Diogo Cortiz

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Opinião

Bolha prestes a estourar? O mercado de IA flutua entre o hype e a realidade

O mundo da IA (inteligência artificial) parece um conto de ficção. Com promessas que vão desde um ganho quase irrestrito de produtividade até a criação de uma inteligência que supera a humana, os fundos de investimento estão apostando em qualquer iniciativa que envolva essa tecnologia. Ninguém quer perder o bonde do que pode ser a próxima grande inovação.

Mas toda essa fantasia começa a receber cutucadas da realidade. Surgem evidências e argumentos de que a tecnologia atual é limitada e que o retorno do investimento talvez não venha. O novo relatório do Goldman Sachs manda um sinal de alerta ao mercado: será que estamos perto de uma bolha de IA?

No documento de mais de 30 páginas, especialistas e acadêmicos discutem que a promessa da IA generativa está levando as empresas a planejarem investimentos de US$ 1 trilhão em pesquisa, data centers e consumo de energia nos próximos anos. É um valor exorbitante até para as big techs. E a pergunta que fica é se a tecnologia tem fôlego para dar o retorno financeiro esperado.

Para David Cahn, da Sequoia Capital, uma das mais famosas empresas de capital de risco, a indústria de tecnologia teria que gerar US$ 600 bilhões por ano em receitas para bancar os investimentos feitos em IA.

Embora não estejamos nem perto desse valor, as big techs não dão sinal que vão dar um passo atrás.

A verdade é que o mercado está em um surto de FOMO (Fear Of Missing Out). O lançamento do ChatGPT projetou o imaginário social para um futuro incerto, mas foi o suficiente para agitar o mercado. Todas as big techs estão acelerando o desenvolvimento de suas IAs a um custo altíssimo, temendo serem superadas pelas concorrentes.

A prova disso é que Sundar Pichai, CEO do Google, disse aos acionistas na última terça-feira (23) que reconhece o alto custo da IA, mas que "o risco de subinvestir é dramaticamente maior do que o risco de superinvestir. Não investir para estar na frente tem desvantagens muito mais significativas."

As big techs seguem uma competição alucinante entre si para saber quem faz o modelo mais poderoso que vai dominar o mundo, embora não tenham muito claro como se posicionar nesse cenário de futuro e nem mesmo como monetizar todos os seus serviços.

O Google está patinando em como colocar a IA como funcionalidade central em seu buscador sem canibalizar os links patrocinados, que são sua principal fonte de receita.

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E eu ainda tenho dúvidas de como a Meta vai monetizar a sua IA que estará disponível de forma gratuita no Instagram, WhatsApp e Facebook. Não dá para o povo usar uma tecnologia cara demais só para criar figurinhas, né?

Mas se a indústria segue guiada pelo hype e o medo de ficar atrás, pelo menos estudos acadêmicos nos ajudam a entender melhor as possibilidades de uso, os desafios e o retorno real que a tecnologia pode trazer.

Daron Acemoglu, professor de economia do MIT e participante do relatório do Goldman Sachs, é um dos nomes mais céticos em relação ao progresso da IA. Ele acha que a tecnologia atual é superestimada.

Enquanto muitos dizem que os ChatGPTs da vida são capazes de automatizar tudo e mais um pouco, ele avalia que apenas um quarto das tarefas expostas à IA serão economicamente viáveis para automatizar nos próximos 10 anos, resultando em uma melhoria em menos de 5% de todas as tarefas.

Acemoglu também coloca em dúvidas o rápido desenvolvimento da tecnologia e prevê que a IA aumentará a produtividade dos EUA em 0,5% e o crescimento do PIB em apenas 0,9% na próxima década.

Essa estimativa difere um pouco de um outro estudo publicado pelo Goldman Sachs em 2023 que projeta a IA trazendo um aumento de 7% para o PIB global em 10 anos.

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A discrepância demonstra o cenário de incerteza e pouca concordância que temos.

O desafio é que não dá para fazer projeções olhando apenas para as variáveis financeiras e econômicas, mas é preciso analisar também as dimensões regulatórias, ambientais e da própria tecnologia. Como discuti em outra coluna, a IA tem um desafio enorme por demandar uma quantidade colossal de energia elétrica e água para rodar seus modelos.

Um exemplo é o Google, cujas emissões de gases de efeito estufa aumentaram 48% nos últimos anos devido à expansão dos data centers que rodam os modelos de IA. De acordo com a própria empresa, o impacto ambiental futuro da IA é complexo e difícil de prever.

A dimensão legal e de regulação também traz barreiras. Se antes as empresas navegavam em um oceano azul desregulado em que podiam tudo porque ninguém estava prestando atenção, agora aparecem medidas que limitam o treinamento e comercialização de modelos.

A Apple já disse que vai atrasar o lançamento da Apple Intelligence na Europa, e a Meta suspendeu o lançamento da sua IA no Brasil.

E no meio de toda essa confusão de projeções, muitas vezes se esquecem de colocar na equação a variável mais importante: a própria natureza da tecnologia.

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A IA ainda está na sua infância, portanto qualquer previsão sobre o seu futuro e impacto na sociedade tem alta probabilidade de estar errada. Não é tão trivial antecipar com assertividade o roadmap do progresso de uma área que recebe tanto dinheiro e esforço de pesquisa.

O lançamento do ChatGPT e seus desdobramentos no mercado pegaram todos de surpresa, até nós que fazemos pesquisas com IA há anos. O que pode vir a seguir?

Muitas das projeções econômicas são baseadas nas capacidades e configurações da IA atual, mas a cada mês a coisa muda um pouco.

Estão surgindo modelos menores e mais eficientes que podem ser o caminho para muitos usos reais das empresas. Um exemplo é o recém-lançado "GPT-4o mini", 60% mais barato e com desempenho superior ao "GPT-3.5", que foi a grande estrela apenas um ano atrás.

No meio do caminho também pode ser que apareça alguma grande inovação, uma nova arquitetura de IA, que mude mais uma vez o rumo da história.

O mercado já reconhece que a arquitetura chamada Transformers, a base de funcionamento dos Modelos de Linguagens, pode estar chegando perto do seu limite. É por isso que as big techs e os principais centros de pesquisas estão correndo atrás do que pode ser o próximo avanço revolucionário.

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Quando vai chegar, não sabemos, mas menosprezar o potencial de uma tecnologia é um erro absurdo. É preciso encontrar um equilíbrio entre a euforia e o ceticismo em qualquer processo de inovação.

Se tem uma coisa boa da especulação de uma possível "bolha prestes a estourar" é ajudar a diminuir o hype da IA.

O mercado precisa reconhecer as capacidades e limitações dos diferentes modelos de IA e desenhar casos de usos que se justifiquem financeiramente. Assim, as organizações entenderão que o futuro com IA é cheio de oportunidades, só que mais restritas e desafiadoras do que muitos tentam vender.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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