Diogo Cortiz

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Opinião

Monopólio do Google: venda do Chrome deixará lição ao mercado de IA

Google é um monopólio. É assim que decidiu a justiça federal dos Estados Unidos em agosto, com base no poder econômico que a empresa usa para prejudicar a concorrência ao firmar parcerias com Apple e Samsung para que o seu buscador seja o padrão nos smartphones.

As consequências e o remédio ainda estão por vir. O juiz marcou uma audiência para abril do ano que vem para discutir quais mudanças o Google deve implementar para mitigar o comportamento ilegal. Uma decisão final deve acontecer apenas em agosto de 2025.

Mas na última quarta-feira (20), a empresa sofreu mais um golpe. O Departamento de Justiça foi mais específico e pediu que o juiz ordene a venda do navegador Chrome como medida para aliviar o cenário de monopólio.

O Google detém cerca de 90% do mercado de buscas online, enquanto o Chrome, navegador padrão para 60% dos usuários, desempenha o papel de porta de entrada da web para a maioria das pessoas conectadas.

Para entender a relação do Chrome com o monopólio da busca, vou dar um exemplo.

Quando você digita qualquer palavra que não seja o endereço de um site no Chrome, o navegador retorna automaticamente os resultados de busca do Google. Isso acontece porque o buscador já vem configurado de fábrica como padrão.

O navegador também é uma fonte importante de coleta de dados e funcionalidades para oferecer um serviço de busca mais personalizado.

Embora a empresa argumente que isso traga uma boa experiência de uso e navegação para o usuário, o que eu concordo, esse arranjo aumenta a circulação de tráfego apenas dentro dos seus domínios.

Essa prática monopolista tende a se intensificar com a inserção de IA no seu buscador. Escrevi uma coluna recente em que eu falo que a "IA nos buscadores pode destruir a web como conhecemos", especialmente porque o mecanismo de busca passa a concentrar cada vez mais o tráfego dentro deles, afetando a receita de jornais, revistas e criadores de conteúdos.

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Esse é o próximo tópico que estará em discussão nos tribunais.

Agora, fica uma pergunta. Se o Google tiver mesmo que vender o Chrome, quem vai comprar?

Os candidatos naturais são concorrentes de tecnologia, como Amazon e Meta, mas isso não seria aprovado tão facilmente pelos órgãos reguladores.

A OpenAI pode ser um nome que corre por fora. A empresa vem trabalhando numa ideia de fazer o seu próprio navegador e contratou ex-funcionários do Chrome para o projeto.

Com o lançamento do SearchGPT, um motor de busca com IA para rivalizar com o Google, é um caminho estratégico ter o seu browser. Tudo isso demonstra, mais uma vez, que o mercado de tecnologia tende à agregação de poder.

Consequências para o mercado de IA

Em resposta, o Google afirmou que o pedido do Departamento de Justiça prejudicaria a privacidade e a segurança dos americanos, além de enfraquecer os investimentos da empresa em IA. Com menos receita, o gigante de busca teria que diminuir o ritmo de desenvolvimento da IA.

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Essa situação, porém, vai além do Google. Os órgãos reguladores e a justiça começam a olhar para o ecossistema de IA como um mercado concentradíssimo, tentando antecipar cenários que aconteceram anteriormente no mercado de tecnologia, como os buscadores.

É importante lembrar que as bigtechs que estão passando pelo escrutínio de monopólio são as mesmas que lideram o universo da IA. Isso acontece por conta de três principais fatores: poder de infraestrutura computacional, concentração de dados e desenvolvimento de modelos de fronteiras.

A capacidade de computação necessária para treinar os novos modelos de IA é uma coisa absurda. A esmagadora maioria das startups ao redor do mundo dependem do ambiente em nuvem das bigtechs para conseguir desenvolver seus projetos.

E, assim, as gigantes passam a ter acesso a serviços que ainda estão nascendo, muitas vezes propondo acordos comerciais ou comprando os novos entrantes antes que cheguem ao estrelato.

Jack Corrigan da Georgetown University comenta, em matéria na revista Time, que um estudo inicial do seu time identificou pelo menos 89 empresas de IA que foram adquiridas por Google, Apple, Meta e Microsoft na última década.

A academia e a ciência também sofrem com essa concentração. Mesmo as principais universidades do mundo precisam fazer parceria com as bigtechs para conseguir acesso a clusters de GPUs. É por isso que nos EUA existe um projeto de lei (CREATE AI ACT) que tem como objetivo estabelecer uma infraestrutura compartilhada para que pesquisadores e estudantes tenham recursos mínimos para suas pesquisas em IA.

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A questão é: como os legisladores conseguirão combater monopólios (ou oligopólios) no mercado de IA?

Essa é uma pergunta para a qual ainda não temos uma resposta, até porque a natureza da IA é de concentração. Para conseguir criar modelos de fronteiras são necessários investimentos absurdos em capital humano e infraestrutura computacional. Também é mandatório um volume gigante de dados que muitas vezes está exclusivamente nas mãos das próprias bigtechs.

O jeito é encontrar novas formas de enquadrar o problema considerando que novos cenários demandam novas e criativas medidas. Precisamos pensar em políticas públicas e regulações que estimulem a competição em IA para que novos entrantes fiquem menos nas mãos das bigtechs.

Incentivar a criação de infraestruturas públicas e compartilhadas, além do desenvolvimento de modelos de código aberto, são estratégias importantes. Outro ponto que não pode ser deixado de lado é o acesso a dados.

Não faz muito tempo que escrevi uma coluna argumentando que, no caso do Brasil, precisamos de políticas e mecanismos para que possamos acessar pelo menos uma parte dos dados que os brasileiros geram dentro do domínio das plataformas internacionais, como as do Google e Meta. Esta não é apenas uma questão de competição econômica, mas de soberania.

A área de IA avança rapidamente, e os formuladores de políticas precisarão agir de forma ainda mais ágil e criativa se quiserem garantir um cenário mais competitivo para a IA do que foi com os buscadores.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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