magnitude impressionante.
Isso faz a gente entender como estamos dependentes de um grupo restrito de empresas de tecnologia e como essa configuração impacta diretamente a governança global.
Ainda que uma companhia aérea indiana ou o serviço público de saúde do Reino Unido tenham adotado as melhores práticas de gestão de TI, acabaram sofrendo as consequências por trabalharem com uma empresa americana de segurança cibernética que era uma das referências na área.
O Brasil foi menos impactado do que outras regiões porque a empresa CrowdStrike não tem uma operação tão forte na nossa região. No entanto, isso não quer dizer que somos autossuficientes em tecnologia. O Brasil, assim como boa parte do mundo, depende dos fornecedores de serviços dos EUA, seja de nuvem ou de outra natureza.
Não dá para falar sobre o mercado de tecnologia sem levar em consideração a sua alta concentração. Quando a internet começou a se popularizar, uma das preocupações era manter a rede mais descentralizada possível para que fosse um ambiente estável e resiliente. Em certa medida, esse resultado foi alcançado. Não é por menos que a chamamos de redes das redes.
O problema é que tudo que roda em cima dessa infraestrutura não segue a mesma lógica. As principais plataformas de mídias sociais encapsularam todo o tráfego dentro de seus domínios. Os dois principais sistemas operacionais de smartphones são de duas empresas americanas, Google e Apple. Os maiores serviços de computação em nuvem são das bigtechs, como Amazon e Microsoft.
Discutir sobre soberania de uma nação sem levar em consideração a dependência tecnológica é papo de quem não entende as dinâmicas de poder da contemporaneidade. Eu sei que não é nada trivial diminuir essa assimetria de poder, mas o assunto precisa estar na mesa de discussão.
Eu li em matéria no "South China Morning Post" que enquanto os hotéis de bandeira internacional e as empresas estrangeiras sofriam com o apagão no país, os chineses se orgulhavam de que toda a sua infraestrutura crítica nacional, de companhias aéreas aos bancos chineses, se manteve intacta.
Lembro que a China vem há alguns anos com uma política de troca de softwares estrangeiros por substitutos nacionais no governo.
Nenhum outro país tem a capacidade de inovação que a China possui, eu sei, mas isso não significa que não devemos buscar alternativas para reduzir essas disparidades. O primeiro passo é reconhecer que hoje vivemos em uma situação de total dependência tecnológica de outros países, o que nem sempre traz consequências desejáveis.
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