Diogo Cortiz

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Reportagem

É contraditório, mas as mídias digitais estão nos deixando mais entediados

Faça uma autoanálise: o quanto você tem se sentindo entediado nos últimos tempos?

Se a resposta for frequentemente, você não está sozinho. Um novo artigo publicado na Comumnications Psychology mostra que a humanidade está ficando mais entediada do que nunca.

Uma definição de tédio é "um estado aversivo de querer, mas ser incapaz de se envolver em atividades satisfatórias". Lendo essa descrição, parece fácil combatê-lo com um smartphone em mãos. Tentamos matar até mesmo o micro tédio. Basta um espaço de tempo de segundos entre uma coisa e outra para sacarmos o celular e começar a scrollar pelo feed infinito das redes sociais.

O problema é que esse tipo de comportamento parece ter um efeito rebote, intensificando ainda mais esse estado aversivo. Segundo o artigo, que reúne uma série de estudos, há uma tendência crescente no número de pessoas que se declaram entediadas desde 2010.

Como se entediar diante de tantos estímulos?

A coisa parece contraditória, afinal foi nesse período em que passamos a ter à nossa disposição uma quantidade absurda de opções de entretenimento. Os serviços de streaming foram lançados, e as redes sociais se popularizaram com dinâmicas de conteúdos cada vez mais estimulantes.

Então, como as pessoas estão ficando mais entediadas?

Para responder a esta pergunta, precisamos entender melhor a relação da tecnologia com o tédio. Os autores do estudo argumentam que as mídias digitais trazem esse efeito por vários motivos, mas destaco dois: elas dividem a nossa atenção e elevam o nível desejado de engajamento.

A desatenção é uma característica definidora do tédio, de acordo com diversos modelos teóricos. Isso acontece quando as pessoas encontram dificuldades em se engajar em uma atividade singular e significativa por muito tempo. E todos nós sabemos que as mídias digitais fragmentam nossa atenção ao deixar a um clique de distância o acesso a inúmeros estímulos diferentes.

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Essa dinâmica se relaciona diretamente com o segundo ponto: o nível de estímulo e engajamento. A abundância de conteúdos recompensadores nas mídias digitais faz com que elevemos o nível de engajamento necessário para sairmos do estado de tédio.

Essa exposição crônica a estímulos recompensadores incentiva a queremos sempre algo a mais, fazendo com que as atividades anteriores se tornem cada vez mais entediantes. Ler um livro, assistir a um filme longo ou a uma aula são atividades que passaram a competir com outros incentivos mais frenéticos.

E tudo isso deve piorar ainda mais. O estudo traz dados até 2020, mas de lá para cá surgiram os vídeos curtos que criam uma dinâmica ainda mais desenfreada. Com o simples rolar na tela, as pessoas trocam de estímulos dezenas de vezes em poucos segundos. A velocidade agora é outra.

Existe até mesmo a "lei dos 3 segundos". Se um vídeo não conseguir fisgar a audiência nesse tempo, a pessoa muda de conteúdo. É a combinação explosiva de uma atenção fragmentada com a busca eterna pelos estímulos mais recompensadores.

Quais as consequências disso?

O abandono de atividades significativas, o aumento da insatisfação e a piora da saúde mental. Precisamos urgentemente desafiar a norma criada pelas big techs e deixar claro que nem tudo o que importa na vida consegue ter um nível alto de empolgação como os das mídias digitais.

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Como escreveram os autores ao finalizar o artigo: "nesta era digital, aprender a navegar pelos momentos mundanos é mais essencial do que nunca". Concordo plenamente.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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