Não se engane, vídeos curtos podem fazer sua vida ainda mais entediante
Ninguém gosta do tédio. É aquela experiência emocional que surge quando sentimos falta de algo, de um estímulo, de alguma coisa que nos engaje. A realidade atual é tão dinâmica e focada em alta produtividade que surge o fenômeno de aversão ao tempo livre. Sim, já tem até pesquisadores que falam em óciofobia.
A tecnologia aparece como uma alternativa para eliminarmos essa sensação desagradável.
Desde a TV e videogames, passando pela Internet e redes sociais, diferentes artefatos tecnológicos foram criados para nos entreter e eliminar os grandes períodos de tédio.
Uma tarde inteira de um domingo sem ter o que fazer, por exemplo, pode ser terrível para muitas pessoas.
Mas ao mesmo tempo em que a tecnologia se torna mais ubíqua e entrelaçada com a nossa própria existência, passa a penetrar nos micros momentos da vida, deixando pouco espaço até mesmo para o micro tédio.
A nossa paciência diminui a cada dia e precisamos estar sempre ativos, presentes e conectados com o mundo.
O smartphone é o dispositivo que está à disposição para preencher, com estímulos reforçadores, o menor espaço de tempo que seja.
Para muitos, é o smartphone que faz a pessoa se sentir viva.
A coisa é tão preocupante que recentemente eu descobri até um novo termo. É a "nomofobia", a fobia causada pelo desconforto ou angústia de não ter acesso à comunicação por meio dos dispositivos celulares.
Quem de vocês, queridos leitores, já passaram por isso?
Só que as coisas vêm ficando mais sensíveis. O TikTok introduziu um novo espírito do tempo.
A dinâmica dos vídeos curtos mudou radicalmente como consumimos conteúdos online e influenciou que outras plataformas seguissem o mesmo caminho.
YouTube, Instagram, X e até mesmo o LinkedIn implementaram a funcionalidade em que basta arrastar o dedo sob a tela para trocar de vídeo.
O algoritmo fará de tudo para entregar algum conteúdo ainda mais atrativo.
Esta troca rápida entre vídeos é o novo normal. Tanto é que os criadores de conteúdos trabalham com a nova lei dos 3 segundos. Se o seu conteúdo não engajar a audiência nesse tempo, as pessoas passam para o próximo.
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Quero receberE você perdeu. E perdeu feio, porque certamente o algoritmo não fará nenhum esforço para entregá-lo.
Eu tenho várias críticas - e questões em aberto - sobre esse formato, não apenas em relação aos efeitos comunicacionais na sociedade, mas também sobre o impacto na cognição de cada pessoa.
Quais as consequências do uso excessivo de uma plataforma que permite a troca de conteúdo tão rapidamente e sem contexto.
Estamos vivendo de cortes. De pedaços de uma realidade fragmentada. Discursos sem contextos. Pequenas bombinhas de dopamina que são impulsionadas por algoritmos.
E tudo isso coloca a sociedade em um estado dormente, em que o tempo é invadido por tantos estímulos que não sobra quase nada para exercitarmos o nosso pensamento crítico.
E esse mecanismo de recompensas rápidas entrou em uma fase tão extrema que pode ter o efeito contrário.
Nesta semana, um estudo publicado no "Journal of Experimental Psychology" mostrou que ficar deslizando por vídeos online para aliviar o tédio pode fazer as pessoas, na verdade, se sentirem mais entediadas, menos satisfeitas e pouco envolvidas com o conteúdo.
O estudo foi composto por sete experimentos e contou com mais de 1.200 pessoas. Embora os participantes achassem que mudar de conteúdo ajudaria a diminuir o tédio, o estudo descobriu que eles ficavam mais entediados, menos satisfeitos, com a atenção comprometida e perdiam o significado do conteúdo.
A pesquisa também discutiu que assistir a um único vídeo com dedicação é mais satisfatório e significativo do que ficar mudando entre eles.
Na conclusão do artigo, os autores terminam dizendo que "na era digital, em que assistir vídeos é uma grande fonte de entretenimento, nossa pesquisa indica que o divertimento provavelmente vem de imergir em vídeos do que ficar trocando entre eles".
O fenômeno de vídeos curtos é recente, mas felizmente começam a surgir os primeiros estudos sobre os impactos que eles podem ter para as diferentes dimensões da vida humana.
Já temos evidências de que talvez eles não sejam tão eficientes para diminuir nosso tédio, mas continuamos com muitas perguntas sobre seu impacto na saúde mental, aprendizado e a própria democracia.
A política está sendo engolida pelos vídeos curtos. Alguns candidatos entenderam que podem usar isso para deixar a política menos tediosa. E isso pode ser um problema. E isso também é assunto para uma próxima coluna.
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