Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
China quer impedir que suas big techs dividam dados com grupos estrangeiros
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Nem aqui, nem na China. A relação entre governos e big techs é sempre permeada por tensão. Quantas vezes, por exemplo, não vimos Zuckerberg, Gates e Sundar Pichai levando lambadas de juízes e congressistas americanos (e eventualmente europeus) pela forma como suas empresas atuam?
A Microsoft, por exemplo, quase foi dividida em duas no final dos anos 90 após uma série de acusações de práticas monopolistas. No Brasil, executivos do Google passaram por grandes dificuldades com o Ministério Público por conta do conteúdo alucinado que circulava nas já extintas comunidades do Orkut.
Atrás na corrida tech, a China deu ampla liberdade para suas empresas de tecnologia inovarem. Elas podem testar novos modelos de negócios, processar dados de usuários como considerarem melhor e desafiar seus competidores em um ambiente de negócios (quase) indecifrável para os rivais estrangeiros. Mais do que isso, o governo chinês garantiu crédito e invejável infraestrutura de internet a seus empreendedores digitais.
A fase do amor, no entanto, acabou. Pequim considera que seu ambiente tech já é maduro o suficiente e não precisa, digamos, de uma "liberdade selvagem" para permanecer relevante.
Nos últimos três meses, quase todas as big techs do país receberam pitos variados, frequentemente seguidos de multas bilionárias.
O passo mais ousado no "esforço regulatório" chinês é a criação de uma nova lei —até o momento aprovada apenas em uma comissão especial— que dá ao governo central o poder de fechar empresas que exponham dados de seus cidadãos a grupos ou governos estrangeiros.
Mais do que isso, em um contexto de crescente pressão americana contra a ascensão tecnológica da China, Pequim deseja que suas estrelas tech busquem capitalizar-se nas bolsas domésticas, como Hong Kong e Xangai, evitando recorrer à Nasdaq, por exemplo.
O temor é óbvio: se estrangeiros detêm elevada participação acionária nas techs chinesas, podem acessar os dados que elas administram... e compartilhá-los com seus governos.
Sob certo aspecto, a linha de raciocínio é similar à usada pelo governo americano para limitar a atuação da ByteDance (controladora do TikTok) e da Huawei em seu país
A Didi, uma das mais brilhantes empresas digitais da China, que integrou diversos modais de transporte em seu app originalmente desenhado para táxis e carros particulares e avançou sobre áreas como financiamento de carros e empréstimos pessoais, foi aconselhada a abrir capital em casa.
Como se sabe, a Didi seguiu plano próprio, à margem das vontades de Pequim, e trabalhou para captar US$ 4,4 bilhões em Nova York. O Cyberspace Administration of China (CAC), um órgão com status de ministério, retaliou.
Esta semana, o CAC anunciou o escrutínio na política de privacidade e dados da Didi. Enquanto a análise não estiver pronta, novos usuários não podem se cadastrar na Didi. Os mais de 450 milhões de contas que já usam a Didi diariamente continuam a fazê-lo normalmente.
Uma linha de análise vê a decisão como demonstração de força e de que o governo, preocupado com o excessivo poder concentrado nas mãos das big techs, opera para submetê-las à sua lógica. Esta linha é claramente explorada nos artigos e reportagens publicados na imprensa americana e inglesa, como The Washington Post, The New York Times ou Financial Times.
Outro ponto de vista explica as recentes duras decisões de Pequim como parte da compreensão de que a cibersegurança é a próxima fronteira de ataques à ascensão chinesa e de que, em um ambiente de disputa tecnológica com os americanos, é preciso garantir que as big techs que exploram seu mercado interno estão a seu lado —e não sob controle de acionistas com passaporte estrangeiro.
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