Diogo Cortiz

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Opinião

Brasil cria plano para ter sua própria IA, mas não diz como vai conseguir

Finalmente o Brasil começou a se posicionar no universo da inteligência artificial. Na última terça-feira (30), o Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CCT) aprovou e entregou ao presidente Lula o novo Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (PBIA), documento que descreve as ações e investimentos para o desenvolvimento da tecnologia no cenário nacional.

O Brasil havia apresentado anteriormente um outro documento chamado Estratégia Brasileira de IA (EBIA), mas na época foi duramente criticado por parecer mais uma carta de intenções do que de um plano. Faltavam metas, objetivos e, principalmente, recursos orçamentários.

Agora a história mudou, pelo menos no papel. Embora o Brasil esteja atrasado para a festa, chega com a promessa de fazer barulho com um um investimento de R$ 23 bilhões, um valor maior do que o de investimento público dos países europeus, como Alemanha, França, Itália e Reino Unido.

O plano está dividido em ações imediatas e ações estruturantes de médio e longo prazo. Ao todo são 31 ações imediatas de curtíssimo prazo para resolver problemas específicos em áreas prioritárias, como otimizar os diagnósticos no SUS com sistemas inteligentes e enfrentar o abandono escolar com soluções de gestão de frequência no ensino básico.

O ponto estratégico para o país, no entanto, são as ações estruturantes que buscam trazer mais autonomia para o Brasil e reduzir as assimetrias e dependência de outros países. Essas ações estão distribuídas em cinco principais eixos:

  • Infraestrutura e desenvolvimento de IA: construir infraestruturas computacionais, promover o desenvolvimento nacional de chips de IA e o treinamento de Modelos de Linguagem (LLMs) em português.
  • Difusão, formação e capacitação: capacitar e treinar trabalhadores brasileiros em IA em todos os níveis e criar campanhas informativas para promover o uso crítico da tecnologia.
  • IA para melhoria dos serviços públicos: foco na construção de uma nuvem soberana para o processamento de dados públicos e assegurar a soberania nacional, além do desenvolvimento de soluções de IA para aumentar a eficiência dos serviços.
  • IA para inovação empresarial: desenvolver IA para desafios da indústria brasileira mirando o aumento da produtividade, estabelecimento de data centers "verdes" e fomento e aceleração de startups especializadas em IA.
  • Apoio ao processo regulatório e de governança de IA: promover um centro de pesquisas e estudos sobre os riscos e seguranças de IA, além de propor guias brasileiros de IA responsável.

Todos esses eixos se complementam e formam uma estratégia adequada.

Um ponto que me chamou atenção é que tiveram o cuidado de definir o problema, metas, prazos, orçamento e até mesmo as fontes de financiamento para cada uma das ações do plano. A ausência desses pontos era exatamente o alvo das críticas feitas ao documento anterior.

Contudo, devido à abrangência do plano, que envolve diversas áreas e uma grande quantidade de ações, ainda restam questionamentos sobre a viabilidade da implementação prática de muitas dessas iniciativas.

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Quando o plano estava em processo de elaboração, eu fui convidado para participar de uma das oficinas como um dos especialistas convidados. Junto com outros pesquisadores, alertei bastante da necessidade de promovermos a criação e disponibilização de conjuntos de dados nacionais para o treinamento de grandes modelos com foco no português.

Nossa preocupação é que, embora os modelos comerciais como ChatGPT e Gemini "falem" a nossa língua, muitas vezes isso ocorre por meio de traduções. Esse processo pode resultar em uma imposição cultural e subjetiva das línguas dominantes, como o inglês, gerando respostas incorretas e enviesadas.

Fiquei feliz em ver que a nossa inquietação foi contemplada, mas ainda tenho dúvidas de como as coisas vão acontecer. O documento prevê a construção de um modelo de linguagem (LLM) robusto para português em 12 meses, mas não deixa nenhuma pista de como isso será feito.

Quem vai desenvolver o modelo? Vamos apostar em um campeão nacional? O modelo será disponibilizado em qual licença? Aliás, esse é um ponto de atenção. O documento não cita explicitamente a importância e necessidade de modelos de código aberto, que é um fator estratégico e fundamental para o avanço da área no Brasil.

Outra questão que passou batida é a colaboração com os países líderes neste setor. O plano cita ações de compartilhamento da infraestrutura brasileira com outros países emergentes, mas o que podemos fazer com aqueles que lideram o desenvolvimento da tecnologia?

Eu sei que o plano visa justamente trazer autonomia, mas o país não está isolado e a inovação não acontece no vácuo. O Brasil deve pensar também em ações estratégicas de colaboração e intercâmbio com quem está na frente nesta corrida.

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Lembro que esta versão do plano ainda é uma proposta do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia entregue ao Lula. O documento será discutido internamente no governo federal e poderá sofrer alterações.

O risco agora é que o plano original seja descaracterizado ou tenha uma implementação inadequada. Precisaremos acompanhar de perto, pois as ideias são boas e, se bem executadas, podem levar o Brasil a um novo patamar de desenvolvimento tecnológico.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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