IA nos buscadores pode destruir a web como conhecemos
O mundo digital está próximo de uma transformação radical com a inserção da inteligência artificial nos principais motores de busca. Diversas empresas estão lançando serviços que combinam a tecnologia de chatbots com os buscadores tradicionais.
Por exemplo, o Bing integrou o ChatGPT, o Perplexity é um buscador que nasceu com IA, e a OpenAI lançou recentemente o SearchGPT. Até mesmo o Google, líder do setor, está experimentando essa nova abordagem com a funcionalidade "AI Overview" em seu próprio buscador.
Tudo isso parece ser uma resposta natural a uma perspectiva de mudança de comportamento dos usuários na rede. Desde que o ChatGPT foi lançado, as pessoas passaram a usar o chatbot como uma fonte de informação. Embora não seja o uso mais adequado —porque a IA pode alucinar ou dar respostas desatualizadas—, é o que vem ganhando popularidade. As pessoas querem fazer perguntas e receber uma resposta direta.
Essa perspectiva rompe com o paradigma da busca que estamos acostumados. A web foi elaborada por Tim Berners-Lee como um espaço descentralizado no qual conteúdos se conectam por meio de links. O sucesso do Google veio justamente ao criar uma máquina capaz de organizar todos esses recursos e indicar os links mais apropriados quando um usuário fizesse uma consulta.
Só que, ao que tudo indica, estamos migrando de uma "máquina que busca informação" para uma "máquina que responde diretamente às nossas perguntas". Enquanto o buscador tradicional retorna nossas consultas com diversos links para acessarmos uma pluralidade de conteúdos originais, o buscador com IA já lê tudo isso e compila em uma resposta pronta para nós.
O buscador sempre foi uma das portas de entrada para a web, indicando caminhos para diferentes sites e portais. Porém, quando integramos IA em seus mecanismos, ele passa a atuar mais como um grande compilador de conteúdos, como se toda a Web estivesse dentro dele.
Testei o SearchGPT e gostei da funcionalidade: respostas rápidas, completas e praticamente sem alucinações. O ponto é que, embora essa mudança ofereça uma boa experiência ao usuário, ela altera toda a dinâmica de funcionamento da web, trazendo consequências nem sempre tão óbvias.
Consequências econômicas
Uma delas está relacionada ao tráfego e à economia digital. Os buscadores com IA até colocam os links com as fontes nas respostas, mas quem vai querer clicar neles se o conteúdo está logo ali, à frente de seus olhos?
Uma das hipóteses é que as visitas aos sites caiam e que parte considerável do tráfego fique autocontida dentro do próprio buscador. Portais, sites e quem cria conteúdo, incluindo jornais e revistas, vão receber cada vez menos acessos e, consequentemente, menos dinheiro. E não podemos nos esquecer que os incentivos econômicos da produção de conteúdo online estão relacionados com o volume de tráfego: anúncios, assinaturas e vendas são impactadas diretamente pela sua queda.
Ao esconder a web atrás de sua interface de chatbot, os buscadores com IA podem golpear ainda mais uma indústria que luta para sobreviver.
Tudo ainda é uma novidade e ninguém sabe ao certo como a coisa vai se desenrolar. Nem mesmo o Google parece ter ideia clara de como vai responder a essas mudanças que podem impactar uma de suas principais fontes de receita: a venda de link patrocinados.
Mas se as hipóteses se confirmarem e o paradigma da busca mudar, os fundamentos que regem a economia digital desde a criação da web serão implodidos. Vamos ter que pensar em novos arranjos econômicos e regulatórios para que o ambiente digital se torne economicamente sustentável para que os conteúdos continuem sendo criados.
Consequências éticas e culturais
Ao empacotar respostas de maneira diretas e prontas, a IA fará escolhas sobre quais pontos de vistas da realidade devem ser lidos e entendidos. Outro desafio continua sendo lidar com as alucinações.
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Quero receberUma das críticas aos chatbots é que muitas vezes eles trazem respostas únicas e não exploram diferentes ângulos para o mesmo assunto. E sabemos que, para as perguntas mais importantes da vida, não existe apenas uma única resposta. O termo NORA ("No One Right Answer"), algo como "Sem Uma Resposta Certa", em português, denota essa dificuldade na elaboração das respostas.
Também não podemos ignorar o fato da IA priorizar informações mais populares, o que pode marginalizar conteúdos de nichos ou menos convencionais. As consequências podem ser a uniformização do contexto e a limitação de exposição ao diferente, levando ao fortalecimento de uma monocultura no mundo digital.
Antes, alertávamos sobre essas coisas em relação ao ChatGPT e outros chatbots, mas ainda contávamos com os buscadores para encontrar informações alternativas e adicionais. Agora, nem isso é possível já que os próprios buscadores estão sendo engolidos pela IA.
É momento de discussão. Precisamos antecipar todos os cenários e propor caminhos técnicos, econômicos e regulatórios para que o futuro não seja de mais concentração na mão de quem hoje controla a maior parte do tráfego online. A constelação da web não pode se reduzir a uma única estrela.
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