O que Zuckerberg ganha ao se aliar a Trump
Zuckerberg postou hoje um vídeo no Instagram anunciando uma mudança radical nas políticas da Meta para lidar com a moderação de conteúdo. Ontem, já tinha anunciado Dana White, CEO do UFC e aliado de Trump, para o conselho da empresa.
Não vou dizer que o anúncio foi uma grande surpresa. O CEO já dava sinais de se aproximar do seu ex-rival, inclusive com encontro na residência do presidente eleito em Mar-a-Lago e com a nomeação do republicano Joel Kaplan para liderar o time global de políticas públicas.
O que surpreendeu, no entanto, foi tanto a forma e o conteúdo da mensagem. Com um tom passivo-agressivo, não faltaram cutucadas para a imprensa tradicional e ameaças para governos ao redor do mundo.
O assunto principal do vídeo era contar que a Meta está mudando radicalmente a forma como irá fazer a moderação de conteúdo. As parcerias com os institutos de fact-checking darão lugar a um mecanismo chamado "Notas de Comunidade", funcionalidade em que os próprios usuários podem adicionar um contexto para uma postagem, como acontece no X (antigo Twitter).
Zuckerberg também fez comentários que ecoam ainda mais o discurso de Trump e Musk. Disse que vai mover a equipe de moderação da Califórnia para o Texas para reduzir os vieses (sem dar mais detalhes) e que as suas plataformas irão retomar a recomendação de conteúdos políticos.
Todas essas mudanças geram preocupações e levantam questionamentos amplamente noticiados, mas há outro ponto que também chamou minha atenção. Em um momento do vídeo, Zuckerberg deixa claro que irá se aliar ao presidente eleito Donald Trump para pressionar governos ao redor do mundo por uma desregulação ainda maior das plataformas, como uma forma de proteção das empresas americanas.
Ancorado no discurso da defesa da liberdade de expressão, ele citou nominalmente a União Europeia e a América Latina --na qual disse existir "tribunais secretos".
Essa mudança de posicionamento se justifica por motivos políticos e econômicos. Além de evitar o fogo cruzado da administração Trump, Zuckerberg ganha força contra dois atores que ele julga prejudicial para seus negócios: a imprensa e outros governos ao redor do mundo.
A briga com a imprensa não é de hoje. As plataformas da Meta estão sempre em um escrutínio público por questões de moderação de conteúdo, vício, saúde mental, entre outros problemas. Também existe uma disputa econômica pela remuneração do jornalismo, que coloca as plataformas de um lado e os veículos de comunicação do outro.
Na questão geopolítica, a vida da Meta é mais difícil em outros países do que nos EUA. Muitas regulações colocam regras que dificultam que as empresas de tecnologia possam fazer o que bem entenderem dentro de suas fronteiras. Enquanto alguns dizem que isso traz um ambiente mais saudável para a sociedade, a indústria tende a argumentar que isso inibe a inovação.
Hoje, a regulação das plataformas é um tema recorrente em muitos países. Faz sentido então para a Meta aproveitar a força protecionista de Trump para pressionar governos ao redor do mundo por uma agenda de menos regulação contra as empresas americanas.
Em teoria, Zuckerberg parece ter feito um movimento estratégico que pode ser positivo para seus negócios. Além de não arrumar encrenca com a administração Trump, aproveita a força do governo para fazer sua própria agenda ganhar fôlego. Resta saber, no entanto, como a sociedade e os governos vão reagir a essas mudanças e como ficará a credibilidade das plataformas no curto e médio prazo.
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