Por que a África é mais atraente para a tecnologia chinesa do que o Brasil?
Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail
Tecnologia chinesa em solo africano não é exatamente uma novidade. De acordo com a consultoria IDC, 70% da infraestrutura 4G do continente negro é operada pela Huawei. A mesma fonte aponta que 40% de todos os celulares em uso nos países africanos são de marcas controladas pela Transsion, uma corporação chinesa que mantém centros de pesquisa e desenvolvimento no Quênia e é capaz de vender telefones do tipo flip por preços que não chegam a US$ 15.
A presença tech da China no continente, no entanto, poderia ser atribuída a uma política governamental de Pequim. Há três anos, o atual governo chinês liberou linhas de crédito que superam os US$ 10 bilhões para empresas privadas e estatais do país asiático que desejem investir na África. O objetivo, além de econômico, seria político, assegurando o apoio e a simpatia de nações africanas às pretensões chinesas de ser reconhecida como uma potência de influência mundial.
O fato novo, apontado pela Escola de Estudos Avançados em África, da Universidade John Hopkins, nos Estados Unidos, é que uma dezena de empresas privadas e fundos de venture capital chineses estão se movendo em direção à África por razões puramente mercadológicas, mesmo quando não contam com nenhum estímulo do governo de seu país.
Se no passado foi fundamental o, digamos, "apoio moral" de Pequim para que Huawei e Transsion se movessem em direção à África, corporações como Meituan, Tencent e Netease o fazem por puro instinto financeiro. As companhias de internet, games e plataformas de entrega de bens e serviços já chegaram próximas de seu nível máximo de desenvolvimento dentro da China e, para crescer, precisam do mercado internacional.
O destino natural do capital tech chinês, os Estados Unidos, deixaram de ser um local atraente em função das crescentes hostilidades americanas contra apps chineses, cujo exemplo mais midiático é a ameaça de banimento da ByteDance, empresa controladora do TikTok, do país.
As alternativas aos Estados Unidos poderiam ser os países da América Latina, Índia ou mesmo nações menores do Sudeste da Ásia, como Vietnã e Tailândia. Bem, de acordo com análise da John Hopkins, com exceção dos mercados asiáticos, todos os demais têm fracassado em atrair o dinheiro de Pequim. A Índia, metida em um conflito fronteiriço, passou ela própria a banir aplicações chinesas e, na América Latina, os maiores mercados do continente vivem circunstancialmente forte alinhamento com os Estados Unidos. O exemplo óbvio é o Brasil, maior país da região em número de usuários digitais e cujo governo dia sim, outro também, dá declarações de desapreço à China, seu maior parceiro comercial.
Na África, no entanto, o baixo interesse europeu e americano pelo mercado local, que valeu o apelido de "Continente Esquecido" à região, deixou uma avenida aberta para os chineses. Atualmente, o continente possui 1,3 bilhão de habitantes e, nos próximos cinco anos, deve ultrapassar a população da China, atualmente calculada em 1,39 bilhão. Seis das dez economias que mais crescem no mundo estão na África. Enquanto Brasil e Argentina, por exemplo, patinam em uma crise que já dura ao menos cinco anos, nações africanas antes consideradas "irrelevantes" para o mercado internacional crescem de forma acelerada. Sudão do Sul, Ruanda, Costa do Marfim e Etiópia, por exemplo, cresceram entre 7% e 8% em 2019, de acordo com dados do Fundo Monetário Internacional.
Entre os ativos africanos mais disputados pelos fundos chineses estão as fintechs. Como o continente possui a mais baixa taxa de bancarização do mundo, a expectativa dos investidores é que fintechs baseadas em transações mobile, pagamentos digitais e criptomoedas solucionem o histórico problema de países africanos em estruturar modelos eficientes de crédito e transações financeiras.
Em 2019, antes da crise global causada pelo coronavírus, mais de US$ 2 bilhões entraram no continente especificamente para financiar fintechs. Um dos investimentos mais promissores foi feito pela Ópera, uma empresa originalmente norueguesa, mas comprada há quatro anos pelo gigante chinês Quihoo. A empresa reproduziu, na Nigéria, por meio do aplicativo Opay, fenômeno similar ao realizado por Alipay e WeChat Pay na China, a criação de um superapp que permite poupar, investir, tomar empréstimos e fazer pagamentos.
O aprofundado estudo feito pela Universidade John Hopkins, por si só, reflete como o mundo acadêmico americano observa, com preocupação, a gradual ascensão chinesa em áreas, antes, sob influência quase que exclusiva de nações Ocidentais, notadamente os próprios americanos e algumas ex-potências europeias. Uma análise feita sob a ótica dos interesses do Brasil pode revelar, ainda, que a China se move para obter, no continente negro, as parcerias que já não confia tanto ter no Brasil.
Se este não fosse uma coluna especializada em tecnologia, poderíamos especular também como países como Angola, Moçambique e Sudão poderão substituir, no futuro próximo, os produtores brasileiros como provedores de commodities agrícolas e minerais para a China, atualmente os ativos mais relevantes de nossa balança comercial.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.